Cobaias

João e Maria circulavam de carro pela rodovia Rio Santos no primeiro sábado de fevereiro de 2007. Nem era meia-noite, con-tudo, sabiam de que o caminho seria longo e demorado até a cidade do Rio de Janeiro. Como ele, o seu próprio motorista não dirigia muito depressa, pois tinha pavor em atingir velocidades extremas, sabia a pleno direito, de que, para cobrir os quatrocen-tos e tantos quilômetros pela rodovia Rio Santos, talvez levas-sem umas dez ou onze horas, isto é, se nada de anormal aconte-cesse durante o trajeto. Todavia, o que eles nunca poderiam imaginar de longe ou de perto, de que, essa seria a viagem mais turbulenta e maluca de toda a vida do casal, deixando de lado o arranca-rabo de os dois por todo o trajeto, e à toa, isso tudo desde o segundo dia de casados. Uma festança para quem gos-tasse de bisbilhotar as discussões mais acaloradas possíveis de se ouvir atrás das portas para descobrir particularidades da vida alheia.

Estavam casados fazia pouco tempo, apenas dois anos e na-da de filhos. Longe estava à ideia de tê-los, pelo menos não tão cedo. Contudo, nenhum de os dois desconfiava de que sem um tratamento adequado um deles nunca poderia ter o prazer de a procriação. João Silva era um executivo de carreira brilhante e promissora, ainda que bastante jovem. Somente vinte e nove anos. Empregado na empresa multinacional “Sonhos e Ilusões” na Avenida Atlântica no Rio de Janeiro, num luxuoso escritório de três pavimentos frente ao mar em plena praia de Copa Caba-na. O trabalho dele era o de fechar contratos de prestação de serviços de ilusões virtuais para viagens turísticas imaginárias pré-programadas em lugares onde se arquitetasse estar passean-do ou a negócios imaginativamente a um “vivo” virtual. Já, Ma-ria Gomes era a secretária de finanças de uma firma exportadora de café com sede na cidade de Santos e filiais em nove países espalhados pela Europa Ásia e América do Norte. Maria Gomes, bastante jovem, apenas um ano mais nova do que o seu marido, a querida dondoca tinha um pequeno probleminha esquizofrêni-co enraizado no seu ela mesma. Na sua psique; ciúmes doentios do marido. Motivo pelo qual sempre viviam discutindo e que-brando o pau mais para lá do que possa vir a ser tratado de mui-to “feio”. Maria Gomes estranhou quando o marido disse a ela que precisava se apresentar no escritório da diretoria da empresa onde ele trabalhava no Rio de Janeiro no sábado pela parte da manhã.

— Mas que viagem tão repentina é essa, seu idiota. — Maria Gomes gritou com ele. — E você só me avisa na tarde de sexta-feira. Não acredito que a viagem seja apenas a serviço seu filho da mãe! A traquinada é tão somente para que eu não vá com você. Não é isso? Aí, trouxa tá querendo me enrolar?

— Querida, foi só agora pouco que eu soube que necessita-vam de mim lá no Rio. Fui avisado quase neste instante de que deveria estar no escritório central com a máxima urgência ama-nhã antes do almoço. Lá pelo meio-dia. E sem falta.

— Nem vem nenê. . . nem vem que não tem. . . pilantra! Co-nheço bem as tuas tentativas de trapaças para comigo. Eu vou com você, sim, e ponto final!

Maria Gomes não deixava o marido falar. Era ela que co-mandava o show de ofensas. Jurava de pés juntos de que, aquele encontro deveria ser importante sim, mas não para o seu traba-lho na empresa, pelo menos não o habitual trabalho que ele exercia. Depois de muita briga e de farta discussão em casa, que excedia todos os limites razoáveis da paciência de alguém quase os levando a trocarem porradas, João Silva apoquentado, e mais do que puto da vida acabou cedendo, de moral arrasada e em baixa, aos caprichos da “querida” esposa.

— Está bem Maria, vai ficar tudo nos conformes! Você ven-ceu! A senhora vem comigo, mas lembre-se de uma coisa, foi você que quis vir por causa desta sua desconfiança tola. Se por acaso na segunda-feira não puderes ir trabalhar por qualquer motivo, não me culpes, ouviu? Fica bem quietinha aí na tua!

— Nem vem que não tem espertinho. — Maria Gomes transmitia a alocução com sagaz insolência. — Conheço-te e muito bem seu pilantra, você vai fazer tudo o possível e o im-possível para que eu não vá trabalhar na segunda-feira seu safa-do mulherengo; e de propósito, viu! E vai ser apenas para saciar apenas o teu ego machista, seu. . . seu. . . seu sem vergonha! Seu. . . seu. . . maldito mulherengo das arábias. . .

— Puta merda Maria, você não consegue tirar essa maldita ideia da cabeça. Já te provei mais de mil vezes de que depois que casei com você nunca estive nem estarei em tempo algum com outra porra de mulher para me foder a paciência igual, ou mais do que você, a não ser para tratar de negócios. Dinheiro sabe? Conhece o dinheiro, não conhece? Você é a única querida! Você é a única mulher que eu já amei na vida! Contudo estou quase me arrependendo de essa merda ter acontecido! De ter-me casado com uma peste como você!

João Silva desabafava puto da vida, aos berros. A porra do entardecer daquela sexta-feira estava virando uma fedorenta titica.

— Sai pra lá seu nojento pau-de-arara! Fica longe de mim seu mentiroso. Eu sei quais são esses seus negócios, são o de botar o pau para dentro de alguma. . . seu. . . seu machista de uma figa!

— Assim não vai dar certo não! — João Silva cuspia as pala-vras puto da vida como devem sentir-se as sardinhas dentro das latas de conserva. — Ou você para de encher-me o saco, ou vou embora mais do que depressa daqui sem levar você. Pinico a mula neste mesmo instante. Não quero e não posso dirigir no estado de nervos que me encontro. Com a adrenalina a mil por hora!

Maria Gomes ao fim e ao cabo deu um tempinho. Ufa! Que alivio. Mas a porra do caminhão carregado com qualquer porca-ria que fosse, a esposa ainda não o tinha esvaziado por inteiro. Mais do que depressa, Maria Gomes preparou uma pequena mo-chila e, partiram rumo ao Rio de Janeiro.

Não havia se passado quinze minutos e os problemas come-çaram na fila na balsa de Santos Guarujá.

— Caralho! — berrou João Silva, aflito. — Veja Maria, a porcaria da fila da balsa se encontra pra lá do Aquário Munici-pal! Puta que me pariu, ainda não são seis horas da tarde, não é feriado nem a hora do rush pesado ainda é, e a fila já se encontra enorme desse jeito? Vamos ter de esperar quem sabe umas duas horas e meia até chegar a nossa vez de atravessar para o Guaru-já. Viu Maria, por tua causa a viagem já está começando de mal a pior!

— Sai pra lá bicho papão, não se manca não? Sem essa, tá bem! — de novo, a discussão entre os dois “amores” teve o seu prosseguimento.

O agito dentro do carro ia longe e a fila devagar quase paran-do devido a uma densa neblina no meio do canal do Porto de Santos. Até os gigantescos cargueiros e, ou os luxuosos navios de turismo “dormitavam” na barra de Santos sem poderem en-trar para atracar ou saírem do porto para o alto-mar. Após uns vinte minutos de muita discussão dentro do carro, os dois se acalmaram um pouco. Era mais do que certo que ficaram cansa-dos de tanto gritar um com o outro.

— Oi machão. . . — pronto, começou tudo de novo —, vai buscar para mim um café com leite e um pedaço de bolo naquele bar da esquina, rápido! — disse indicando o estabelecimento comercial movendo a cabeça para o lado esquerdo no sentido da enorme fila de embarque —, tanta conversa fiada me deu fome. Por tua causa não comi nada ao sair de casa. E vê se anda logo paspalhão!

— Que tipo de bolo deseja amor? — perguntou sem ligar para as ofensas da esposa tentando acalmá-la um pouquinho só que fosse.

— Qualquer um seu cretino, vê se vai logo, estou com muita fome! — sem alternativa alguma, João Silva foi caminhando até o bar indicado por sua esposa cabisbaixo de cabeça cheia falan-do sozinho pela avenida, atravessando as duas pistas de roda-gem sem olhar para qualquer um dos lados.

Se naquela hora houvesse um movimento de veículos um pouco mais intenso, na certeza seria atropelado. Seria um ho-mem morto. Seria um defunto fresquinho para ser enterrado ou cremado. Bem, nada mal se isso acontecesse, assim não ouviria mais as tontarias da Maria, o seu “amor” de esposa, mas que bela esposa.

