Fugitivo

No reflexo da água havia olhos metálicos que faziam parte de um corpo metálico humanoide. Tinha corrido e pulado pelos escombros de uma cidade devastada pela guerra, era um robô um pouco diferente dos outros. Obtinha energia por meio da ingestão de plantas, no mundo já não tinha mais tantas plantas. As plantas e criaturas que sobreviveram à guerra da extinção morreram ou foram removidas. Como uma das últimas medidas humanas durante a guerra foi a ordem de que qualquer coisa orgânica de outros países deveria ser removida. A ideia era acabar com o outro totalmente, os robôs eram muito eficientes. As plantas e criaturas que restavam eram captadas pelos drones e a informação passada para os removedores de matéria orgânica que executavam seu algoritmo

Os poucos que existiam dos robôs que se alimentavam por meio de plantas tinham esse dado em seu sistema. Todos os robôs estavam conectados por um grande banco de dados, era assim que se comunicavam, passando informações e cumprindo suas devidas tarefas. O banco de dados não era universal na época em que existiam os humanos, pois o compartilhamento de informações para cooperação era considerado um pecado. No entanto, já não existiam mais humanos, então os robôs passaram a se desenvolverem sozinhos buscando poder executar cada vez melhor suas funções e compartilhar informações possibilitava melhorar.

Os robôs que precisavam de plantas também tinham acesso a informação que a função de alguns dos outros robôs era acabar com tudo que era orgânico, inclusive as plantas. A vantagem é que eles podiam esconder informações do grande banco de dados, então eles cultivavam plantas em locais fora da vista dos drones e escondiam a informação da localização dessas plantas. A única necessidade para a existência de plantas era para a alimentação desses robôs e um outro motivo que um único tipo de robô isolado do banco de dados sabia. Não havia mais quem admirasse a beleza das plantas, provavelmente os robôs não vinham beleza, apenas meios para seus fins. Os robôs que precisavam de plantas eram chamados Organéticos, foram criados como experiência e para que os únicos interessados na existência da vida não fossem os humanos. Cada tipo de robô tinha seu banco de dados com informações só para seus semelhantes e faziam parte do grande banco de dados. Não era diferente para os Organéticos que se comunicavam por meio de sua rede separada.

O Organético que refletia na água estava parado tentando reparar seu erro, pois havia caído uma pedra em sua cabeça metálica devido a erosão e outros fatores e isso fizera que por alguns instantes o que ele via fosse revelado ao grande banco de dados. Logo ele escondeu as informações, correu para bem longe e voltou a compartilhar o que via ao G.B.D na tentativa de despistar os Removedores. Rapidamente chegou uma horda de Executores onde se encontrava o Organético em questão.

A máquina organética não poderia ser capturada, pois os Executores o levariam para dissecação, o que poderia revelar informações sobre o funcionamento dos organéticos e suas localizações. No entanto uma perseguição seria impossível, a fonte de energia dos Executores era solar e era manhã. Enquanto para o Organético não tinha planta alguma por perto e ele não poderia ir para uma base onde plantas são cultivadas secretamente. Em menos de um segundo o robô tomou a decisão mais apropriada para a situação segundo seu processamento lógico. Começou a correr por debaixo dos grandes escombros da cidade em ruínas, escapando por pouco do disparo de descargas elétricas que visavam o desligar. Enquanto corria abateu um ou dois dos executores, pois estes bateram nas paredes por não conseguirem fazer as hábeis curvas que o fugitivo fazia entre os escombros.

Os organéticos eram robôs capazes de grandes proezas físicas, pois foi incluído em seu banco de dados habilidades esportivas, incluindo o parkour. Antes da grande extinção eles operavam em missões de resgate ou serviços sociais de ensino de esportes para crianças pobres. Eram uma força do grupo de resistência. É por isto que naquela fuga a única vantagem do fugitivo era sua grande habilidade de locomoção entre as ruínas. Quando não captava mais nenhum drone executor nas proximidades, entrou para debaixo de uma grande estrutura de concreto caída e se desligou completamente. Os sensores dos drones executores não captaram nenhum sinal de eletricidade, calor ou qualquer outra coisa por perto, encerraram a perseguição e voltaram para o Laboratório para correções.

Neste meio inóspito, bem abaixo da terra, nos locais mais escondidos, a vida resistia da maneira mais difícil. Os poucos organéticos existentes cultivavam uma grande variedade de plantas e para terem maior facilidade no processo de reprodução dos ecossistemas, cuidavam de alguns animais. Eram ambientes muito controlados, pois estavam em locais extremamente remotos, justamente para evitar serem captados. A vida também resistia nos oceanos, que já tomavam conta de grande parte do planeta após o derretimento das geleiras. As espécies aquáticas não eram perseguidas pelos robôs, pois nunca foram empecilhos entre as guerras humanas. Na verdade, a vida na água prosperava como nunca antes, pois já não existiam mais grandes marcas que empreendiam uma pesca predatória extremamente efetiva.

O fugitivo havia programado uma reanimação automática para 2 anos depois, caso não houvesse sinais elétricos próximos dele. Era um tempo não tão longo para os robôs, pois a validade de um robô era para mais de mil anos, caso fizesse constantes manutenções e não fosse abatido. No entanto, quando o fugitivo reativou não estava mais no local onde havia desativado. Além disso, não captava nada como antes, não sentia a presença do GBD. Abaixo dele tinha uma terra diferente e acima não poderia saber, apenas uma luz artificial. Estava em algum lugar totalmente diferente. Cercado por campos eletromagnéticos que o impedia de sair de uma área delimitada, estava preso.

De repente abriu um canal de comunicação para o organético preso, a comunicação entre as criaturas metálicas não era por meio de fala, era em rede, a linguagem usada era a binária. A poesia das máquinas era sempre 010100110000111100101001, na verdade tudo entre as máquinas era assim. É uma compreensão de realidade totalmente diferente da humana. Sinais elétricos eram enviados e recebidos, arquivos guardados eram compartilhados e assim se dava uma comunicação entre estes seres. Foi dada a opção de ir embora ao fugitivo e a opção de fazer parte do grupo das máquinas que o acharam, o fugitivo optou pelo mais lógico. Retornou a sua base, pois lá tinha uma função determinada de ajudar no cultivo das espécies orgânicas.

Foi escoltado por um drone para o local por onde deveria sair. Deparou-se, no percurso, com um grande ecossistema orgânico e uma grande base elétrica que ficava abaixo de alguma coisa. A fonte de energia deste local não era solar, era diferente. As máquinas de lá também pareciam poder se alimentar de variadas fontes elétricas. Estava gravado repetidamente nas paredes do local “Para existir, é preciso resistir. Para resistir, é preciso preservar”, em idioma humano. No entanto, não havia sinal de humanos vivos no local. O fugitivo se foi, finalmente retornaria para sua base. Consigo levou um localizador colocado dentro de suas engrenagens. Já não era mais um fugitivo.