A pedra lunar e o elemento X

 

(Este conto saiu anos atrás no Portal Entretextos. Ronald Rahal, autor residente em São Paulo, já fez muitas parcerias comigo na literatura de ficção científica. No presente caso ele se inspirou no meu conto "A caixa lunar", que saiu no Recanto das Letras em 14 de agosto de 2013, que aqui pode ser conferido:

https://www.recantodasletras.com.br/contospoliciais/4434349

 

A PEDRA LUNAR E O ELEMENTO X

 

Uma ideia de Miguel Carqueija.

Adaptação de Ronald Rahal

 

 

 

 

A expedição já estava no seu 29°dia. Após atravessar a floresta amazônica terminara na serra de Pacaraima, numa pequena caverna próxima ao monte Roraima com quase três mil metros de altura, na fronteira entre o Brasil e a Guiana. Mesmo no final de século XXI, fizera-se necessário o uso de guias para levar os cinco norte-americanos àquela região ainda inóspita.

 

Aquela expedição era consequência de uma série de rumores que tinham começado na base lunar brasileira, sobre algo “inusitado”, alienígena, encontrado em suas imediações. O governo brasileiro rapidamente bloqueara as comunicações da base, alegando uma vaga lei de “segurança nacional”, como forma de apropriar-se do tal “achado”, violando a norma de cooperação mútua que existia na Lua, nos mesmos moldes da existente na Antártida.

 

Após vários testes secretos realizados pelo novo laboratório multidisciplinar da USP, no Brasil, “vazara” a notícia de que o material alienígena ceifara a vida de alguns dos pesquisadores, desaparecendo “misteriosamente” de suas instalações ou assim diziam as fontes governamentais, talvez com o intuito de mascarar o fato de que a ciência da Terra era incapaz de desvendar seus segredos ou prever sua reação a uma intromissão alienígena, desta vez, terrestre.

 

Fontes extraoficiais relatavam que um dos investigadores que falecera, pertencente ao Departamento de Física da Universidade, fora levado a óbito por causa do estranho elemento X. Mesmo sendo transferido para tratamento “intensivo” num hospital americano, com as despesas custodiadas pelo governo brasileiro — sem que fosse revelada ao público a origem de seus males — antes de morrer o “doente” decidira repassar seu segredo a um dos enfermeiros, lhe segredando a existência do elemento X, os estranhos “poderes” que causava e seu provável destino para ficar “desaparecida” pelo tempo que o governo achasse “conveniente”. Como a cobiça e a loucura são irmãs gêmeas que convivem no espírito dos homens, ela levara o governo americano a organizar uma expedição secreta para resgatá-la do seu último esconderijo onde deveria permanecer “desaparecida.”

 

O local revelou-se uma obra intencional do governo brasileiro com o propósito de escondê-lo da humanidade, como já haviam suspeitado. Conseguindo burlar a segurança, se apoderaram da estranha caixa e seu mais “estranho” ainda conteúdo.

 

Após fugirem do local, no retorno, dos cinco participantes americanos iniciais da expedição secreta, três haviam sumido sem deixar quaisquer pistas. O medo tomara conta da expedição e os poucos guias confiáveis a haviam abandonado, tomados pelo mesmo terror. Antes de desapareceram numa das noites, diziam “sentir” na floresta a presença de uma “coisa do outro mundo”; um “demônio” que fora o responsável pelo sumiço dos três homens. No princípio todos haviam imaginado que tal coisa não passasse de pura superstição dos locais, mas quando viram de relance esse “algo” na floresta que os acompanhava, mas nunca se apresentava, foram ficando ansiosos. Depois, foram tomados pelo pânico quando mais um deles sumiu. Claro que o homem tem o hábito de tentar racionalizar o desconhecido, e os sobreviventes alegavam que as “desaparições” poderiam ser um efeito colateral da “coisa” que carregavam, turvando os sentidos, fazendo-os crer equivocadamente que seus colegas tinham desaparecido, quando na verdade não tinham. Mas como não havia qualquer teoria física que pudesse explicar as quatro desaparições, no fim só restavam aqueles dois homens, perdidos, não só em relação à floresta como em relação a si mesmos. Mas nenhum deles queria abrir mão da estranha caixa com o seu conteúdo alienígena.