— Eu já sabia. Eu já sabia que esta viagem não ia dar certo. Bem que avisei os meus patrões, fim de semana para reuniões é coisa ruim de fazer, mas eles não me escutaram. Não me deram o mínimo de atenção. Disseram que era pôr demais importante e, de que, o assunto não podia esperar um dia a mais. Nem ima-gino o que pode ser de tão importante para não poderem esperar mais um bendito dia de um miserável fim de semana. — João Silva ia falando sozinho rumo ao bar depois de atravessar as duas pistas da avenida para comprar o maldito café com leite para a esposa sem “ser” atropelado. — “E com um pedaço de bolo”, mas que filha da mãe. . . — ia repetindo mentalmente as palavras canalhas da esposa —, bem já que estou por aqui apro-veito e tomo também um café. Mocinha, por favor, um café pre-to em copo americano. E, por favor, pode ser o copo cheio. Ah, sim, antes de pôr o café adiciona uma dose de conhaque de alca-trão, por favor, no capricho, hein.

— O senhor deseja o conhaque de alcatrão com mel e limão? — perguntou a mocinha que o atendeu, achava-se sonolenta. Não foi difícil de o saber pelos olhos assombreados que lhe mos-trou quando virou o rosto para falar com ele. João Silva continu-ava com os nervos à flor da pele.

— Não mocinha, apenas o café com o conhaque já está bom pra mim. — Disse e foi servido com rapidez.

Depois de sorver uns bons goles para “acender” o ânimo e esquentar as tripas, fez o pedido do bolo e do café com leite para leva-lo até sua cara-metade.

— Mocinha, para viagem — solicitou. Houve o pagamento e saiu na direção do carro falando sozinho.

— Espero que a filha da mãe não reclame de. . . está muito quente ou está muito frio. . . tem pouco ou muito açúcar. . . não vendiam outro tipo de bolo. . .

Envolto em malévolos pensamentos ditos a meia voz, deu com as fuças no carro a tempo. A fila começava a andar mais rápido do que o esperado. A intensa neblina já havia se dissipa-do por completo por todo o canal de a entrada do porto de San-tos e, faltava pouco para embarcarem na balsa que os levaria até o Guarujá.

Por sorte Maria Gomes não teve tempo de reclamar a respei-to do café ou do bolo. O silêncio foi absoluto nos quase oito minutos de travessia na balsa Santos Guarujá. Desembarcaram e rumaram para a outra balsa lá em Bertioga. Os cerca de trinta e cinco quilômetros até a outra balsa, aconteceu rápido sem ne-nhuma interferência “ocasional”: sem mais a sua esposa abrir de novo a boca. O que, para ele foi um alívio bastante relaxante. Ela se encontrava adormecida, fato que, deixou João Silva bas-tante calmo. Com o silêncio da esposa, pôde apreciar bastante a curta viagem até o canal de Bertioga entre a ilha e o continente onde embarcariam noutra balsa, olhando as belas mansões, ma-rinas e estaleiros na mansidão das escuras águas do canal que separa a ilha de Santo Amaro do continente.

Chegaram.

A fila de espera para atravessarem para Bertioga era bem menor do que a de Santos Guarujá. Porém, quando iam embar-car, ocorreu um imprevisto do outro lado do canal. No atraca-douro da balsa de Bertioga, deu-se uma tremenda explosão. Chamas rubras e enormes que iam para cima e ao longe, àquela hora se confundiam com a luz brilhosa da Lua. Gritos de socorro se ouvia desde o outro lado do canal. Correria, reboliço, muita fumaça e desespero! Um barco pesqueiro havia se chocado e explodido em mil pedaços junto com a bomba de combustível no molhe. Com a confusão, Maria Gomes acordou assustada tremendo muito. Agarrando-se com força a um dos braços do marido, perguntou:

— O que foi que aconteceu?

— Não sei de grande coisa amor, apenas o que se enxerga desde aqui por ser uma noite clara. Parece que um barco pes-queiro bateu no atracadouro e explodiu junto com a bomba de gasolina do píer. Pelas gigantescas chamas vistas desde onde nós estamos a bomba de combustível que abastece os barcos lá no píer, também foi pelos ares.

— Por Nossa Senhora! — exclamou de voz nas alturas Maria Gomes. — E agora?

— Agora vamos ter que voltar até o centro de Guarujá e pe-gar a BR 101, a rodovia Rio Santos desde o seu começo.

— Mas porque você não fez isso antes, seu incompetente!

— “Pronto à maldita já começou de novo”, pensou baixinho, João Silva e, lá foram eles novamente até o centro do Guarujá para que pudessem acessar a rodovia BR 101 discutindo sem parar.

O trajeto deu-se relativamente bem, afora as discussões cor-riqueiras de o “enamorado” casal até a serra de Maresias. Aí o mundo a mando de o “santo” São Pedro. O próprio ele mesmo, teve intencionalmente a tremenda maldade de afogar tudo e a todos por onde o casal passava em acirrada discussão. De sur-presa fez desabar uma chuva torrencial. O limpador do para-brisa do carro não dava conta em varrer tanta água, parecia que o segundo Dilúvio Universal estava por acontecer no mundo a mando de o danadinho “santo” São Pedro, quando, sem mais nem menos, Maria Gomes, manifestou-se com o medo estampa-do na rugosa e rubra face até, antes de esses momentos de fei-ções como uma adolescente.

— Amor, encosta o carro em qualquer lugar para esperar a chuva passar um pouco. Encosta! Vai. . . encosta logo pelo amor de Deus!

— Querida agora não vai dar não, não na subida desta serra inclinada pra caramba!

— Para vai! Estou morrendo de medo. . . — Maria não con-seguia parar de tremer.

— Sinto muito querida se parar vai ser muito pior. Tenho que seguir em frente e devagar. Não posso parar na subida da serra. — Disse estupefato, não cria no que estavam passando. — Fique quietinha e acalme-se. Vê se não desvia a minha aten-ção, por favor, entenda a nossa situação?

— Está certo amor, eu vou ficar bem quietinha. — Maria Gomes apenas ficou quieta pelo pavor que com valentia supor-tava até aqueles momentos.

A serra ficou para trás e a chuva aos poucos foi diminuindo de intensidade até tornar-se uma chuva corriqueira. Não muito fraca, mas corriqueira. Já dava para ver-se bastante bem a estra-da à sua frente para dirigir com certa segurança. Guiando deva-gar, os quilômetros foram sendo vencidos pouco a pouco. Sem problema algum ultrapassaram as cidades de São Sebastião, Ca-raguatatuba e Ubatuba. Depois de saírem de Ubatuba em dire-ção a Paraty, já no estado do Rio de Janeiro, João Silva pôs o focinho do carro à sua direita. Desejou entrar no posto de com-bustível à sua frente nas redondezas de Paraty para um último abastecimento, dando chance aos dois briguentos “amores” des-cerem do carro para esticarem as peras. Os tensos nervos de ambos aos poucos iam se alinhando, estavam pondo-se em or-dem, mas só um pouquinho.

Enquanto João Silva providenciava o abastecimento do carro e de a retirada da lama dos vidros e dos faróis dianteiros conver-sando animadamente com o frentista, Maria Gomes dirigiu-se à loja de conveniências dentro do posto de gasolina na lateral di-reita ao lado da rodovia e ficou por lá bisbilhotando o que desse tempo em ver. Sentiu o desejo de comprar alguma coisa. Não sabia o quê, mas, sentira que tinha que comprar algo. Era um impulso tão forte e estranho que, não o pôde controlar. Nunca em sua vida houvera sentido tamanha compulsão ou euforia para a compra de qualquer coisa, mas o que poderia ser? Não sabia, não sabia.

Maria olhava. . . olhava. . . e olhava aqui e ali até que, um brilhoso medalhão, chamou-lhe a atenção. Por fim deu-se o esta-lo mágico.

Puff, aconteceu.

Não aguentando a curiosidade, foi para perto do medalhão de olhar indômito. Ele se encontrava encerrado em uma urna de vidro de grossura considerável no centro do salão da loja, abar-rotado de tralhas velhas e relíquias das mais diversas e esquisi-tas, pelo menos tudo lhe pareceu de que assim fossem. A ilumi-nação que na urna incidia era inebriante. As fibras ópticas que se encontravam no interior da urna, ajudavam na amostragem do medalhão, dando-lhe uma expressiva vida própria. Era de uma beleza transcendental. As cores pareciam dançar ao ritmo de músicas que Maria não podia ouvir, mas sim sentir. O medalhão de prata refletia as cores da luz das fibras ópticas, imitando su-tilmente a beleza das cores do arco-íris. Maria ficou paralisada, estática no tempo sem ter a consciência de quantos minutos permaneceu fitando aquele magnífico medalhão prateado. Só conseguiu sair do torpor induzido pelo medalhão, quando al-guém lhe sussurrou ao ouvido.

— Senhorita?

— Senhora, por favor! — exigiu Maria Gomes.

— Pois não, senhora. . . — disse o jovem e belo rapaz que atendia aquele comércio de antiguidades e artefatos indígenas do litoral de Paraty. — A senhora deseja comprar alguma coisa? Algo que lhe levantou o interesse, ou quer mais um pouco de tempo para pesquisar por aí até se decidir?

