Lunik-9

O que será narrado a seguir são fatos envolvendo um espião em uma improvável missão no Brasil, uma nação onde acontece poucas intrigas que mereçam atenção internacional. Esses fatos obscuros envolvendo relações internacionais não são nenhuma novidade. Houve embates nos bastidores do Brasil - bastidores que poderiam ter trazido sérios problemas a esse país sul-americano caso viessem à tona. Por exemplo: quase rolou um embate entre nazistas e soldados americanos no litoral. É o tipo de coisa que acontece com frequência por baixo dos panos. Ninguém fica sabendo, talvez algum historiador ou jornalista do futuro possa revelar - teria que ser muito competente. É o que pode ou vai acontecer com essa missão. Nenhum jornal vai saber tão cedo, inimigos não podem saber ou podem saber quando for muito tarde demais. Ninguém jamais pode saber a curto prazo. Por ora, vai ser como se nunca tivesse concretizado.

Às três horas da tarde, o sol soteropolitano estava de matar. Um homem conhecido como Galego vasculha o Grande Lixão. Ele trabalha há pouquíssimo tempo no Ferro Velho - há quatro dias.. Nada de Carteira de Trabalho. Junto com outros funcionários, ele procura metais que possam ser depois vendidos ao Ferro Velho. Ganha uma merreca. Era uma época em que o presidente brasileiro falava em “cinquenta anos de progresso em cinco”. Ah, tá. De volta ao local de trabalho, ganhou pouco por algumas latas metálicas e fios de cobre. Era um trabalho cansativo, enfastiante e até mesmo perigoso. Até que um belo dia, a coisa “esquentou”.

Um homem conhecido como “Banguelo” chegou ao ferro velho com uma lataria singular, insólita, que chamava atenção. Era um objeto esférico, metálico. E havia nele coisas que pareciam antenas, umas seis. Tinha um tamanho de uma bola de futebol. Ninguém nunca tinha visto aquilo, não parecia um produto de consumo.

“Que diabos é isso?”, perguntou o dono do Ferro Velho.

“Não faço ideia, estou aqui para vendê-lo. Vocês que se virem para descobrir o que é”, disse Banguelo. “Não vendo por menos de 200 cruzeiros”.

“200 cruzeiros?”, questionou o dono.

“Sim, isso ou nada!”.

“Você está achando que está nos vendendo o quê? Ouro?”

“Talvez isso valha mais que ouro”.

“Não vale”.

“Como sabe? Você nem sabe o que é?”

“150”, disse o dono. “Lembre-se que somos o único ferro velho dessas redondezas, talvez de parte imensa da cidade. Vai ser o preço que eu quero ou você pode usar essa porcaria para enfeitar sua casa ou usar como antena”.

“Não vai rolar!”, disse Banguelo, que foi embora.

“Por que não comprou, patrão?”, perguntou Galego.

“Por que pagar se você pode ter de graça?”

“Mas aquela bugiganga parece ser raríssima. Onde encontrará uma igual para comprar?”

“Quem falou em outra e quem falou em comprar?”

À noite, Galego começou a se sentir estranho. A imagem do objeto estranho fixou em sua cabeça com tanta intensidade que chegou a incomodá-lo e chegou a fazê-lo imaginar aquele objeto de maneira vívida naquele cortiço miserável, estreito e solitário. Por alguma razão, lhe dava muita vontade de ler uma revista de ficção científica que sequer lembra como e quando chegou ali. O nome da revista? Astounding SF, edição de junho de 1953. Estava em inglês, mas curiosa e misteriosamente Galego conseguia entender. Algo lhe dizia que deveria ir até a página 58. Havia um conto intitulado “Impostor”, do autor Philip K. Dick.

O cérebro de Galego havia sofrido um “impacto” oriundo de uma avalanche de memórias. Lembrou do cientista lhe explicando a Teoria do Impostor: uma pessoa pode ser programada para fingir que é outra. Como se fosse um andróide configurado para determinada missão. Essa programação no cérebro do agente lhe dá a capacidade de assumir uma vida diferente da sua. Ele passa a ser outra pessoa, ele acredita nisso firmemente. Na cobaia surge memórias falsas de sua nova vida. Ainda que ele fosse capturado e torturado, não deixaria de crer que era outra pessoa. Assim, a Teoria do Impostor foi transformada em método e aplicada no agente Nikolai para que fosse possível cumprir sua missão. Da KGB até o aeroporto Dois de Julho, ele era Nikolai. Dali em diante, era outra pessoa. Emergiram outras lembranças em Galego - lembranças de outro país, outra sociedade.