 

Collins, um dos dois sobreviventes, que conseguira poucas coisas na vida, viera com a intenção de mudá-la e transformá-lo num dos futuros “senhores da humanidade”, independente do que pretendia o governo americano e os seus “colegas de expedição”. Conforme se lembrava, as poucas informações que conseguira do moribundo brasileiro, diziam-lhe que a caixa era um misto de ligas desconhecidas que blindavam as emanações do seu conteúdo. Claro que todos sabiam dos riscos, principalmente dos seus efeitos bizarros ainda desconhecidos, mas como não poderia deixar de ser, em se tratando de seres humanos, cada membro da expedição — ocultando suas abjetas intenções uns dos outros — viera com um plano pré-estabelecido para dominar a humanidade. Mas parece que esse dia nunca chegaria. Ou se chegaria, só contemplaria o sobrevivente.

 

Agora, os dois americanos, Collins e Sharp, estavam ao redor de uma pequena fogueira que tinham a muito custo preparado, esperando o dia retornar para tentar chegar à civilização. Uma chuva inesperada fizera com que perdessem a maior parte dos equipamentos, entre eles seus comunicadores e seus sistemas de posicionamento global. Praticamente estavam perdidos e incomunicáveis com o resto do mundo.

 

E o medo da coisa que rondava a floresta e já levara alguns dos seus, os fizera perder o sono apesar do extremo cansaço dos dois remanescentes da expedição.

 

— Sharp — disse Collins. — Não durma. Aguente até amanhã. Aí cada um poderá descansar um pouco enquanto o outro fica de guarda, já que “a coisa” parece se manifestar só à noite. Em dois teremos mais chances de afastá-la.

 

Sharp era o mais novo e como todo jovem, entrara na expedição mais pela aventura do que pelos resultados e agora se arrependia da decisão. Estava cansado, com medo e toda hora, lembrava-se da casa que deixara para trás. Porque se deixara envolver? Ambição? Dominar a tudo e a todos? Naquele momento, revelavam-se as fraquezas do ser humano e ele trocaria aquelas pretensões por uma boa refeição, uma boa cama e uma boa noite de sono. Estava tão cansado que mal conseguia prestar atenção ao colega e só queria deitar e dormir, mas o medo de ser levado também, pela coisa que rondava no meio da mais completa escuridão, o impedia. Era a única coisa que o impedia. Se cedesse às suas necessidades, talvez nunca mais acordasse. Ninguém mais saberia dele e de seu corpo para onde quer que fosse levado, que logo se juntaria à floresta, como aquelas centenas de folhas que apodreciam no chão. Ele sentia o colega a chacoalhar e a falar, mas estava cada vez mais difícil se manter vigilante.

 

— Collins... Estou... Estou no meu limite... O que será que está lá fora, nos rondando? Será algum animal desconhecido? Alienígena?

 

— Não sei, Sharp. Não sei. Só me lembro dos nossos dois últimos companheiros, William e Terence que tinham tomado a decisão de procurá-la e matá-la. Nunca mais os vimos. Só de me lembrar disso, não consigo relaxar.

 

— Você... Você acha que conseguiremos sair dessa? Perdemos nossos equipamentos...

 

— Não se preocupe... Tenho certeza de que se continuarmos nesse rumo... Vamos sair naquela vila, onde contratamos os guias...

 

— Sei...

 

— Confie em mim, Sharp.

 

— Eu confiei... Olhe onde estamos agora...!

 

— É. Você não deixa de ter razão. Mas o sacrifício valerá a pena.

 

— Posso vê-la de novo?

 

— Pode. — Respondeu Collins, num tom indeciso e com o rosto transfigurado como se já estivesse afetado pela coisa que carregava e que, se não fosse pelo fato de ficar sozinho, jamais deixaria o “colega” tocá-la, já que seu único e verdadeiro sentimento era o medo de ser afastado daquela preciosidade que o fizera vir até aquela parte de fim de mundo.