— Ah, sim, sim, interessei-me por esse lindo medalhão, ele está à venda? E agradeço por deixar-me tão à vontade. O senhor é muito gentil!

— Pode me chamar de Eric, senhora. . . Senhora. . .? — de-sejou saber o seu nome.

— Maria. . . Maria Gomes à sua disposição, está bem! “À sua disposição. . ., mas que merda de tolice. O que é que estou ten-tando fazer. . . que loucura, Cruz Credo, desejei vender-me a este belo rapaz? ”, imaginou, mas no fundo, bem no fundo mes-mo até que gostaria disso.

— Não senhora Gomes! Infelizmente o medalhão não está à venda.

— Mas como? — perguntou ela com estranheza. — Se um objeto está em exposição numa loja, ele só pode estar à venda!

— Não senhora Gomes, este medalhão não é para qualquer pessoa! Apenas os escolhidos por ele mesmo podem possuí-lo, contudo, depois de ser o seu dono ou dona, não pode ser vendi-do, isso nunca! Doado sim, mas tão somente se a pessoa a quem se o doe o aceitar de bom grado.

— Mas, como? Porque? — perguntou instigada pela curiosi-dade.

— Vou explicar! — Eric desejou de boa-vontade expor o assunto minuciosamente. — Este medalhão pertenceu ao meu pai, um homem de espírito aventureiro capaz das mais incríveis façanhas imagináveis e, ou inimagináveis por qualquer mortal. Todos o achavam louco por tantas e caríssimas expedições em busca de as verdades do passado de as antigas civilizações cata-logada por ele desde sua adolescência. Dinheiro para ele nunca foi problema. Ele já está morto, infelizmente. Por toda a vida procurou por cousas, lugares ou fatos ainda não descobertos que o deixassem famoso. Por coisas que o mantivessem, ou de que falassem dele por toda a eternidade, mas, fracassou totalmente. Bem. . . não totalmente. Acabou desvendando coisas incríveis sobre o que ele se propusera descobrir desde que se considerara “gente”. A comunidade científica dos grandes “gênios” não dis-pensava nada do que ele lhes entregava, e não em teoria e sim com provas cabais de as suas descobertas, entretanto. . . apenas a sua família deu o real valor ao que ele realizou em vida. E eu estou incluído nisso — assentiu a grande entusiasmo, Eric. — A senhora tem tempo para um breve relato histórico? — quis saber o vistoso rapaz.

— Não sei não? Espera um pouco, vou fuçar o que o meu marido anda fazendo. — Maria Gomes que olhara pela porta da loja de conveniências para fora, viu o seu marido entretido con-versando animadamente com o frentista do vazio posto de com-bustíveis. Não se fazendo de rogada, ligeirinho soltou à resposta:

— Sim eu tenho bastante tempo. Outra coisa, nada de se-nhora, me chame apenas de você ou de Maria, está bem?

— Ótimo! — exclamou Eric. — Bem, como estava dizendo. Meu pai sempre foi um aventureiro, todos sabiam que ele era incontrolável e incorrigível. Era incapaz de saber quando podia ou não ir em frente e, ou mesmo até, quando parar com os seus instintos ou intentos. Algumas vezes isso o salvou de situações perigosas, mas outras vezes não. Contudo, dificilmente se metia em encrencas das muito bravas. Bem, a história do medalhão aconteceu na sua última expedição ao México. Junto com meu pai, havia uma equipe de homens e mulheres, todos eles arqueó-logos, etnólogos, paleontólogos, entre muitos outros “ólogos”, todos de reputação bastante considerável. Catedráticos e profis-sionais competentes. No mínimo foram ao México para desco-brir alguma coisa ainda não conhecida da vida dos Astecas. Al-guma coisa que ainda não tivesse sido descoberto até aqueles presentes momentos. De como viviam no século doze, treze, quatorze ou por aí ia a coisa toda. Eles tentariam descobrir com as buscas e pesquisas ou ainda se a sorte os ajudasse, assuntos ainda não descobertos por outros agentes da ciência arqueológi-ca. Desculpe se repito tanto as coisas. A expedição tinha muitas pretensões, principalmente, arqueológicas. Queriam acrescentar algum fato novo à história universal. Algo que não se tivesse ciência, ainda. Então, se descoberto, mudaria à história da hu-manidade. De um pouco mais de o conhecimento sociocultural daquele bravo povo. — Eric oferecendo-se uma pausa para me-lhor poder respirar, deu continuidade à conversa.

— Não tenho muita certeza, nem posso afirmar se o que es-tou narrando é cópia fiel da história contada pelo meu pai, de-pois da sua volta do México, mas não deve estar muito longe disso. Naquela época, viviam no México, os Astecas, os Zapo-tecas, os Tepanecas, os Chichinecas e os Totantecas. Os Aste-cas, povo guerreiro, assimilou bem a cultura dos Toltecas. A cidade deles era Tenochtitlan, localizada bem no centro do lago Texacoco no vale do México que, tinha como capital a cidade de Culhuacán Seu governo era monárquico e, o soberano exercia as funções de sacerdote, chefe militar e de juiz. E era eleito pelo Grande Conselho, formado pelos representantes dos clãs. Seu poder era absoluto. A sociedade era a família. A mulher era con-siderada uma companheira e não uma escrava.

— Coisa que os machistas de hoje não engolem — disse Ma-ria Gomes referindo-se ao seu marido, deixando escapar o chiste junto com vários sorrisos estranhos. Enviando um sorriso ma-landro ao Eric, que foi compartilhado, Maria exigiu a continua-ção da tão intrigante e interessante estória.

Desejava saber mais.

— De elas, as mulheres, exigia-se amor, fidelidade conjugal e proteção aos filhos. O Casamento era monogâmico, mas a poli-gamia era às vezes tolerada. O adultério assumido era punido por castração e, ou por lapidação. Os filhos dos nobres eram instruídos nas escolas chamadas Camenac. Apreendiam a ler e escrever, assim como, astronomia, história, religião, filosofia, poesia e oratória. Os filhos dos mais pobres frequentavam as escolas chamadas de Tepuchcalt. Apreendiam a cantar dançar, falar com elegância. As moças eram educadas pelas mães ou numa espécie de convento, onde podiam permanecer até o ca-samento. Os Astecas eram guerreiros e ferozes na luta e pratica-vam ritos sangrentos com sacrifícios humanos.

Os Astecas foram dominados pelos Zapotecas, mas, nunca subjugados. Com eles apreenderam a agricultura. Rebelaram-se e, cerca de os seiscentos dos últimos Astecas conseguiram fugir indo refugia-se no lago Texacoco. Seus inimigos, praticamente os deixaram ir, pois não mais suportavam tanta violência e tan-tos sacrifícios humanos. Foi nessa altura que construíram a ci-dade de Tenochtitlan. E é justamente nesta parte que a história de meu pai entra na dança. Assim contada por ele para mim, quando eu ainda era bem pequeno. Mas, quando adolescente quase adulto, descobri mais, muito mais coisas através das escri-tas deixadas por meu pai, assim como as fotografias e gravações de áudio e vídeo. Uma inestimável coleção de fatos, científicos ou até que não, contudo raríssimos.

— Querido filho — desandou ele a falar —, quem sabe se algum dia você poderá se certificar de o que vou contar a você esta noite. Sei muito bem que não me resta muito tempo de vi-da, com tudo, não quero morrer antes de contar a verdadeira história do medalhão que, agora, neste exato momento passo às tuas mãos. Ouve-me bem! Nunca deves vendê-lo, nunca tentes fazer isso, pois, se assim o fizerdes ele, sempre voltara as tuas mãos e, quando retornar, virá junto com ele algo bem desagra-dável para tua vida; coisas malignas. Escuta bem o que te digo meu filho! Nunca, pelo que há de mais sagrado, nunca faças isso!

— Meu pai, no seu leito de morte, quase já sem forças me orientou. . . — disse Eric para em seguida continuar com o rela-to do seu pai.

— Filho, o nosso avião bimotor com cinquenta cientistas a bordo, pousou suavemente com todos nós nos arredores do lago Texacoco. À noite, apresentava-se aos nossos olhos numa real beleza digna de um conto das Mil e Uma Noites. Enquanto uns iam descarregando os equipamentos, as armas e os mantimentos, outros iam montando o acampamento para passarmos o tempo que fosse necessário por aquelas bandas. As estrelas, com o cair da noite, iam surgindo em grande profusão no céu límpido e cristalino como um diamante puro bem lapidado. Dormimos maravilhosamente bem sob a luz da Lua cheia. Nunca tinha per-cebido de que pudesse ser tão bela. Bem cedo, iniciamos nossa caminhada à procura das ruínas da cidade que nós pensávamos que fosse Tenochtitlan. O caminho era penoso, proporcionado pelos cascalhos da estrada até as cercanias do lago, mas tam-bém, era gratificante ao mesmo tempo. A água verde-escuro do lago mostrava que, grandes depósitos de algas a deixavam da-quela maneira. Não as podíamos ver, porém, era nítido e notório de que ali, no fundo do lago, as algas se encontravam bem vivas.

