Homem - Cobra (Parte 8)

Os dois guardas, um alto e magro com um bigode preto e grosso e um baixo e forte, chegaram à delegacia conduzindo Roger algemado; tiraram dele todos os seus apetrechos como o chapéu, os óculos e a máscara, e após ficarem enojados com a aparência do homem que lembrava um réptil guardaram em algum lugar os acessórios. Um deles, o baixo e troncudo, disse para Roger, quebrando o silêncio que havia entre os três:

— Você tem direito a um telefonema, ô coisa feia. Nós vamos tirar suas algemas, mas se você tentar fazer alguma gracinha, nós estamos armados e não vamos excitar em te meter bala.

— Eu entendi. — disse Roger. — Pode tirar as algemas que eu vou ficar tranqüilo.

A esse momento, o feito da droga que Vitor Ambrósio tinha aplicado nele para o deixar sonolento já não estava mais fazendo efeito, e Roger sabia que graças a sua força sobre humana, ele podia muito bem agredir os dois guardas e fugir, mas achou melhor seguir as ordens deles e agir conforme a lei para não criar mais problemas.

Roger começou a pensar para quem ia telefonar. Ele não tinha mais ninguém que considerasse confiável. Seu pai já havia morrido, sua mãe morava em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais e não merecia ser incomodada. A única pessoa que veio a sua cabeça foi Elisa, sua ex-esposa. Ela queria falar com ele, segundo a mensagem que recebera dela.

Ele sabia que aquela era uma péssima forma de voltar a falar com ela, mais não tinha jeito, era a única pessoa que havia sobrado. Depois cogitou na opção de não ligar para ninguém, mas pensou mais um pouco e decidiu ligar mesmo para Elisa, sua ex-esposa.

Ele digitou no teclado do telefone da delegacia o número que nunca esquecera e aguardou enquanto ouvia o bip mostrando que o telefone estava tocando do outro lado da linha. Chamou uma, duas, três, quatro vezes, e quando Roger começou a pensar que não seria atendido, ouviu um clique e a uma voz doce e feminina que ele já não ouvia há um bom tempo:

— Alô?

— Alô... Elisa?

— Sim. É você, Roger?

— Sim. Sou eu, Elisa.

— Que número é esse? De onde você está me ligando?

— Calma. É uma história meio longa e estranha. Eu recebi a sua mensagem... gostei de saber que você quer voltar a falar comigo, mas a forma como eu venho lhe falar é meio fora do comum.

— Como assim “fora do comum”? O que aconteceu? — questionou Elisa começando a estranhar aquilo tudo.

— Eu estou na delegacia. Eu fui preso.

— Preso? Mas o que diabos você fez?!

— Digamos que eu fui pego brigando com um professor num laboratório de ciências de uma escola.

— O que deu na sua cabeça, Roger? Por que você fez isso?

— Digamos que ele e o pai dele me prejudicaram, e muito.

— Me explica direitinho o endereço de onde você está e eu vou ver o que eu posso fazer por você.

Roger disse a ela então o endereço de onde ele estava, segundo os guardas lhe informaram, e assim finalizaram a ligação.

Depois disso ele foi novamente algemado, e levado dali.

Jogaram-no numa cela sozinho. Era um cubículo meio nojento. Havia um colchão fino de pano que ficava sobre um concreto que servia de cama e uma privada que fedia à fezes misturada com urina. Era um ambiente repugnante.

Ele sentou no colchão frio, encarou uma parede cinza, que tinha alguns arranhões e manchas, e então alguns pensamentos vieram a sua cabeça. “Por que o Vitor não o matara quando teve oportunidade, se o que ele tanto queria era ver Roger morto?” Talvez ele teve receio de ser flagrado assassinando um homem no seu ambiente de trabalho, já que o jovem cientista era tão vaidoso e prezava tanto por sua vida pública.