 

Ele tirou da mochila um pequeno embrulho e o abriu cuidadosamente, aproximando-a da luz da fogueira. Os dois por um instante se esqueceram do cansaço e olharam mais uma vez a caixa. Na verdade não era uma caixa. Era um recipiente oblongo, que precisava ser pressionado de certa maneira para abrir. Sua aparência era um misto de metal e pedra, algo que ficava difícil definir. Além é claro, do que parecia ser símbolos incrustados na sua superfície. Era claramente um artefato oriundo de outro mundo. Como viera parar na Lua? Com certeza bem antes de o homem chegar lá. Talvez até mesmo antes da origem do homem no planeta Terra.

 

A visão daquilo que mudaria suas vidas, deu-lhes novo ânimo.

 

De repente um ruído os tirou daquele transe.

 

— Escutou isso Collins? Ela está de volta. Quem vai levar dessa vez? Você ou eu?

 

— Pare com isso Sharp. Ela não vai levar ninguém desta vez. Eu já sei o por que de estar nos rodeando.

 

— Sabe?

 

— Humhum...

 

— Pensei muito a respeito e só pode haver uma razão para nos perseguir. Isto?

 

— A caixa?

 

— Exato. Ela a quer. Só não entendi porque não nos ataca de uma vez.

 

— É. Já que disse isso... Também não entendo.

 

O ruído cessou, como se o perigo estivesse temporariamente afastado e eles voltaram aos seus sonhos.

 

— Bem, logo amanhecerá e sairemos daqui. — Disse Collins, acreditando que se mais alguém deveria desaparecer naquela noite era Sharp. Se isso acontecesse a caixa seria só sua e de volta à civilização, colocaria seus planos em prática.

 

Os dois tentaram manter-se acordados, mas o corpo não obedecia mais e lentamente as pálpebras foram se fechando como se pesassem feito chumbo.

 

Collins acordou com a luz do Sol no rosto e imediatamente olhou ao redor. Sharp desaparecera.

 

Ele levantou-se com a arma em punho e observou o lugar onde Sharp estivera. Não havia sinais de luta ou dele ter sido arrastado. Apenas sumira como os demais. Ele seria o próximo. Se no princípio desejara ser o último, agora, sozinho, sentia medo e imaginara que o “colega” só desapareceria quando chegassem à aldeia onde poderia arranjar um guia para voltar a Boa Vista.

 

Mas antes de pensar na sua própria segurança, voltou sua preocupação para a caixa. Ela, “a coisa”, a teria levado? Desesperado, abriu a mochila e a caixa ainda estava lá, para seu alívio. Por que a coisa não a levara?

 

O que faria agora? Sozinho? Tentava chegar nas próximas horas até a aldeia?

 

Mas as suas preocupações não demoraram muito. Finalmente “a coisa” apareceu e não era nada bonita. Na verdade não dava para descrever o que era “aquilo”. Estava bem longe da fantasia habitual dos cinemas sobre alienígenas. Nada dos costumeiros cinzas de cabeça e olhos enormes. Parecia mais um parente do personagem da Bolha Assassina.

 

Ele se perguntou se ela estava ali para matá-lo como fizera com os outros. Mas ele não se deixaria matar tão facilmente.

 

Apontou a arma na direção da coisa e mostrou a caixa para ela. – É isso que quer não é?

 

— Venha pegá-la. Aproxime-se mais... — gritou e apontou a arma na direção dela. Talvez se aproximasse o suficiente pudesse matá-la. Afinal todas as coisas vivas morrem, não morrem, perguntou-se?

 

Mas “aquilo” não era um animal sanguinolento esperando o momento certo para dar o bote e devorá-lo. Simplesmente fez um surgir um apêndice com algo na ponta e a apontou na sua direção. E foi a última coisa que conseguiu se lembrar.

 

Quando acordou, viu-se dentro de uma espécie de tubo de ensaio gigante. E ali ele não era o único. Todos que haviam desaparecido estavam ali, alojados em seus respectivos “tubos”. E não pareciam mortos. Pareciam estar dormindo.

 

O ambiente era reflexo de uma tecnologia sofisticada e isso demonstrava que a “criatura”, aliás, as “criaturas” que ali estavam eram inteligentes. Não saberia dizer se isso era sinal de compaixão por outras formas de vida. Pelo menos ele ao vê-la, não hesitara em querer matá-la.