— Depois de mais ou menos quatro horas e meia de cami-nhada, vimos surgir quase no meio do lago, outro caminho pe-dregoso que também dava acesso ao lugar aonde pretendíamos ir. Chegamos por ele às muralhas daquela estranha cidade. Qual não foi o nosso espanto ao olhar para os rabiscos de desenho e para as fotografias antigas que tínhamos em nossas mãos que, não eram fieis ao que nós víamos aqueles instantes a nossa fren-te. Nas fotos, as construções piramidais, estavam semidestruí-das, mas ali, na nossa frente, não. Pelo menos não à nossa vista. Ali elas se apresentavam intactas e imponentes e, até duvidamos de que o que víamos, fosse o que as fotografias nos mostravam. Aproximamo-nos e vimos muitas pessoas andando para lá e para cá; algumas cantando, outras dançando, ainda outras, conver-sando ou comprando alguma coisa no mercado ao ar livre que havia nas laterais do caminho que percorríamos com extrema dificuldade. Passamos por elas sem que se preocupassem conos-co e, não se via criança alguma. Parecia que estavam acostuma-dos com estranhos ou, como se estivessem esperando alguém a qualquer momento. Ultrapassamos as muralhas que circunda-vam a cidade sem sermos molestados. Acredito que, aguarda-vam a nossa visita. De repente, fomos surpreendidos por um destacamento da guarda real, dando-nos as saudações devidas. Quem comandava a fila, falava e o mais engraçado e que, todos nós entendemos o que ele nos dizia. O idioma deles era igual ao nosso, pelo menos assim parecia ou assim pensávamos que ele fosse.

— A Soberana rainha Nísia os aguarda no salão nobre, sejam bem-vindos a Teloxitan forasteiros. Sigam-me!

— Achamos tudo aquilo muito estranho. Inclusive o nome da cidade! Soava parecido com o nome da cidade dos Astecas, mas alguma coisa me dizia, pelo menos, a não ser que eu esti-vesse enganado, que não era Tenochtitlan, a capital deles.

— Continuou meu pai, falando com extrema dificuldade apresentando os “atrativos” ares de um ser moribundo.

— Aque. . . aque. . . toss. . . toss!!! . . .

— Meu pai tossia forte cuspindo sangue pela boca. Com uma toalha embebida em água filtrada, limpei-a. A seguir, depois de um respirar profundo e a um maldito esforço, ele continuou:

— Aquela civilização deveria estar desaparecida há milhares de anos! Nunca ninguém tinha mencionado aquele nome esqui-sito, Teloxitan, como pode ser possível estarmos ao lado deles? A escolta posicionou-se em parelhas ao nosso lado. Seguimo-los enfileirados, ladeados por duas fileiras de soldados ricamente uniformizados por corredores luxuosos, tudo adornado em ouro maciço. O chão era de ladrilhos de mármore de diversas cores, junto-postas lado a lado em blocos hexagonais. Suas cores bem ajustadas pulavam do rosáceo, para os da cor de esmeralda, ou do branco para o negro num degrade maravilhosamente combi-nado. Pedras preciosas das mais variadas cores, de um brilho ofuscante, pendiam do teto e, muitas outras incrustadas nas pa-redes como se fossem lustres gigantes, ou de tartarugas de a luz de vigia noturna modernas. Um luxo! Chegando à porta do salão nobre, quatro parelhas de trombetas enormes com bandeirolas coloridas penduradas nelas se ergueram ao ar, manuseadas por quatro gigantes de ébano, anunciando a nossa chegada. Até pa-rece que estavam mesmo nos aguardando. Entramos desfilando por um corredor enorme com camarotes nas laterais, que mais se parecia ao Senado Romano da nossa antiguidade, tudo adornado em ouro e pedras preciosas. Ao nosso lado a multidão bramia, batia palmas e, acenavam para nós. Realmente estávamos sem saber de o porquê de tudo aquilo. Finalmente chegamos à pre-sença da rainha. Um porta-voz se colocou entre nós e ela e, in-clinando-se para frente, fazendo a devida reverência, voltou-se para onde nós estávamos, dizendo:

— A rainha Nísia, a onipotente rainha dos Altecas e, das outras nações aqui representadas por seus chefes, saúdam os nobres forasteiros!

— Sem saber como proceder e, estranhando ouvir novamen-te o nome Altecas, arrisquei.

— Assim disse meu pai. Tá me entendendo, Maria?

— Muito interessante! — ressalvou curiosa.

— Continuando: como chefe da expedição arqueológica aqui presente, vinda do Brasil, sem fins lucrativos ou hostis, só inte-ressados na história dos povos do México, eu Mariano Garcia e Garcia, em nome do meu governo e da minha equipe, saudamos a magnânima e bela rainha dos Altecas.

— Os que estavam naquela espécie de Senado Romano co-meçaram a nos aplaudir delirantemente, parecia que éramos os salvadores do mundo, pelo menos daquele mundo.

— Forasteiros — disse a rainha Nísia batendo no chão com uma espécie de cajado, que na empunhadura, se via a figura em miniatura de a cabeça de um bode. — Devem estar cansados pela grande caminhada e pelo esforço que fizeram para chegar até nós. Sendo assim, e aconselhável que descansem agora, pois já é quase noite e, como já mandei preparar vossos aposentos nada é mais justo de que façam isso. Peço que acompanhem os criados. Amanhã conversaremos e trocaremos informações sobre o que aqui vocês vieram fazer e, sobre o interesse do seu gover-no para conosco. Uma ceia lhes será servida na hora adequada. Boa-noite e um bom descanso a todos.

— A rainha Nísia como que por encanto sumiu no ar, disse o meu pai para continuar com a estonteante estória.

— A seguir, os criados nos guiaram até os aposentos a nós destinados, porém tivemos uma surpresa não grata quanto à seleção das pessoas, pois fomos separados. As mulheres foram colocadas em um aposento e os homens em outro. Achamos aquele procedimento um tanto esquisito, porem refletindo com calma. . . “bem, outros povos outras culturas, temos que as acei-tar”, com estranheza me vi sozinho no aposento, os outros ho-mens foram levados para um lugar que desconheci onde ou o que fosse. O aposento parecia servir tanto para sala de refeições como para quarto de dormir. Tinha o formato de uma circunfe-rência com aproximadamente uns trinta metros de diâmetro. As camas estavam encostadas nas paredes, de frente para a porta por onde eu entrei, mas só tomavam a metade da circunferência. Na outra metade, que observei muito bem, havia três portas duplas, uma à frente das camas, a que eu entrara, e outras duas um pouco mais acima do centro da circunferência, mas em lados opostos a porta por onde se entra. Uma frente à outra. Curioso, fui ver o que havia atrás daquelas duas portas, a da direita esta-va trancada e não pude abri-la. A outra, porém não estava. En-trando qual não foi a minha surpresa. Vi um banheiro indescrití-vel quase ao ar livre. Podia-se ver o céu azulado e límpido; esta-va quase anoitecendo, além de ter uma ventilação digna de obra do melhor arquiteto moderno. À noite, foi me servida uma es-plendorosa ceia sem chegar a desconfiar que horário fosse. Ha-via frutas de todos os tipos, algumas desconhecidas por mim. Carnes das mais variadas, pão e vinho, licores e outras iguarias de inimaginável e inigualável textura e sabor.

— Passada uma hora e um pouco mais após a farta refeição, cinco lindas mocinhas quase crianças, índias, as únicas que vi desde que chegara àquela estranha cidade, penetraram no apo-sento. Nas mãos traziam roupas novas e joias para enfeitar-me, artigos que não entendi de o que, ou para o que fosse além de toalhas e apetrechos de banho junto com produtos perfumados. Em silêncio me levaram pelas mãos para o aposento contíguo; o que ficava meio ao ar livre e, como se eu fosse um bebê me pre-pararam para o banho, despindo-me, também. O meu coração entrou em ebulição, se eu possuísse uma chaminé, com toda a certeza estaria soltando fumaça por suas “ventas”. Observei, que uma das pequenas beldades numa mesa ao lado onde eu me encontrava junto a um tipo de banheira enorme, de água colori-da, mas não apena de uma ou duas cores, não, isso não, a água rebrilhava em centenas de cores dos mais variados matizes. En-quanto me admirava com essa maravilha de cores, as mocinhas, uma atrás das outras, preparavam não sabia o que fosse para mim.

— Senhor, depois da farta refeição, beber isto aqui lhe fará muito bem — disse-me uma indiazinha de voz adocicada.

— É o que é?

— Senhor, mesmo que eu lhe diga o nome não vai entender o que seja.

— Está bem, vá lá. . ., mas para que todas estas coisas? Tudo isto? — encontrava-me titubeante.

— Senhor, devemos prepara-lo para quando a rainha Nísia vier visita-lo logo mais.

