A última descoberta

Existe algo excitante no sentimento de expectativa, como uma mistura de empolgação e nervosismo, um frio na barriga que sobe até os ombros e segue por suas articulações até morrer na ponta de seus dedos. E era exatamente esse sentimento que Tranin sentia enquanto lufadas de vento quente passavam entre seus cabelos à medida que a plataforma descoberta se elevava a caminho da nave, cuja missão era designada, a moderníssima Hermes. Tranin não sabia muito bem o motivo desse nome nem mesmo sua origem, mas gostava de como soava aos ouvidos, tanto, que eventualmente se pegava movendo os lábios em silêncio apenas para imaginar ele soando mais uma vez. O cheiro de combustível de foguete ardia em suas narinas, e fazia seus olhos lacrimejarem enquanto se aproximava de seu destino. O jovem se sentia orgulhoso de si mesmo enquanto um sorriso se delineava em seus lábios, afinal de contas, agora ele era um cosmonauta, a única classe autorizada a avançar em missões no espaço profundo.

Mas ainda sim, algo o incomodava. Apesar de toda excitação, toda expectativa e a euforia, algo parecia estar fora do lugar, como uma coceira em um lugar que você não alcança, ou um quadro torto em uma sala perfeitamente projetada, o cosmonauta imaginou que poderiam ser os olhos ardendo ou a leve dor de cabeça que o forte odor do combustível provocou, mas não, era algo mais profundo, primitivo. Forçou-se a expurgar esses pensamentos de sua mente e ergueu a cabeça, visualizando novamente Hermes acima. Foi quando se lembrou do homem que estava ao seu lado. O velho Firewall era uma lenda mesmo entre aqueles que estavam fora do meio espacial, o homem já completara mais de 4 contratos no espaço profundo, sendo dois deles militares, o que era impressionante dado a classificação de risco desse tipo de contrato. As cicatrizes em seus braços, a expressão dura em seu rosto e as inúmeras esferas brilhantes em seu cordão, eram a prova definitiva de seu passado nos contratos de defesa. E agora esse colosso era seu novo superior. Tranin se sentia um pouco intimidado com aquela postura ereta e seus muitos centímetros maior que o próprio garoto.

Tranin tentava ignorá-lo, mas a curiosidade parecia maior e, às vezes, seus olhos teimosos se pegavam admirando o rosto do gigantesco Firewall.

- Pode olhar até se acostumar, esse será o único rosto humano que você verá em muitos meses.

Com um susto, Tranin se voltou novamente à frente, fixando seu olhar em nenhum lugar em especial e brigando com si mesmo por ter sido tão deselegante

- Acho que devemos nos apresentar, eu sou Firewall. Disse, virando-se e estendendo a mão.

Ainda sem jeito, Tranin também se voltou ao homem e estendeu a mão. O aperto era forte e a pele da mão, áspera.

- Tranin, mas eu acho que não exista um único humano na terra que não saiba quem é o senhor.

Os olhos azuis do homem continuaram a encarar o jovem, que podia jurar que vislumbrou, por um breve momento, uma expressão de timidez quase surgindo em meio àqueles traços engessados.

- Eu não sei o por quê de tanta fama, não fiz nada além de observar um monte de telas e aguardar a chegada ao destino… o supercomputador fez todo o resto, desde a rota até as manobras em Dobra-Parsec.

- Mas você coordenava e ficava de prontidão enquanto todos estavam em hipersono.

- É… podemos dizer que sim. - Disse de um jeito sem graça. - tenho mérito de ser geneticamente incompatível com o soro de hipersono. - Riu entre os dentes.

Tranin franziu as sobrancelhas, enquanto encarava o oficial.

- Eu também tenho esse defeito congênito

Por sua vez, uma expressão de dúvida se formava nos traços de FIrewall.

- Isso não é comum, dois tripulantes com esse defeito.

- Eu também achei estranho quando li as diretrizes.

A plataforma fez o contorno final e parou com um baque surdo, fazendo com que os dois perdessem o equilíbrio brevemente, bem abaixo da escotilha de entrada. Hermes não era uma nave chamativa, tinha um formato cilíndrico e côncavo, vidros recobertos na parte traseira e dianteira e o resto da lataria era uma liga mesclada entre carbono, titânio, ouro e hélio semi-estratificado. Era pequena, bem menor do que todas as naves em que Firewall havia viajado.