Tudo começou no Cosmódromo de Baikonur. Lançaram o foguete espacial soviético conhecido como Lunik-9, pelo menos é assim que o Pravda chama. O objetivo era exercer a função de impactador lunar. Mas os arquitetos da façanha erraram o alvo - a Lua - por uma distância de mais de 5000 km. Depois disso, esse objeto caiu na Terra alguns meses depois. Depois de horas tentando rastrear, conseguiram localizá-lo. Caiu numa região da cidade de Salvador, no Brasil. Havia a hipótese de considerá-lo meramente como um lixo espacial. Só que não. Há tecnologias presentes nele que não podem cair em “mãos erradas” - leia-se “inimigos do comunismo”. Cabe a Nikolai recuperar esse troço. O local onde o Lunik-9 caiu fica numa parte miserável na cidade.

Havia mais imbróglios. O rastreador tinha limitações. Em vez de dar o local exato do objeto, só dava informações na região num raio de 25 km. Por isso a necessidade de se infiltrar na cidade, procurar se familiarizar, ser outra pessoa, até ver o objeto com os próprios olhos. Os arquitetos da programação foram capazes de prever algo de forma precisa: o objeto espacial era metálico e caiu numa área pobre. Eles imaginaram que alguém muito pobre encontraria e tentaria vender no Ferro Velho. Alguém que precisa de dinheiro vai tentar lucrar com uma bugiganga inútil e estranha e não guardar em casa. Só havia um único Ferro Velho naquela região. O trabalho ficou mais fácil. Bastava ter paciência.

Chegou a hora. Nikolai pensou em ir atrás de Banguelo, mas lembrou o que o seu chefe disse: “quem falou em outra e quem falou em comprar?”. Deixe que o chefe traga a Lunik-9 para ele. Fará parte do trabalho. Mas ainda há a parte difícil para fazer. Por isso pegou a arma enterrada embaixo da cama.

No outro dia, Nikolai foi ao Ferro Velho e questionou o chefe.

“Pegou aquela bola metálica?”

“Não sei do que você está falando”.

“Ninguém aqui é criança, chefe. Eu sei que você tomou do cara à força.”

“Escuta aqui, pentelho, eu te pago para catar latinha no lixo e não para me fazer perguntas. Vai trabalhar ou vai para o olho da rua, imbecil!”

Nikolai puxa uma pistola, uma Makarov.

“Onde está a bola metálica. Fale ou acabo com você”.

“Já revendi. Está num caminho rumo a uma empresa de fundição, os caras vão derretê-la”.

“Número da placa, o caminho, nome da empresa… anda logo”, disse Nikolai.

Tremendo, o homem conta tudo. “Quem diabos é você?”

“Obrigado”, disse Nikolai. Ele atirou na cabeça do chefe logo depois.

Vasculhou os bolsos do defunto e achou a chave do carro.

Foi até a empresa. Fundição Metálica. Olhou nos fundos, uma montanha de ferraria. Por sorte, o objeto espacial Lunik-9 era tão exótico que chamou atenção do Patrão e dos funcionários. Nikolai entrou no estabelecimento e viu que o homem tinha a Lunik em cima de sua mesa - ele se gabava do objeto estranho aos funcionários. Matar todo mundo e pegar o negócio? Não chega de cadáveres?

Nikolai vai até o Patrão.

“Quem é você?”, perguntou o Patrão.

“Gostaria de comprar a sua bugiganga”, disse Nikolai.

“Quanto você oferece?”

“600 cruzeiros. E não me pergunte nada”.

“Um ótimo preço! Comprei por 300 cruzeiros. Lucrativo. Negócio fechado, rapaz!”

“Você não ia derreter isso aqui?”

“Derreter?! Claro que não. Eu acho que ia usar para enfeitar esse meu escritório,. Ou quem sabe, enfeitar minha casa. Também poderia utilizá-la como antena de televisão. Essa bugiganga esquisita além de ser exótica parece ter alguma utilidade. Só que sou um homem de negócios acima de tudo".

O custo é do governo soviético. Nikolai saiu com a Lunik-9 em mãos. Não demorou para informar aos seus superiores sobre a missão cumprida.

FIM

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 15/07/2023
Reeditado em 27/12/2023
Código do texto: T7837828
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