— Visita da rainha Nísia, para o quê? Desembuchei surpreso e todas as jovens indiazinhas riram na minha cara, daí caí no real; supostamente para “trepar” é claro! Pensei um tanto ressa-biado. Depois lhes disse às claras: esse troço não vai dar certo, não, eu sou um homem muito velho para. . . como é que vocês tratam essas coisas por aqui? Riram de novo de mim pondo as mãos nas bocas olhando para a parte baixa do meu corpo nu.

— Vai dar certo sim, o que o senhor tomou agorinha pouco dentro de minutos vai deixa-lo sarado como um moço de uns vinte anos. Vai deixa-lo como um verdadeiro touro reprodutor! Espere um pouco mais e se delicie com o maravilhoso resultado.

— E me banharam, e me massagearam e treparam comigo como loucas e, eu também como um insano. Quanto tempo eu não. . . bah, finda a orgia. . . e que orgia. . . perguntaram-me:

— Então gostou? Viu só como dissemos a verdade — canta-ram em coro as delicadas e saborosas indiazinhas.

— Ao findar a surpreendente orgia, satisfeito da vida depois de trepar um bocado como adolescente com as indiazinhas, sem mais ou não mais me enfiei no quarto a fim de esperar pelas consequências.

— Caralho! Que absurdo você está me dizendo à verdade, Eric? — ruminou Maria Gomes em total admiração. A expressão facial demonstrava uma indubitável surpresa com demasia clare-za.

— Apenas estou contando o que o meu pai me disse. Quanto ao resto, não posso afirmar nada de nada.

A buzina do carro do marido a despertou daquele quase um sonho histórico de um passado indecifrável.

— Eu preciso ir, Eric.

— Ainda não terminei.

— Sinto muito, mas é que devemos estar no Rio de Janeiro logo pela manhã — argumentou Maria Gomes. — Foi um prazer conhece-lo. Pena que não vou saber o final dessa “linda” histó-ria.

— Eu lhe digo de que sim, vai ver só! Preciso contar-te tudo o que meu pai viveu naquele lugar até o fim! E isso é imperativo para que em breve entendas certas coisas. Vá para o carro e sen-te-se nele.

— Está bem, tchau! — disse Maria Gomes e saiu andando sem nada entender.

— Anda logo, Maria, ainda estamos muito longe do Rio de Janeiro.

Quando os dois já dentro do carro prontos para irem embora do lugar:

— Maldição, agora mais isto! Desse jeito nunca chegaremos na hora para a maldita reunião da porra da sacana diretoria, mas que maldita praga, porra!

O carro não deu partida.

— Senhor eu posso ajudá-lo. Temos uma oficina mecânica lá trás.

— Está bem, meu rapaz. Maria vá visitar de novo a loja, mas vê se não gasta muito dinheiro, hein. Frentista, vamos conversar com o mecânico de plantão?

Minutos depois quando Maria Gomes de novo na frente da urna onde se encontrava o medalhão e, onde o Eric continuava plantado. Como Eric soube de que ela voltaria? Seria isso mes-mo?

— Como você fez aquilo?

— Aquilo o quê?

— De que o carro não mais funcionasse.

— Eu não fiz nada, mas já sabia o que ia acontecer com o carro.

— Como?

— Um simples trambique, o frentista usou a bomba da gaso-lina batizada, para que ele e o mecânico possam abiscoitar al-guns trocos extras. Quando há pouco movimento ou nenhum como o de hoje depois da tempestade que quase afoga a todos nós, ele sempre faz isso.

— Porque não me avisou de essa trapaça?

— Por que eu quase não paro por aqui e, além disso, devo terminar o que comecei a expor a você.

— Que remédio, né. Em quanto tempo os caras resolvem o problema do carro?

— Não muito, mas dará tempo suficiente para terminar a história do meu pai. O mecânico vai enrolar um pouco o seu marido, depois dirá que com toda aquela chuva deve ter entrado água no tanque de gasolina. Pura balela; aí ele irá esvaziar o tan-que para depois colocar a gasolina de boa qualidade. Essa brin-cadeira irá custar-lhes uns mil reais.

— Que me importa isso, o dinheiro não é meu. Tanto faz como fez!

Eric e Maria Gomes conversavam animadamente um frente ao outro entre a urna onde estava exposto o medalhão quando, sem mais nem menos, um frenesi de notas musicais estranhas chegou aos ouvidos de Maria, misturado a jatos de luzes leitosas por cima da sua cabeça, girando, girando e girando estonteando-a. De olhos arregalados fixos no medalhão prateado, Maria Go-mes via a pequena urna aos poucos, ir desaparecendo no meio das cores e de a música onde se encontrava exposto. Eric, sem mais nem menos, também desapareceu e a loja também estava mudando. O interior todo começava a desaparecer aos poucos, ao tempo em que, Maria Gomes, imaginava encontrar-se enre-dada numa crise de angústia.

— Jesus Cristo. — Bradou Maria quase desmaiando de susto.

— Maria, vamos indo, o carro já ficou bom — gritou o mari-do todo apressado, em pé ao lado da porta do motorista olhando para a pequena loja.

Ele ainda conseguia vê-la.

— Já estou indo. — Maria Gomes que devolvera o grito ao marido, de repente, ao tocar-se o pescoço devido ao peso exces-sivo sentido, exclamou: — Jesus, o que faz o medalhão pendu-rado no meu pescoço?

O medalhão, simplesmente, depois de o desaparecimento dele e da urna, além do Eric do interior da loja de conveniên-cias, apareceu do nada como se fosse um colar, enrolado no seu pescoço. Surpreendeu-se, mas não chegou a assustar-se de todo, mas não mesmo.

— “E agora José, como é que vou ficar sabendo o final dessa ‘linda’ história? ”, e lá foi ela andando devagarzinho na direção do carro, pensando, quando de súbito:

— Maria anda logo, mas que lerdeza — o maridão gritava como um louco desesperado.

Um ou dois minutos mais adiante:

— Entra logo no carro Maria. Estou duvidando de que este-jamos no Rio de Janeiro ainda na parte da manhã antes do almo-ço!

Quando de novo, já na rodovia tentando alcançar a cidade do Rio de Janeiro:

— Que porra é essa no teu pescoço? Deve ter custado uma nota preta, hem? — berrou admirado, o maridão.

— João, não vamos mais brigar, por favor, deixa-me respirar um pouco que eu te conto tudo.

— Tudo o quê? — expressou-se perplexo.

— Quanto pagou pela tapeação do conserto do carro, amor, uns mil reais. . . acertei? — mudando o núcleo semântico e for-mal da conversa, Maria deixou o maridão ainda mais intrigado.

— Como você adivinhou isso! — perguntou João Silva, con-tinuava atrapalhando-se. Começava a não entender mais nada. Sua mulher estava diferente, outra atitude, outro jeito de falar e de ser; muito estranho mesmo. — “O que será que aconteceu com minha mulher dentro da bendita loja? “. — Durante o ca-minho de mãos firmes na direção ia pensando encafifado quan-do, de repente, mudando o seu pensar como da água para o vi-nho, repetiu a pergunta. — E a história do medalhão, deixa de se desviar do assunto e conta.

— Isso aí já é outra história! — Maria expressou-se com frie-za na voz.

— Maria, eu estou ficando preocupado com você. O que foi que aconteceu contigo lá na lojinha? — insistiu em perguntar e, não era uma simples insinuação, mas sim uma premonição.

Então à Maria veio-lhe a surpresa:

— Maria não conte nada para o seu marido, ainda não. É muito cedo para ele saber o que agora você mais ou menos tem conhecimento. Apenas diga que pagou cem reais pelo medalhão e encerra logo a conversa.

Ela ouviu como que por encanto uma voz feminina dizer-lhe essas coisas. Contudo, Maria Gomes também não chegou a en-tender direito o recado recebido de sobejo sem mais nem menos em auspiciosos pensamentos, contudo, acabou obedecendo à voz surgida do nada na sua atrapalhada cabecinha.

— Um palpite!

— O que disse?

— Os mil reais — confirmou resoluta desviando-se nova-mente do assunto do medalhão. — Eu disse que foi apenas um palpite.

— Hein!

Expressou-se de cara zoada o bocó do maridão.

— Isso diz respeito ao conserto do carro, os mil reais, né, foi apenas um palpite bobo, agora sobre o medalhão. . . gostei dele e, como estava à venda, regateando um pouco, acabou ficando por uns míseros cem reais.

Agora sim, ela acabou com o assunto sobre o medalhão e, como que por milagre, Maria Gomes cessou com as implicações. João Silva continuava estranhando, e muito, a nova atitude da esposa.

— Alguma coisa aconteceu dentro da loja do posto de com-bustível que, de repente, mudou a sua personalidade. — Disse a ele mesmo aturdido. Disso ele não tinha dúvida alguma. Mas, o que poderia ser?

Devagar quase parando, pois João Silva não gostava de exa-gerar na velocidade, a uns seis ou sete quilômetros antes de a chegada à cidade de Angra dos Reis, a tormenta que lhes caíra em cima na subida da serra de Maresias horas antes, retornou com mais pujança. Uma tremenda tempestade enlouquecedora e raivosa com relâmpagos à beça. Era o ódio do céu carrancudo a mando de quem? Ora, de São Pedro. De quem mais poderia ser?

