Relatório da viagem ao planeta Podridão.

Sob as ordens do Monarca, empreendemos os tripulantes da espaçonave intergaláctica Olho Vivo uma viagem ao planeta Podridão, situado na periferia do sistema da estrela Sujidade, uma das três milhões de estrelas da constelação Fétida, localizada nas circunvizinhanças da galáxia Escatologia, uma das incontáveis do quadrante 03/03 do setor 46/09 do universo conhecido.

Em decorrência da escassez de tempo, o escrivão da Olho Vivo, sob a pressão das constantes ameaças que pairam sobre todos, escreve, de próprio punho, este delgado relatório.

Aterrissamos, dia 267 do ano galáctico 1.234 da era incomum, no planeta Podridão, e logo feriu-nos as narinas o odor miasmático que as criaturas - seres repulsivos - que o habitam exalam, naturalmente, de seus corpos putrefatos. Protegemo-nos como pudemos, e mal pudemos no proteger, da flagelante situação, adversa, mortífera, que poderia vir a ceifar-nos a vida. Diante de tão periculoso contratempo, para nós inédito, deparamo-nos com dificuldades dir-se-ia insuperáveis que quase nos incapacitaram para qualquer ação, qualquer pensamento, de tão mal-cheirosos são os nativos do planeta que ora visitamos. E o odor, tão graveolento! tão fedido! que nos perguntamos porque aquelas asquerosas criaturas fediam tanto, e descobrimos que tem o fedor que delas recende sua origem no espírito delas e quando elas pensam o odor malcheiroso recrudesce, e itensifica-se ainda mais quando elas falam, e mais ainda se elas concretizam as suas idéias fedorentas.

Entendemos, mesmo que para entender o que entendemos não nos esforçassêmos, o que se passa em Podridão: quanto mais aquelas criaturas rastejantes peçonhentas pensam o que pensam e falam o que falam e fazem o que fazem, mais o planeta fede.

Aqui, neste curto relatório, apresentamos ao nosso querido e sábio Monarca uma síntese das nossas descobertas - e prometemos entregar-vos um relatório minucioso assim que nos sobrar tempo, que é precioso, para o exercício de redigi-lo: neste planeta Podridão, entendemos, indivíduos que ocupam cargos de poder protegem bandidos e prendem agentes de segurança, atribuem ações criminosas aos indivíduos pacatos que vivem suas vidas sem incomodar ninguém e entendem que são indivíduos gentis e amáveis os assassinos, os assaltantes, os estupradores, os criminosos, têm no trabalho ocupação malvista, de indivíduos desprezíveis, e na vagabundagem cultura rica e valiosa, consideram atos que atentam contra a ordem social os pacíficos que indíviduos educados promovem e atos responsáveis e justos os violentos, criminosos, que culminam com a morte de agentes de segurança, proibem indivíduos honestos de, se agredidos por criminosos, defenderem-se, e permitem que os indivíduos criminosos matem quaisquer outros indivíduos, desde que sejam estes honestos, prendem os indivíduos de bem e conservam livres os que cometem crimes, condenam ao cárcere os que não se sujeitam aos desmandos de governantes inescrupulosos e iníquos e enaltecem os servis e pusilânimes, retiram dos trabalhadores as riquezas que estes produzem, prometem distribuí-las aos pobres, a estes não as distribuem, as embolsam e desperdiçam-las com objetos luxuosos e hábitos dispendiosos de falso requinte, comem do bom e do melhor e ao povo jogam restos apodrecidos de víveres que o pantagruélico estômago deles não digeriu.

Estas palavras, poucas, ilustram, acreditamos, a natureza fedorenta dos macheirosos habitantes do planeta Podridão.

Em nos apresentando a oportunidade, entregaremos ao Monarca o prometido relatório minucioso das coisas do planeta fedorento.

Encerramos. Mas não é este ponto final o fim do relato que conta as coisas do mais fétido dos planetas.

Ilustre Desconhecido
Enviado por Ilustre Desconhecido em 02/08/2023
Código do texto: T7851928
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