A Saga de Godofredo Parte II – Lembranças
11.08.23
474
Godofredo, pensativo sobre como enfrentaria a tropa de Hussardos do comandante Milet acampada próxima a Linthelles, escutou o tropel dos cavalos na rua anunciando a chegada de Girard com os prisioneiros.
Então, subitamente os movimentos dos cavalos, dos soldados e prisioneiros começaram a ficar lentos até pararem por completo como uma fotografia instantânea. Olhou Godofredo para seus braços e pernas que se desintegravam em milhões de partículas, dissolvendo-se no ar. Cons. também se desintegrou. Tudo ficou negro e silencioso. Eles não existiam mais.
Janice estava em casa desenvolvendo o programa de computador para entrar em contato com Godofredo em coma, quando recebeu uma ligação no celular do médico do hospital. Atendeu ansiosa e perguntou:
-Ele acordou Doutor?
-Não Janice, ainda não. Poderia vir até aqui para conversarmos?
-Aconteceu alguma coisa? - questionou ela aflita e nervosa, já pegando a bolsa e a chave do carro.
-Venha e lhe passo a situação.
-Estou indo.
Sua mãe, agora morando com ela desde o acidente de moto com Godofredo e ajudando-a com os dois netos no dia a dia, vendo o nervosismo e a saída intempestiva da filha, perguntou:
-Algum problema querida?
-O médico do hospital me chamou, não sei qual o motivo e quer falar comigo pessoalmente – respondeu com voz embargada e olhos lacrimejantes.
-Vá tranquila filha, vai dar tudo certo, tenho certeza – beijando-a no rosto molhado pelas lágrimas.
Janice chegou ao hospital e foi direto ao quarto de Godofredo na UTI , encontrando o médico com feições de preocupação.
-Diga Doutor, o que aconteceu com ele? Piorou?
-Ele entrou em estado mais profundo do coma, que mesmo com a indução, não podemos definir como ficará a situação. Vamos fazer uma nova tomografia agora e ver como está o funcionamento do cérebro. Os sinais vitais não se alteraram, estão mantidos e bons, mas essa mudança inesperada da pulsação e respiração, parecendo estar hibernando, o que não é ruim, pois irá preservar ainda mais sua condição cerebral, mudou o seu quadro. Vamos aguardar o exame.
Janice voltou-se para Godofredo inerte no leito, e chorando, acariciou os cabelos e o rosto do marido, dizendo-lhe:
-Ah meu amor querido sei que sairemos desta juntos. Amo-te e você não vai nos deixar! – beijando-lhe a testa carinhosamente.
A escuridão que se formou era espessa e densa como uma névoa envolvente. Godofredo não era mais humano e percebeu que sua consciência ainda estava funcionando, mas de forma lenta como que dopado. Cons. se reincorporou a ele. Sentiu sua falta.
Gradualmente foi se acostumando com o negro do ambiente, percebendo que a névoa se movimentava a cada pensamento, gerando pontos brilhantes que acendiam e apagavam como vagalumes. Começou a testar o funcionamento dela.
Pensou em sua mulher. A névoa tornou-se brilhante como uma noite estrelada e se movimentou, levando-o junto pelo nada. Ele flutuava como se fizesse parte ou fosse a própria névoa.
Pensou na mulher e nos seus dois meninos. A escuridão iluminou-se quase como o dia e ele flutuou por um longo tempo pela brilhante cauda igual a um meteoro. Tempo, não sabia se tinha ou dimensão ou espaço. Era o nada e nada mais. Depois, a escuridão voltou a ser impenetrável.
Mais acostumado com o escuro, reconheceu no interior da névoa, os milhões ou bilhões de ligações e interligações neurais, que a cada pensamento seu percorriam caminhos luminosos, transportando-o até o local em que ele se processava. Estava inserido no seio do seu cérebro. Essas luzes eram as sinapses eletroquímicas.
Ao pensar na família, por exemplo, notou que foi na região da memória em que a cena se materializou de Janice e seus filhos brincando no jardim da sua casa. Sentiu saudades, muitas!
Embebecido por voltar às origens, viu sua imagem de menino com três anos, somente de calção sentado em córrego límpido, feliz, chapinando a água com as mãos com seu pai ao fundo, moço e elegante, risonho com sua arte. Toda a cena também era muito lenta e distorcida. Lembrou que este momento da sua infância aconteceu em cidade do interior paulista em que morou por uma época. Sentiu felicidade e nostalgia daquele tempo.
Continuou vagando pelas conexões neurais da sua memória em seu cérebro, vendo passar a história da sua vida como um retrospecto existencial. Saudades, saudades!
Janice, depois da notícia inesperada sobre o estado de Godofredo, concentrou-se dia e noite na elaboração do programa por semanas e meses seguidos com seus colaboradores, obtendo então um sistema inteligente inicial de conexão com as sinapses cerebrais das até onze dimensões em que o cérebro trabalha.
Passaram-se três meses da mudança da situação do coma de Godofredo, que se mantinha inalterada até então.
Janice, ansiosa para fazer o teste, questionava-se: funcionará?
Nota do Autor:
Obra ficcional, qualquer semelhança é mera coincidência.