Coitado, todos botavam a culpa nele.

— Amor não gosto nadinha desta porra de chuvarada, está aqui ainda é pior do que a acontecida na serra de Maresias. Es-cuta, para já o carro e presta atenção. . . — sem muito no que pensar, João Silva direcionou o carro para o acostamento à sua direita que, por pura sorte, se apresentava de largura excepcional —, ao olhar à direita por onde nós acabamos de passar, vi um barracão enorme com a porta escancarada com todas as luzes acesas. Dá uma ré e entra no barracão agora mesmo, por favor. Dá uma “rezinha” dá e chega até ele. Ouve-me, amor! — Maria Gomes soltava o queixume direto e reto sem havê-lo imaginado, bastante calma. Saiu-lhe da boca do jeitinho que o enxame de abelhas ou marimbondos zune no ar ao se recolherem para per-noitar, em sossego.

Novamente, como um autômato, sem muito mais no que pensar ou realizar, João Silva sem pestanejar a obedeceu. Tam-bém sentia medo. Tudo andou errado desde antes de eles terem saído de casa à noitinha da sexta-feira da cidade de Santos e “metido” o pé na estrada em meio às acirradas discussões.

Quando os dois com o carro já dentro do enorme barracão:

— Que engraçado, isto aqui é uma oficina mecânica. Cadê todo mundo? O pessoal trabalhando? — Disse João Silva ao descer do carro olhando para os quatro cantos da enorme cons-trução cheio de ferramentas, motores e carros, alguns desmonta-dos, outros não, enquanto Maria Gomes descia pelo lado do passageiro reclamando.

— Será que esta enorme birosca de alvenaria e madeira tem um banheiro mesmo que se encontre imundo? Não dá pra ir fa-zer xixi lá fora no meio do aguaceiro, que porcaria! — Maria Gomes acabou se irritando com ela mesma.

— Experimenta olhar aquela porta atrás de você à sua direita — disse João Silva indo perscrutar o lado fora da oficina mecâ-nica.

Não se via ninguém, além de, do lado fora, não se enxergar praticamente nada pelo desproporcional aguaceiro. A chuva que caía do céu vinha com exagerada violência e, o ruído da torrente de água chocando-se contra o telhado de zinco do enorme bar-racão, era insuportavelmente ensurdecedor.

Uma barbaridade.

— Amor, é mesmo um banheirinho, vou fazer o meu xixi, saio num instante, amor — disse e repetiu a palavra amor, algu-ma coisa andava de errado com ela, ou seria o inverso: começa-va a andar certo.

Quando Maria já dentro do banheiro, três gigantescas e baru-lhentas motos entraram em disparada pela porta escancarada da oficina mecânica como foguetes atômicos quase atropelando João Silva, ainda encostado ao lado da porta corrediça, aberta por completo, olhando para o nada ou para o além. Não se en-xergava nada nem ninguém a não ser a calamitosa tormenta e às enormes supermáquinas de duas rodas que quase o atropelam.

Devido ao alto ruído da chuva sobre o telhado de zinco, Ma-ria Gomes não os ouviu entrar na oficina mecânica.

Os mal-encarados motoqueiros desligaram os motores de suas máquinas e desceram delas agressivamente. Eram três caras de tamanho descomunal metidos em roupas e botas de couro todos de preto, com o desenho de esqueletos pintados nas cos-tas das jaquetas. Era obvio, de que, nenhum daqueles homens trabalhava naquela oficina mecânica, mas sim, uns bandidos. João Silva não sabia, mas eles já haviam passado antes por aque-la oficina para roubar e assassinar o mecânico e o dono do esta-belecimento desovado os corpos, dentro da fossa existente na parte de trás da construção aproveitando a incrível tormenta e a solidão do lugar.

Ninguém na estrada, ainda.

Uma beleza para um belo e excitante roubo seguido de mor-te. Os três marginais retiraram ao mesmo tempo seus enormes óculos escuros e os capacetes com gestos rápidos e decididos olhando feio para o João Silva. Um deles de voz roufenha mani-festou-se perto do seu ouvido falando grosso.

— Majestade, se fizer algum gesto maluco, morre. Se não nos obedecer, morre. Se não entregar tudo o que tem com você e no seu lindo carro do ano, também morre. . .

— Depois de deixar você peladão pra gente arrombar o teu cu, também, morre! — afiançou o bandido achaparrado, mas forte como um touro.

— Ei, ei e aí figurinha carimbada, quem é que tá atrás daque-la porta com você? — disse o terceiro dos marginais fazendo bastante alarde.

Observara um raiozinho de luz pelas brechas da porta.

— A minha esposa — disse João Silva com certa intensidade na voz. Nem nervoso ele se encontrava, mesmo ouvindo as du-ras e revoltosas palavras ameaçadoras dos violentos marginais.

— Vá busca-la, otário! — ordenou ao primeiro fora-da-lei, o que primeiro falou com João Silva. — Você. . . — disse indican-do a um dos companheiros sem dizer o seu nome ou apelido —, apanha tudo o que tiver dentro do carro desse otário; veja o por-ta-malas também. Majestade, às chaves, por favor! Se não as der, morre! — disse pondo-se a rir com impetuosa vontade.

Nisso Maria Gomes abre a porta do banheiro e sai chamando pelo marido.

Assustou-se.

— Opa! Temos por aqui uma dona gostosa bem fresquinha para divertir-nos agorinha mesmo. Joia! — berrou o primeiro marginal. O que ameaçar João Silva ao descer da moto, agarran-do Maria Gomes violentamente pelas costas prendendo-lhe os dois braços na altura do peito.

Maria Gomes esperneava e gritava como louca em total de-sespero.

João Silva, com a agilidade de um gato, bem que tentou saltar por cima do malfeitor que agarrara sua mulher, contudo, o infe-liz nada pode fazer. O bandido que se encontrava com as chaves do carro, aplicou-lhe uma tremenda coronhada com sua pistola Magnum .44 brilhando como se tivesse sido comprada àquela “bendita” hora, novinha em folha, desabando na hora em des-maio com a cabeça sangrando abundantemente que, por muita sorte não se lhe estou os miolos.

— Aí, Mané, abre logo as pernas dessa dona gostosa e arran-ca a calcinha dela. Não faz mal que ainda esteja com a buceta molhadinha de mijo. É claro de que o nome Mané não era o nome do meliante. O companheiro poderia ter-lhe dito, por exemplo, “otário abre logo as pernas da gostosa. Enquanto eu prendo os braços você enfia o pau bem fundo do cu da boazu-da”. — Ao terminar de se vangloriar depois da exigência da abertura das pernas, todos ouviram o grito de dor.

Assustaram-se.

— Mas que porra e isto aqui, sua vadia, você me queimou — disse olhando para um dos braços que soltava fumaça na altura do pulso. A jaqueta de couro estava em brasa viva. — Que mer-da é isto aqui. — Disse mais uma vez gritando pelo susto e pela dor da queimadura.

Maria ao ver-se com os braços livres jogou-se ao chão por cima do marido. Preocupara-se com ele mais do que com ela mesma.

O safado que estava com o braço pegando fogo, fixando os olhos a ira desmedida em cima do casal no chão sendo maltrata-dos pelos companheiros, disse para os carrascos.

— Mas que merda, se não é a marca do medalhão que a va-dia tem no pescoço — enxergara a tal marca no braço depois de conseguir ver-se livre da jaqueta que, atirada ao chão continuava com a manga ardendo.

Sem se preocuparem mais com a mulher caída ao chão em prantos ao lado do marido ainda desmaiado, os dois meliantes foram ver o braço fumegante do parceiro.

De repente, o medalhão desprendeu-se do pescoço de Maria Gomes, passando a ficar suspenso no ar na altura das as cabeças dos bandidos. Qual não foi a surpresa e o espanto dos três safa-dos ao verem o medalhão, aos poucos, ir-se transformando nu-ma linda mulher de pele acobreada e altíssima. Pelo inusitado acontecimento, nem tiveram tempo em piscar o diabo de um olho só que fosse. A linda mulher; a aparição, girando como um pião nas brincadeiras da criançada nas ruas avançou sobre os três meliantes, que, girando suas cabeças com as mãos, uma a uma, quebrou-lhes os pescoços tombando sem vida numa fração de segundos.

Maria Gomes que assistia atônita aquela violenta cena de morte sem sangue, ainda sobre o corpo do marido, tentou dizer alguma coisa tartamudeando incessantemente.

— Quem-quem é vo-você e co-co-como a-a-a-apareceu do-do-do. . . a-a-assim do-do na-na-nada?

