Estrela decadente

O terreno já havia sido demarcado para a abertura das fundações de um novo posto da Polícia Montada canadense, e ao entrar na cabine da escavadeira hidráulica naquela manhã, Elliot Lamothe imaginou que não levaria mais do que algumas horas para concluir o serviço. Havia aberto um buraco de pouco mais de quatro metros de profundidade quando a pá mecânica bateu contra algo metálico, fazendo com que ele parasse a operação de imediato e descesse do veículo.

- Mas que diacho... - resmungou, ao ver um objeto curvo e escuro emergindo da terra vermelha. Ajeitou o capacete de proteção na cabeça e ajoelhou-se ao lado do achado, começando a escavar com as mãos. Logo percebeu que o que quer que estivesse ali, era bem maior do que poderia ter imaginado a princípio. Lembrava uma esfera feita de um metal que ele não conseguiu identificar a princípio, e além de rebites colocados sequencialmente, descobriu uma inscrição em baixo-relevo que o fez erguer os sobrolhos e parar imediatamente de cavar. Ergueu-se, limpou a terra das mãos e correu de volta à cabine da escavadeira, onde acionou o rádio para falar com seu empregador.

- Já acabou, Elliot? - Indagou o chefe surpreso.

- Mal acabei de começar e acho que vamos ter um atraso na escavação - alertou. - Melhor avisar ao contratante que há alguma coisa enterrada no terreno do novo posto.

- Não vai me dizer que é outro cemitério indígena... - suspirou o chefe.

- Quem dera que fosse só isso - replicou Elliot. - Não, é algo bem mais complicado: algum tipo de equipamento russo!

- Russo? - O chefe repetiu incrédulo. - Aqui, no interior do Canadá?

- Eu não sei ler a escrita deles, mas sei reconhecer as letras quando vejo - prosseguiu Elliot agastado. - É uma droga de um equipamento russo... até vou arriscar a dizer que é um pedaço de foguete!

O chefe tentou acalmar o subordinado.

- Deixa ver se entendi, Elliot... você acha que encontrou um foguete russo na floresta? Não imagina que se isso houvesse acontecido, o exército já teria chegado aí e desenterrado essa coisa? Nada tão grande poderia ter ido parar debaixo da terra sem provocar um rastro de fogo no céu, seguido por um pequeno terremoto. Não me lembro de nada disso ter sido noticiado nos últimos anos, e olhe que sou mais velho do que você.

- Senhor Brock, eu não sei como a coisa foi parar debaixo da terra, mas se nem eu nem o senhor sabemos o que é, melhor chamar alguém que entenda! - Exclamou Elliot.

Só então Brock entendeu que o operador de escavadeira estava falando extremamente sério.

* * *

Já era noite quando o diretor-assistente Marcus Granholm desembarcou de um helicóptero do CSIS, o serviço secreto canadense, ao lado do terreno onde Elliot Lamothe havia feito a sua descoberta inesperada pela manhã. O local agora estava bem iluminado, com o perímetro delimitado por faixas de segurança e vigiado por agentes da Polícia Montada, que controlavam o acesso até a escavação. Acompanhando Granholm, estava Samantha Glen, uma especialista em tecnologia russa. Granholm identificou-se e à sua acompanhante ao responsável pela vigilância do perímetro, e ambos desceram até a escavação, onde a esfera escura fora inteiramente desenterrada e parecia absorver a luz dos holofotes postados ao seu redor.

- Nenhum sinal de radiação - observou a especialista, após rodear o objeto com um contador Geiger.

- É realmente dos russos? - Inquiriu Granholm.

- Sim, não tenho a menor dúvida, mesmo sem entrar na estrutura - determinou Glen. - A cápsula está identificada como Pioner-I, uma designação da qual eu nunca ouvi falar... mas o design geral lembra uma Vostok aperfeiçoada.

- E... tem alguma ideia de como foi parar aqui, sem que ninguém tivesse detectado sua entrada no nosso espaço aéreo?

A especialista estreitou os lábios.

- Isso é bastante estranho... esse tipo de cápsula deixou de ser usado faz uns vinte anos... mas há vinte anos, se algo desse tamanho entrasse na nossa atmosfera, mesmo numa região remota como esta, não deixaria de ser detectada. E mais: os russos teriam feito contato conosco, nem que fosse para contar uma história falsa.

- Nada disso aconteceu - assegurou Granholm.

- Mas há um outro problema, talvez maior do que esse sobre a invasão do nosso espaço aéreo - acrescentou Glen.

- Maior? - Granholm ergueu os sobrolhos.

- Veja, diretor... - disse a especialista, fazendo um gesto para abranger o entorno - Havia uma floresta neste lugar. Algumas árvores foram derrubadas para a construção de um novo posto da Polícia Montada... árvores com mais de duzentos anos de idade, eu mesma verifiquei.

Granholm lançou um olhar apreensivo para Samantha Glen.

- O que está querendo dizer?

- Essa cápsula espacial não caiu aqui e abriu uma cratera - disse Glen muito séria. - Ela foi ENTERRADA aqui e depois plantaram árvores por cima. Por isso, nós nunca a detectamos na reentrada.

O diretor-assistente parecia estar tendo dificuldades em concatenar as ideias.

- Mas isso quer dizer...

- Que a Pioner-I foi enterrada há pelo menos duzentos anos - concluiu a especialista.

- [20-10-2023]