 

Uma das “coisas” se aproximou e o tubo subiu, deixando-o frente a frente com uma delas. “Aquilo” parecia uma ameba gigante e não dava para ver onde ficava a cabeça ou as mãos. Mas daquela massa um tubo de alguma coisa projetou-se dela e colocou algo na sua cabeça que a fez doer um pouco, mas logo passou.

 

A “coisa” depois se dirigiu para uma formação cristalina e passou uma de suas partes por cima.

 

— Consegue me entender, terráqueo? É assim que se chamam, não?

 

— Sim... Sim... Quem... Quem são vocês? O que fizeram com meus companheiros?

 

— Estamos desintoxicando todos. Assim como faremos com você.

 

— Desintoxicando? Do quê?

 

— Deste objeto que um dos meus ancestrais deixou em seu satélite, há centenas de milhares de anos, pela sua medida de tempo.

 

— Pensei que tivessem matado a todos eles!

 

— Por que faríamos isso? São formas de vida deste mundo. Nada nos fizeram. Apenas era nossa obrigação salvá-los de coisas que não entendem. Que não estão preparados para entender.

 

— Quem são vocês? De onde vêm?

 

— Viemos de muito longe. Somos exploradores. Assim como nosso antepassado, que perdeu um dos seus equipamentos em sua Lua. Quando ele esteve aqui, vocês ainda habitavam as arvores. Eram primitivos e rudes. Parece-me que continuam iguais.

 

Collins sentiu vergonha, porque sempre pensara que tudo aquilo que era diferente, não poderia ser bom.

 

— O que pretendem?

 

— Assim que conseguimos localizar a caixa, estudávamos a melhor maneira de não causar impacto em seu mundo. E para nós foi a melhor ocasião quando decidiram tirá-la da montanha onde estava escondida. Assim os seus não saberão o que aconteceu e nossa presença não será detectada. Vocês ainda não estão preparados para ela.

 

— O que é essa caixa afinal?

 

— Ela guarda um dos nossos dispositivos de exploração. Sintonizados com nossas mentes para ajudar no entendimento dos diversos mundos desta galáxia. Perigosa quando penetra a mente de alienígenas inferiores como os da sua espécie.

 

— Então é isso? Um simples amplificador da mente?

 

— Exato. E aumenta o perigo conforme o tempo de exposição. E também prejudica mentes não preparadas para sintonizá-la. Lamentamos todo o mal que provocou em alguns dos seus semelhantes que a pesquisavam. Chegamos tarde demais.

 

— E o que acontecerá agora?

 

— Após o tratamento, apagaremos de suas mentes o que aconteceu e serão devolvidos ao seu mundo.

 

Collins ficou calado. Não havia mais nada para perguntar e sentia-se envergonhado. Primeiro por imaginar que aquelas “coisas” fossem monstros sedentos por sangue. Segundo, por pensar só em si e nas vantagens que a caixa poderia lhe proporcionar em detrimento de seus semelhantes. Jamais passara por sua mente, que “aquele” monstro preocupava-se com a sua integridade física e queria afastar a humanidade dos efeitos deletérios que a caixa poderia provocar em mentes não preparadas para utilizá-la. Mas logo tudo se foi.

 

***

 

Todos estavam próximos da vila e se olhavam sem entender o que acontecera. Eles tinham vindo para a selva amazônica, mas não se lembravam do por que. Talvez fosse para fazer algum estudo ou apenas conhecer aquela parte remota do mundo, ainda quase intocada pelo avanço da civilização.

 

Eles rumaram para a vila. Ainda estavam cansados e com muita fome. Talvez uma noite bem dormida, ajudasse a descobrir porque tinham vindo para aquele lugar.

 

A nave alienígena afastou-se da Terra, levando consigo a caixa, que provavelmente jamais seria vista de novo pela humanidade. Talvez um dia, quando ela tivesse evoluído o suficiente...

 

FIM?

 

 

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Ronald Rahal
Enviado por Miguel Carqueija em 05/09/2023
Código do texto: T7878916
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