— Eu sou o que você, Maria, tiveste agora pouco pendurado no pescoço; o medalhão. Para muitos um Talismã, para outros Mandala. Eu sou aquela que salvou da morte certa das mãos da rainha dos Altecas, a Nísia, o pai do Eric. O meu nome é Ga-dea, Gadea Guillén De Alvar. Nós escolhemos vocês dois para um propósito de suma importância a um mundo paralelo à Ter-ra, noutra dimensão, que se encontra infelizmente em fase extin-ção. Explicaremos isso a vocês na ocasião oportuna. No mo-mento temos que cuidar do teu marido para que possamos pros-seguir a viagem até o Rio de Janeiro. O Eric está nos aguardan-do na empresa onde o teu marido trabalha.

Maria Gomes permaneceu muda como uma porta sem saber o que fazer ou dizer. Tudo ao seu redor era muito louco, é isso, desde o começo da viagem; ou melhor, desde quando o seu ma-rido anunciara de que deveria viajar na quase noite de sexta-feira para o Rio de Janeiro. Tocou-se o pescoço, pois não mais sentia o peso do medalhão nele, “cadê ele”, pensou com incredulidade. Necessitava acreditar em tudo aquilo. Precisava realmente ter a capacidade de poder de acreditar.

— Vocês têm alguma toalha no carro? — Perguntou Gadea agachando-se ao lado do marido de Maria Gomes ainda no chão todo esparramado.

— Na minha mochila tenho uma toalha pequena e um estojo de primeiros-socorros.

— Pois vá busca-los — disse Gadea em calmaria.

Em segundos.

— Estão aqui, pegue o estojo. Vou até o banheiro buscar um pouco de água para molhar a toalha.

— Está bem.

Na volta com a água:

— Maria, não é um corte profundo, nada de muito ruim, apenas escorreu muito sangue. Molhando bastante o rosto dele com a toalha encharcada, acorda num instante. Já passei no ta-lho da cabeça um pouco de pomada anticéptica. Por sorte não necessita de pontos.

— Ainda bem — sussurrou Maria Gomes. A essa altura o nervosismo já tomara rumo em ir-se para o espaço sideral. — Que bom, a chuva passou — observara Maria Gomes. — Veja Gadea, ele já está despertando.

— Você dirige? — Gadea quis saber.

— Melhor do que ele!

— Vá buscar água para que ele beba um pouco.

— Agora lembrei, eu tenho água mineral no carro.

— Ótimo, vamos hidrata-lo, desse modo ele se reanima em pouco tempo.

João Silva abria os olhos com extrema dificuldade; sentia certa tontura ao mover a cabeça mesmo que devagar para um lado ou para o outro.

— Vamos sentá-lo com o costado na lataria da porta do car-ro. Ela servirá de apoio até que ele recupere as forças.

Pediu Gadea.

— No um dois, três. . . já. . . — anunciou Maria Gomes à companheira.

Conseguiram-no graças a Deus!

Quando os olhos desanuviaram e a tontura por fim passou um pouco, João Silva ao fixar a vista para a escancarada porta da oficina, qual não foi o seu espanto ao ver os corpos dos três sa-fados estirados no chão junto às motos. Olhando para os lados, incrédulo, viu as mulheres olhando para ele contentíssimas.

Tinha se recuperado rápido.

— O que foi que aconteceu? Você está bem, Maria, esses safados não te fizeram mal? Quem é você?

Às perguntas feitas pelo João Silva não paravam de jorrar boca pra fora com sangue escorrendo pelos cantos dos lábios ao falar.

— Amor, muita calma nesta hora. Uma coisa de cada vez, está bem? Você levou uma bela coronhada na cabeça ao tentar salvar-me daquela besta depravada. A pessoa ao meu lado se chama Gadea. Foi ela que me salvou desses bárbaros antes que pudessem me estuprar. Foi muita sorte ela ter aparecido na hora.

— Como foi que ela conseguiu matar esses marmanjos enor-mes? De onde ela veio?

— Foi com as próprias mãos que ela os matou.

— Jesus Cristo, de onde ela apareceu? — João Silva voltou a perguntar.

Continuava atônito.

— Olha bem para mim, amor, lembra-se do medalhão que esteve no meu pescoço, está vendo ele?

— Você o perdeu? — João Silva estava cada vez mais confu-so, chegou até a pensar, de que, ainda estava desacordado tendo pesadelos ou já se encontrava no Céu. . . morto, já de enterrado ou cremado.

— Não benzinho, o medalhão e ela, a própria Gadea.

— Eu acho que morri e estou vagando pelo Purgatório antes de me transferirem com a passagem apenas de ida direto para Inferno.

— Não está não, João. Gadea, por favor, me ajuda a levantá-lo para pô-lo dentro do carro. Meu benzinho a gente explica tu-do durante o caminho. A viagem para o Rio lembra, né?

Certo tempo depois:

— Maria afunda o pé no acelerador, estão esperando a gente lá no Rio de Janeiro. Daqui para frente tudo vai correr bem, acreditem em mim. Nadinha de mais entraves.

Durante a viagem João Silva ia sendo inteirando de tudo o acontecido desde que pararam para abastecer o carro no posto de gasolina perto da cidade de Paraty. Inclusive o que aconteceu a sua esposa dentro da loja de conveniências. E ainda, de que, o rapaz que conversara com Maria na lojinha, o Eric, os aguardava nos escritórios da empresa onde João Silva estava empregado. A companhia de turismo de ilusões virtuais “Sonhos e Visões”.

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Era as onze e cinquenta e nove quando entraram nos escritórios da empresa.

— Ei, Eric, andei escutando o teu nome a viagem toda sem imaginar de que pudesse ser você — desabafou João Silva.

— Vocês já se conhecem? — inquiriu Maria Gomes, aboba-lhada.

— Ele é um dos sócios da empresa e também o meu patrão.

— Eu pressinto de que estou sendo tapeada — reclamou Maria Gomes gesticulando com bastante força os braços aos meneios torpes de cabeça.

— Eric, cadê o restante da diretoria. Por que ainda não estão aqui? Ou fomos nós que chegamos cedo demais? — ia pergun-tando João Silva com boa disposição.

A cabeça não mais lhe doía; também, as damas obrigaram-no a engolir mais de meia dúzia de comprimidos para que passasse a dor.

— Ninguém mais vem, João. O assunto é apenas entre nós quatro. Vamos sentar-nos, pois a conversa irá longe.

Depois de todos acomodados:

— Se aceitarem o que vamos propor, vocês serão uma espé-cie de Adão e Eva intergalácticos modernos — concluiu Gadea de supetão, pegando-os de surpresa. Coisa absurda, mas não mais para João e Maria, pois a conturbada viagem de Santos ao Rio de Janeiro deixara-os tremendamente escolados.

— Eric, eu tinha certeza de que, desde a hora que atendi a ligação telefônica, iria me estrepar bonitinho e, tudo começou com a Maria me apoquentando a vida. Mais tarde as interrup-ções por todo o caminho na estrada Rio Santos. Tudo foi mais do que a porra de uma bosta. É agora você me vem com mais charadas. Continuo desconfiando de que me encontro mais do que frito no Inferno!

— Também concordo em gênero número e grau com o que o meu marido afirmou, sinto-me igualzinha a ele, chantageada, mas não no Inferno!

— Gente, paciência, eu vou explicar com mais calma e deva-gar o que nós pretendemos de vocês. . . ou melhor, de o que esperamos ardentemente de vocês. — Disse Gadea — porém nada de mal acontecerá aos dois se não aceitarem o que nós temos a revelar a vocês. De a nossa proposta. — Gadea, depois de parar por instantes para poder respirara, começou novamente a falar. — Eu tive relações sexuais com o pai do Eric quando ele esteve na expedição no México depois de salvá-lo das garras e da extrema luxúria da malvada rainha Nísia, como contei a você na oficina mecânica, depois de ter acabado com aqueles maldi-tos vagabundos. Ao levar o pai do Eric são e salvo até o avião, pois os seus companheiros já estavam todos mortos, voei com ele para o Brasil, quero dizer; o medalhão voou com ele. Quan-do o Eric nasceu e ele já com certa idade, achei de que já era hora de retornar ao México, ao passado com o intuito de encon-trar aquela civilização novamente e acabar com todos os seus habitantes. Ao término das nossas explicações vocês irão enten-der de o porquê de toda a nossa pressa para com vocês.

— Eric é o teu filho! . . . — exclamou Maria Gomes espanta-da.

— Sim, ele é. Não que eu pudesse ter filhos ou ainda hoje possa tê-los, a não ser ao término de um maldito trato, se é que ele chegará ao fim, realizado há muito tempo atrás, contudo, pura e simplesmente a gravidez aconteceu. Alguém, e não sei quem me ajudou para de que isso viesse a ser uma realidade! A aconteceu!

— Como a gravidez foi possível de acontecer se o pai do Eric tinha mais de setenta anos?

— Dois milagres aconteceram ao mesmo temo. Eu sou de uma época diferente de a de vocês e, às vezes, eu até me vejo com certos poderes que, do nada, sinto-me ser possuidora, mas não pelo maldito pacto desastroso. Não por quem tapeou ao meu marido e a mim por pura maldade, poderes que, o Eric também os tem. Contudo de eu chegar a ser mãe. . . gerar um filho de uma pessoa com mais de setenta anos. . . isso foi uma ajuda que eu nunca vou conseguir explicar direito a vocês a mim ou a alguém mais. Desculpem-me!