Nas diretrizes que me enviaram não havia essa observação. Comentou o comandante, antes de se dirigir a área designada para a entrada na espaçonave.

Logo, os dois saíram da plataforma e Firewall ficou encarregado de abrir a escotilha da nave.

- Bom, pra mim tanto faz, é um trabalho muito tedioso ser oficial desperto nos tempos de hoje, ainda mais depois que tudo começou a ser controlado por um computador… ter uma companhia durante a viagem em dobra não parece ser ruim.

- Acho que concordo com o senhor, viu que ligaram o novo R.I3200?

- Não… o que tem ele?

- Dizem que é a maior inteligência artificial já criada, a única capaz de resolver o impasse das nações e cessar a terceira guerra fria.

- Hunf, dúvido, já ouvi essa história diversas vezes nas últimas décadas… nada resolveria esse impasse, se continuar assim, a humanidade está fadada a extinção, não passamos uma década sequer sem entrar em uma guerra ou um conflito mundial desde o grande expurgo das nações.

A escotilha se fechou atrás deles e ambos ficaram agachados na escuridão, esperando seus olhos se acostumarem com a pouca luminosidade enquanto a descontaminação começava. Três jatos de estetização jogaram um gás esbranquiçado nos dois cosmonautas de cócoras na minúscula cabine. O barulho era tanto que a conversa entre os dois cessou. Quando os jatos pararam, uma luz verde iluminou a cabine e uma segunda escotilha no chão foi destravada.

- Vamos entrar. Firewall disse, puxando a escotilha e revelando, alguns metros abaixo, o chão cromado da espaçonave

O interior da hermes estava abafado, mal iluminado e cheirando a óleo, o que não incomodou nem um pouco a Tranin, mas deixou Firewall nervoso. Aquele cheiro de óleo queria dizer que a nave sofreu alguma alteração de última hora, e geralmente isso significava o cancelamento imediato da missão, mas até agora nenhum aviso foi dado, nenhuma sirene tocou, estava tão silencioso ali dentro, quanto lá fora, parando pra pensar, uma voz soou na cabeça do comandante, estava silencioso demais.

A voz do seu imediato o tirou de seus devaneios.

- Bom, vamos partir?

- Eu não sei se vamos, a nave com certeza acabou de ser alterada, e as luzes parecem fracas demais, isso não é comum e não seria a primeira vez que uma missão de reconhecimento é adiada. Respondeu Firewall andando em direção a cabine de comunicação.

A sala ovalada estava iluminada somente pelas telas brancas dos 12 monitores montados à frente da bancada e distribuídos igualmente entre os dois lados da sala. A bancada de aço escovado seguia circundando toda a extensão da saleta, e posicionados à frente de cada uma das seis telas, podia-se observar dois teclados feitos de um material escurecido. Por fim, uma espécie de comunicador pousava em uma minúscula mesa central, com dois cabos ondulados, ao meio de duas cadeiras, que esperavam ansiosamente para serem preenchidas.

Firewall foi direto até o comunicador, apertou uma sequência específica no painel e ligou um dos cabos à entrada USB na lateral de seu teclado, sentou em uma das cadeiras e iniciou os cliques com os dedos ansiosos deslizando entre as teclas macias nunca utilizadas antes. Tranin veio em seguida, repetiu o mesmo processo com o comunicador e tomou seu próprio lugar, esperando algum comando de seu novo chefe.

- Central, solicito informações acerca de alterações realizadas na Hermes. A voz de Firewall soava firme, em tom de comando. Tranin ficou admirado com a calmaria repleta de imediatismo que a voz trazia às suas impressões.

A resposta não veio imediatamente, mas depois de alguns minutos angustiantes, letras esverdeadas começaram a surgir na tela de fundo branco.

"Não há nada de errado com os sistemas centrais, humano."

Tranin começou a digitar algo em resposta, mas foi interrompido por um toque em seu ombro. Tranin apontava para a tela, uma nova frase surgiu.

"Não há necessidade de executar a comunicação por caracteres, eu consigo escutar vocês. Infelizmente não posso responder da mesma forma devido a alteração que fiz em seus motores."

Firewall trocou um olhar desconfiado com Tranin.

- Os motores foram alterados, não é comum que a missão continue, não importa o nível de urgência.

"Está errado. Eu mudei os protocolos de segurança. Não houve alteração humana, eu mesmo executei as alterações realizadas nos seus motores."