Roger também começou a pensar no porquê de Vitor ter armado aquela situação para ele ser preso. Era melhor tomar cuidado. Talvez algum perigo o esperava naquela cadeia. O que ele sabia até ali era que Vitor era o único homem além dele que tinha super força. Mas e se o cientista tivesse aplicado o soro em outros homens? E se ele tivesse arquitetado um plano de colocar Roger na cadeia com outro prisioneiro que também tivesse força sobre humana? Isso poderia ser muito perigoso, e era melhor Roger tomar muito cuidado.

Ele se deitou naquela cama dura e improvisada e ficou ali olhando para o teto daquela cela enquanto vários pensamentos vinham em sua mente. No cubículo onde estava, não notou que o dia acabara e que a noite chegara. Só notou que era noite quando um agente penitenciário abriu sua cela segurando uma vasilha redonda de isopor que parecia ser um recipiente para alimento.

— Trouxe sua janta, coisa feia! — disse o agente jogando o vasilhame de isopor em cima da cama. Depois fechou a cela e foi embora, deixando Roger ali sozinho com seu jantar.

Bem que Roger estava com fome, mas quando abriu o recipiente, viu que o que tinha ali já não despertava mais seu apetite. Arroz, feijão e um bife de frango. Se fosse antes de se transformar num homem com características de cobra, aquela seria uma saborosa refeição, mas agora um prato daquele não despertava mais seu interesse. O que ele gostava mesmo era de comer animais recém mortos por suas próprias mãos.

Pensou um pouco e teve uma ideia. Pegou a marmita e colocou no chão, ao lado da privada, ficou sentado na cama imóvel e se pôs a esperar. A comida tinha um cheiro forte e em poucos minutos atraiu o que Roger sabia que tinha naquele lugar sujo: um rato. O pequeno animal veio lentamente, entrou na vasilha e começou a comer o bife de frango.

Roger esperou o roedor ficar bem distraído com a comida e então de repente o pegou rapidamente com a mão direita. O rato não conseguiu fugir.

Aquilo sim era um bom jantar para o homem com aparência de réptil.

Roger estrangulou o pequeno animal, que se debatia em sua mão. Quando ele já perdera a vida, o Homem-Cobra jogou-o inteiro na boca e apreciou enquanto ele descia por sua garganta. Pronto. Aquilo era o suficiente para mantê-lo alimentado.

Depois disso deitou na cama e ficou olhando para o teto até que, tarde da noite, pegou no sono.

Acordou no horário que julgava ser cedo do outro dia com o agente penitenciário batendo na grade de sua cela com um porrete.

— O que foi? — perguntou Roger ainda meio sonolento.

— Trago boas notícias, seu feioso. Alguém pagou sua fiança. Você vai embora. — disse o agente penitenciário.

— Quem pagou minha fiança? — perguntou Roger.

— Foi uma moça bonita. Até que você tem sorte.

“Só pode ser a Elisa”, pensou Roger, e pensou certo, era ela mesmo.

Antes de encontrar com a ex-esposa lá fora, ele fez questão de receber seus objetos pessoais, e colocou tudo, o chapéu, a máscara, os óculos escuros e o sobretudo preto. Quando encontrou a moça foi logo dizendo:

— Obrigado, Elisa. Não precisava se preocupar tanto assim comigo.

— Como você está? — disse Elisa. — Você parece estar estranho. Por que está escondendo tanto seu rosto assim?

— Não quero que você me veja.

— Por quê? O que tem de errado com você?

— É uma longa história, Elisa.

— Então você vai me contar tudo. Quero saber tudinho.

— Acho que não vai ter jeito. Você vai ter que saber.

— Claro que eu vou ter que saber.

Roger então foi tirando lentamente o que escondia sua face. Primeiro o chapéu, depois os óculos e depois a máscara.

— O que aconteceu com seu rosto, Roger? Como você ficou assim? — disse Elisa levando a mão direita à boca que estava aberta.

CONTINUA...

Higor Santos
Enviado por Higor Santos em 25/09/2023
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