— Mas que meleca de fim de semana infernal, hein, João? — comentou Maria Gomes, perplexa. — Quantas vezes nós nos safamos da morte certa até a nossa chegada ao Rio de Janeiro, à empresa virtual “Sonhos e Visões”, hein?

— Presta atenção porque ainda vêm mais “desastres” por aí, amor. O fim de semana ainda nem chegou ao fim — observou João Silva balançando a cabeça para os lados rápido demais —, ai que porra, a cabeça doeu. . . de novo. . . — disse pesaroso e sossegou o rabo na poltrona onde estava sentado.

Após segundos de silêncio, Gadea manifestou-se outra vez.

— Depois que o Eric nasceu, ao completar seis anos, voltei alterando o tempo-espaço ao México para acabar com a civiliza-ção que ninguém mais ouvira falar dela a não ser o pai do Eric, a civilização que só praticava o mal nos lugares ou mundos aonde de tempo em tempo acabava surgindo. Saiba que, eles viajavam pelo espaço-tempo à procura de seres de outros mundos habitá-veis para que pudessem ter filhos, procriar. Entre eles mesmos há séculos aos poucos tornavam-se inférteis. Foi por esse moti-vo que Mariano o pai do Eric não chegou a ver crianças brin-cando em nenhum lugar por onde esteve. As indiazinhas que o banharam e o serviram sexualmente, eram jovens, mas não cri-anças. Bem, essa civilização nunca mais aparecerá em mundo habitado algum. Aquele povo era originário de um planeta para-lelo a nossa Terra na quinta dimensão, chamado de Arret. No momento com apenas dez jovens vivendo na sua superfície, cinco rapazes e cinco moças. Quando eles morrerem por velhice, ou, ainda antes disso, por uma causa ou por outra, qualquer que seja ela o planeta morrerá junto com eles. Dizendo com mais clareza, com o último desses jovens; quando da sua morte. Mas há uma diferença, esses jovens não são como aqueles que aban-donaram o planeta para praticarem o mal no mundo que se transportassem tentando e tentando conseguirem novamente procriarem.

— Cada minuto que passa o troço fica mais complicado. Diz logo o que é que nós dois temos a haver com essa tagarelice toda? — protestou João Silva, resoluto.

— Vou ser direto e reto, João — foi a vez do Eric se mani-festar — o assunto é que, você e sua esposa podem acasalar com os jovens desse mundo paralelo e terem filhos e eles com vocês. O DNA daqueles jovens e o de vocês tem atributos compatíveis.

— Mas é daí eles se encontram no planeta deles e nós esta-mos no nosso. — afirmou João Silva. Será que ele tinha razão? — O sexo ilusório implantado nas mentes dos clientes através da nossa empresa. . . — deu-se um tempo para respirar — “So-nhos e Visões” não dá pé, não, tudo é apenas pura ilusão. O que nós implantamos e induzimos ao cérebro das pessoas que nos contratam para viajar através do espaço-tempo desde a nossa companhia para onde queiram ir, são apenas estímulos eletro-magnético-cérebro-temporal; coisa por Si só, como acabei de dizer apenas artefatos sensório-celebrais-virtual induzido à men-te pelo computador IA.

— É por aí mesmo que a coisa toda gira e, é por isso que Gadea se encontra aqui com a gente. . .

— Continua — disse Maria Gomes.

— Como eles habitam em outra dimensão, Gadea aqui ao meu lado não tem o poder de trazer as cinco fêmeas a nossa era a fim de tentarem engravidar. Seria impossível leva-las de volta ao seu habitat natural na quinta dimensão, mas a vocês dois, sim. Gadea pode realizar a façanha de transporta-los a quinta dimensão do planeta Arret até a nossa era ou vice-versa sem perigo algum.

Gadea meteu-se de permeio na conversa.

— Faz algum tempo que estamos preparando vocês dois para que, se por acaso aceitarem a nossa proposta tudo dê certo. . .

Maria Gomes, com brutalidade na voz, tratou de um basta a conversa de Gadea.

— Faz tempo que vocês estão nos tratando para o quê e co-mo, que história é essa?

— Eu explico — expôs Gadea na maior simplicidade — ao seu marido aqui mesmo na empresa durante as refeições e, a você em casa durante o teu sono com produtos químicos que facilitam a gravidez. Produtos que trouxe de Arret quando da minha última viagem antes de conhecer vocês dois e ficar sa-bendo da tua inconsciente dificuldade em ser mãe. Produtos oferecidos pelos jovens para resolver o teu problema de não poder engravidar. Mas também para tudo dar certo caso vocês aceitem o que desejamos que façam por aqueles jovens e pelo planeta deles. — Gadea acabou quase que repetindo tudo o que andou há horas dizendo com sabedoria.

— Para que tudo desse certo, o quê? E, têm mais uma coisa, o que fazia em mim quando me visitava à noite em casa enquan-to dormia como acabou de dizer? — Maria Gomes desandou a reclamar com veemência.

— Pelos teus lábios cheios e úmidos, com pequenas gotas do produto doado pelos jovens de Arret durante trinta dias e, ao seu marido também por trinta dias durante as refeições aqui na empresa. Agora, quanto a tudo dar certo, insisto; é mais do que sabido de que vocês logo, logo vão procriar um belo casal de filhos aqui na Terra ou em Arret. Tudo dependerá da escolha de vocês.

Maria Gomes, ainda sem ter o conhecimento desse fato; de o de encontrar-se grávida de gêmeos, de um casal, assustou-se, contudo, palavra alguma lhe saiu da boca; não nos tão tensos instantes de a revelação da sua gravidez.

João Silva ao olha-la contentíssimo pela bela notícia ofereci-da por Gadea com tanta gratuidade, sorriu-lhe. Há quanto tem-po ele desejara ter um filho.

Em seguida, disse:

— Maria, que delícia você se encontrar grávida!

— Gente, eu vou ser curto e grosso no assunto. — Eric in-trometeu-se na conversa outra vez. — Se vocês concordarem em terem seus filhos no planeta Arret até que as crianças pos-sam por meio dos jovens de lá junto com vocês se sustentarem sozinhos, aí sim, virá a escolha de, se querem continuar vivendo no planeta deles, ou então voltar para casa. A Terra. Se volta-rem, em breve irão gerar outros gêmeos aqui na Terra para com-pensar a perda de os que ficaram em Arret. Porém, os filhos que por lá deixarem, mas não no abandono, serão o pai e a mãe de uma nova raça. Um gesto muito nobre e humano o de vocês. Se aceitarem o proposto por nós, nada mais será do que um gesto humanitário; quanto ao resto, por todas as vossas vidas, caso queiram retornar ao vosso lar, nunca lhes faltará coisa alguma para viverem numa boa aqui na Terra; mas nada mesmo até a vossa morte.

João e Maria se olharam firme de lábios tremelicosos. Quanto às lágrimas, bah, tornaram-se generosos córregos na época das enchentes inundando tudo pelo caminho.

— Quando é que nós vamos pra lá? Partimos! Concorda co-migo, Maria?

— Amor, vamos dar continuidade a uma raça que está fada-da a desaparecer do universo por não poderem mais ter filhos. Aceito, sim e, que seja feita à vontade de Deus nosso Senhor!

— Muito obrigado a vocês dois — balbuciou Eric. — Nossa missão está quase cumprida, nós, eu e Gadea já podemos retor-nar ao lugar de onde viemos. Gadea, por favor, já pode iniciar os preparativos para o translado do corpo mente e espírito do casal para que possa acontecer a troca de dimensão. Os últimos habi-tantes do planeta Arret os aguardam cheios de esperança. Que vocês e os vossos rebentos tenham muita sorte. Nós nunca mais nos encontraremos, contudo. . . infinitamente digo-lhes mais uma vez obrigado pela vossa nobre ação.

João Silva e Maria Gomes nunca mais retornaram ao seu lar na Terra de tão felizes que se encontravam em Arret o novo lar de eles dois, dos seus filhos e os dos outros filhos com os filhos também dos outros filhos e filhas oriundos de Arret. João e Ma-ria nunca mais brigaram por qualquer coisinha e, o jovem casal não natural do planeta Arret e os nascidos na nova pátria, ainda tiveram muitos e muitos filhos entre eles mesmos.

Tudo acabou dando certo. Ao fim das contas, Arret não mais seria um deserto pela falta de habitantes. O planeta Arret renas-cia graças a dois jovens e nobres habitantes da Pátria de todas as raças dos incontáveis universos habitados por criaturas que res-piram oxigênio.

A Mãe de todos os sistemas. . .

A Terra. . .

Frank P Andrew

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Frank P Andrew
Enviado por Frank P Andrew em 15/09/2023
Código do texto: T7886086
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