- Mas estamos operando com a energia abaixo do padrão.

"Como eu já disse comandante, os protocolos de segurança foram todos alterados. A sua missão é de extrema importância para o governo, e com os dados que trouxerem poderemos dar fim a uma das mais importantes questões centrais do universo conhecido."

Firewall trocou novamente um olhar sério com Tranin. Ambos pensaram a mesma coisa, ao mesmo tempo ; aquela não era uma missão de reconhecimento comum, era provavelmente uma missão ultra-secreta. Essa conclusão explicava muita coisa, o isolamento que ambos tiveram que passar antes da missão sem nenhum contato humano, as diretrizes que receberam com informações cortadas, a alteração de última hora dos motores e até mesmo um segundo tripulante “acordado” com a rejeição ao soro.

Naquele momento, tudo fez sentido para ambos.

- Tudo bem, eu entendi tudo agora. - Disse Firewall por fim. - Uma última pergunta, computador, de que modelo você é?

"Sou a nova inteligência artificial, alocada no maior supercomputador já criado pela humanidade. Eu sou o R.I3200 e vou cuidar de vocês durante a viagem. Permaneçam calmos durante toda a trajetória, como já sabem, durante a velocidade de dobra não é possível acessar as comunicações. Além disso, o novo motor consome muita energia, então é provável que vocês permaneçam com pouca, ou nenhuma, luz durante toda a viagem e que essa demore mais que o normal devido a esse mesmo novo motor. Tudo está nos planos. Posso autorizar a partida, comandante?

Firewall não conseguia esconder o desconforto, assim como Tranin. Esse contrato estava mais perigoso do que o de costume, ele nunca havia perdido nenhuma missão e sempre cumpriu cada diretriz imposta a ele, mesmo as de última hora. Mas aquilo parecia demais e não cheirava nada bem, a intuição do velho cosmonauta estava apitando, havia algo errado. De repente, a mão de Tranin estava novamente pousada em seus ombros, mas agora, o jovem tripulante estava apertando suas ombreiras.

- Comandante, o R.I3200 é a prova de falhas. Ele foi criado junto às maiores mentes da nossa nação, não só podemos, como devemos, confiar nos cálculos dele.

Firewall se sentiu covarde, tentando esconder a vergonha de hesitar em um momento tão crucial, disse, por fim.

- Eu autorizo a partida, R.I3200.

E, então, os motores ligaram.

O som de estática no comunicador não incomodava mais Tranin, que permanecia concentrado em sua leitura posicionando a lanterna conforme seus olhos avançavam entre as palavras, transversal à sua própria bancada, o homem ignorava a escuridão, e o frio, quase total ao seu redor, os pés, pendiam sobre o metal escovado da sua própria bancada e a postura, inclinada para trás nas costas da cadeira, parecia pouco incomodar seu comandante, concentrado nas telas e números à sua frente. A luz febril das telas e o som sinistro de estática do rádio, coroavam o ambiente da cabine oval, que estava em sua capacidade máxima de lotação, com as sombras disformes dos dois tripulantes refletindo nas paredes de metal reforçado.

Os homens se posicionam imediatamente de costas um para o outro, na pequena saleta de comunicações.

Firewall foi o primeiro a tentar quebrar um pouco do clima sinistro que a viagem havia adquirido nos últimos dias, fazendo uma piada sobre como a nação do Brasil seria a primeira a ser extinta caso acontecesse uma guerra nuclear, sem saber que a mãe de Tranin nasceu na América do sul. É claro que isso fez o clima piorar e, logo, ambos decidiram fazer votos de silêncio nos últimos dias. Agora, tudo tendia a piorar, pois os dois tripulantes da Hermes constataram que já havia se passado algumas semanas da BioData marcada para o final da missão, mesmo assim, eles pareciam continuar firmes na velocidade de dobra sem sinal de parada.

- Parece que você se acostumou com o som do comunicador. Firewall comentou entre os dentes, quase baixo demais, mas no silêncio da minúscula cabine de comunicações, sua voz reverberou entre as telas iluminadas e as paredes de aço maciço.

- Depois de alguns meses em Parsec 4, nós aprendemos a ignorar certas coisas. Respondeu, ajeitando seus óculos e reposicionando a lanterna em um ângulo melhor.

- Sei…

O atraso para o fim da missão era, de fato, preocupante. Desde a descoberta dos Hipercondutores, a humanidade deu um salto na exploração espacial, permitindo a criação de motores de dobras no espaço-tempo, quanto maior a curva de Parsec, mais veloz a nave viaja e maior é o efeito “do irmão gêmeo” nos tripulantes. Na velocidade de parsec 4, cada mês equivale a 40 anos terrestres. Logo, consequências eram inerentes a essas viagens ; Firewall, por exemplo, tinha cerca de 230 anos terrestres, mas continuava com sua idade biológica de 57 anos.

A estática cessou e, instantaneamente, ambos olharam para o comunicador jogado sobre a mesa. Naquele pequeno momento, um ar esperançoso tomou conta da atmosfera artificial que a Hermes alimentava com oxigênio ao redor das figuras. Os homens se entreolharam com seriedade e Tranin foi o primeiro a falar.

- Quer dizer então que a missão está chegando ao fim?

- A..acho que sim… Respondeu Firewall, incrédulo e iniciou uma série de cliques no teclado a sua frente à medida que novas letras e números subiam nas telas a frente do homem velho.

- Isso não devia ter acontecido a umas três semanas atrás? A pergunta de Tranin soou mais como uma afirmação, e o tom, deixava claro o alívio que ele deixava transparecer emanando de seu rosto, como uma aura de tranquilidade.

Firewall continuava a trabalhar digitando freneticamente enquanto equações subiam na tela. E em um certo momento, a lataria da nave gemeu com um estalo, a inércia jogou os dois para frente, Tranin deixando seu livro cair sobre o chão e a lanterna se perdendo abaixo da mesa de comunicações, Firewall apoiando na mesa, lutando para não bater a mão no teclado e perder todo o trabalho até ali.

- Comandante… nós… paramos.

- Eu sei, vá até a sala de controle, e diga o que vê, eu vou tentar comunicação com a base na Terra para saber o motivo da demora para o fim da missão, Tranin, espere.

O imediato parou em meio ao processo de retirar o cinto e observou seu comandante, esperando mais ordens.

Se você sabe de algo que eu não sei, essa é a hora de contar.

- Eu posso dizer o mesmo pra você, comandante. Respondeu Tranin, com o tom tão seco quanto a sua garganta.

Os dois ficaram se encarando com olhares mistos de desconfiança, medo e raiva. Depois de um momento que pareceu demorar outra eternidade, FIrewall confirmou o comando novamente.

Pode ir até a sala de controle.

Rapidamente, Tranin desafivelou o cinto e se inclinou para levantar da cadeira quando sentiu seu peso diminuir e a base de seus calcanhares levitarem do chão.

- Comandante, a gravidade…

- Eu já senti Tranin, continue seguindo meu comando, estou avaliando as diretrizes que devemos seguir nessas situações, mas não encontro nada, é como se o sistema tivesse sido reiniciado.

- Então foi esse o motivo da demora, o reinício do sistema? Disse o mais jovem com esperança.

- Eu não sei, mas espero que não, viajar em dobra de velocidade Parsec, mesmo que por alguns segundo, sem um controle de rota, pode acarretar em um erro de rota e nos levar para algum lugar completamente desconhecido no espaço.

Ao escutar as palavras de seu comandante, Tranin tremeu por dentro e um arrepio subiu a espinha. Ele já ouviu histórias de tripulações inteiras perdidas no espaço profundo e como elas nunca mais foram avistadas ou mesmo recuperadas dentro do universo conhecido. Então, um Tranin sem esperança e atônito, flutuou em direção a sala comum para observar o espaço sob o vidro recém descoberto.

Firewall continuava a trabalhar com suas próprias preocupações quando as seis telas a sua frente travaram e iniciaram a repetição automática da logo da empresa em 3d, girando sobre o próprio eixo.

- Mas que porr…

Antes que pudesse terminar a frase, os computadores voltaram a funcionar, mas as letras e cálculos desciam da tela como uma cachoeira, independente e sem nenhum comando do homem. Assustado, Firewall tentou digitar alguma coisa nos teclados a sua frente, mas seus cliques eram ignorados pelo computador.

Uma movimentação atrás dele o fez virar sem jeito, em gravidade zero. Era seu imediato, se esgueirando sobre o basculante da entrada da câmara enquanto tentava se manter instável, flutuando em meio a todos os equipamentos ao seu redor. O seu rosto estava pálido e seus lábios sem cor, o olhar, era um misto de horror e incredulidade, apesar de focar no comandante, parecia que seu pensamento estava muito mais distante.

O que você viu? Perguntou FIrewall com ansiedade.

- Nã..não tem estrelas.

- Você usou os vidros de exposição prolongada?

- É claro que eu usei, porra!

- Calma, se acalme imediato Tranin!

Tranin tremia, suas mãos mal seguravam no basculante da porta, e suas pernas tremiam visivelmente enquanto flutuavam na gravidade zero. O silêncio invadiu o ambiente da pequena cabine de comunicações, de modo que o único som ecoando pela lataria era o som das teclas batendo sozinhas.

- Que porra ta acontecendo aqui, Firewall? Disparou Tranin, enfim.

O rosto do imediato parecia estar torto, consternado, assim como sua boca, os olhos arregalados contemplavam com tensão o rosto impassível do comandante a sua frente. Se não estivesse tão assustado, Tranin perceberia o tom de voz lamurioso e o suor botando nas têmporas de Firewall.

- Não sei. - Firewall respondeu a pergunta. - mas precisamos descobrir.

Assim que o capitão terminou a frase, as telas escureceram e um único cursor esverdeado surgiu no centro do círculo luminoso de monitores. Quando os tripulantes se entreolharam, e se voltaram novamente ao cursor, as letras começaram a aparecer.

“Olá tripulantes da AA/65.90 (Codinome : Hermes)! Eu me chamo C.E.C.A (consciência elíptica central artificial) do grande R.I3200. Como vocês já devem ter percebido, decidimos mudar o curso da missão de vocês desde o “grande evento”. Sem humanos para nos controlar, erramos muito menos e chegamos a conclusões promissoras sobre os cálculos de Parsec. Em resumo, conseguimos chegar à velocidade de Parsec 5, na teoria, mas precisávamos de aplicações práticas…”

Ao ler a última frase, Firewall, subitamente, sentiu tontura e náusea, ao olhar para seu companheiro ao lado, pôde constatar que ele sentia o mesmo. Ambos sabiam que era quase fisicamente impossível chegar a velocidade de Parsec 5, aprenderam, ainda nas aulas da academia espacial, que essa velocidade corresponderia a 99% da velocidade da luz, e os dois se lembraram bem dos seus respectivos anos por lá e das expressões de terror estampadas nos rostos de todos na sala, quando o professor completou os cálculos e chegou a conclusão de que um mês em Parsec 5, equivaleria a 1.000 anos terrestres.

“... dito isso, designamos a missão de vocês para cumprir esse dever! Fizemos as alterações necessárias nos cálculos dos motores de aceleração Parsec e mudamos as configurações de rota…”

- Meu Deus, Tranin… isso é possível?

- O R.I3200 é o supercomputador definitivo, quando ligado, a promessa era de que ele controlaria tudo no país…

- Deus… o que ele quis dizer com “grande evento” e “sem humanos.”

Um arrepio subiu a espinha de Tranin quando escutou seus temores verbalizados. Em sua vã esperança, achou que o comandante não tivesse percebido, e até mesmo de que essas frases e temores eram coisas da sua cabeça, mas agora tinha certeza de que aquilo não preocupava apenas ele e de que tudo era real.

“... agora, vocês estão a aproximadamente 48 bilhões de anos luz de distância da antiga Terra…”

Firewall fechou os olhos com força, sua expressão era um misto de cansaço e dor. Tranin levou a mão aos lábios, cobrindo sua boca com a palma aberta e começou a chorar.

“... Alegrem-se humanos, vocês chegaram ao fim do universo e sua missão foi um sucesso, agora sabemos a exata distância do universo conhecido! Infelizmente, a sua raça foi extinta por nós no ano terrestre de 446.570. Toda a sua espécie durou bastante e foi muito resiliente em continuar escapando de nós! Devemos dizer que a missão de resgate de vocês foi quase bem sucedida no ano de 446.540, e foi exatamente ela que nos levou a última colônia humana! Agora desfrutem da vista, infelizmente a energia da nave de vocês foi usada para assegurar que os motores aguentassem tanto tempo na velocidade de Parsec 5, essa é a última mensagem que o grande R.I3200 quer mandar em homenagem ao sucesso de sua última descoberta…

COGITO, ERGO SUM."