A vingança dos pombos

ESTÁVAMOS CERCADOS. A arquitetura da casa de meu Tio não ajudava em nada. Era casa de classe média. Varanda extensa com gramado e algumas plantas na parte da frente. Por trás havia uma outra casa que funcionava como a parte que fechava o perímetro da casa. Os fundos eram ocupados por um galinheiro. Quem quisesse invadir teria que pular do alto do casarão vizinho. Mas era muito alto. O problema grave é que os invasores não parecem humanos… Se fosse uma casa de favelado, esse sufoco não estaria acontecendo. Casas coladas umas as outras, grades, puxadinho. Entretanto, complicado invadir.

Meu Tio meu deu uma arma. Inútil. Era uma carabina com chumbo, usada para matar pombos. Aliás, essa arma de merda é a causa dos problemas.

Não sei exatamente como começou. Sei que houve um belo dia em que saí do escritório e meu Tio e o ex-Genro dele me convidaram para almoçar na casa de minha Tia (esposa do meu Tio). Chegando lá, depois do almoço, eles dois ficaram atirando em pombos com a carabina.

- Não quer tentar, rapaz? - me perguntaram.

- Melhor não. Não sirvo pra coisa. - eu respondi, sem saber que talvez estivesse me livrando de uma enrascada.

Todos os dias eles faziam aquilo. Mataram milhares de pombos e se gabavam disso. Até que coisas estranhas começaram a acontecer. Em um outro belo dia, o Nissan de meu Tio amanheceu coberto de bosta de pombo. Sério, parecia que alguém havia enchido dezenas de baldes de merda de pombo e jogado em cima do carro. Meu Tio ficou puto, mas não tinha ideia do responsável.

- É a vingança dos pombos. - eu disse, em tom de brincadeira, sem saber ainda do que estava por vir.

Meu Tio nem disse nada. Não levou a ideia a sério. Numa tarde, ele estava deitado e começou a escutar um barulho no telhado, parecendo chuva. Mas a vista pela janela apontava que não tinha uma única nuvem no céu. Saiu, olhou e tomou um susto. O telhado estava cheio de merda de pombo, assim como a varanda e o galinheiro. No céu sobre sua casa, inúmeros pombos, chegavam a bloquear um pouco aquela bola de luz que chamamos de Sol.

- Mas que diabos… - ele disse. Então, veio mais rajada de merda. Ele saiu correndo para dentro, porém se melou um pouco. Ainda bem que nesse dia eu não estava lá.

Todavia, estava no pior dia possível.

Meu Tio e o ex-Genro não pararam em brincar de tiro ao alvo com pombos. Continuaram matando e enterrando pombos. E com mais intensidade. Estavam retaliando e sentiam prazer nisso.

- Pombos merecem morrer, só trazem doenças. Rapaz, fique longe dessas merdas. - disse meu Tio.

No dia que aconteceu O Cerco eu tinha ido almoçar na casa de minha Tia. Depois desse dia, não vai ser uma boa ideia. Estávamos todos almoçando quando minha Tia viu algo bizarro e incomum. No topo do Casarão vizinho, cuja parede fecha o perímetro da casa, havia alguns seres parecendo homens parados na pontinha da laje do Casarão, como se estivessem prestes a pular. Tinha alguns aspectos de homem, mas também tinham características singulares que despertavam horror. A pele era acinzentada. Aliás, não parecia pele, e sim penas. E a cabeça deles tinha o formato de ave, olhando bem era o formato de pombo. Sem mais enrolação, poderíamos dizer que se tratavam de homens pombos. Era inacreditável.

- Peguem as carabinas. - disse meu Tio, como se já esperasse as criaturas.

Qual seria a origem daquelas coisas?

Os pombos com corpo humano pularam do alto do casarão e aterrissaram no galinheiro. Estavam intactos. Era uma altura dos diabos, mas isso não abalou os seres nem um pouco. Aliás, eles conseguiram pular o muro da casa e de forma rápida uns seis deles estavam na varanda.

- Fechem a porra das portas! - berrou meu Tio. Fechamos tudo, porém estávamos cercados. Eu, meu Tio, o ex-Genro dele e até mesmo minha Tia pegamos as carabinas. O ex-Genro disparou chumbinho na cabeça de um deles. A criatura parece que não sentiu nada. Um deles tinha um megafone!

- Entreguem o Rei da casa e o seu servo. Não queremos os outros dois. No entanto, se não fizerem o que a gente quer, iremos invadir e as coisas não ficarão nada boas para vocês. Vocês têm cinco minutos!

Meu Tio abriu uma das janelas.

- O que vão fazer conosco? - ele perguntou.

De novo, um dos seres usou o megafone. Ele tinha uma braçadeira. Parecia ser o líder.

- Vocês serão julgados e condenados por assassinato em massa! - proferiu.

- Nem ferrando! - disse meu Tio que disparou vários chumbinhos que não faziam nem cócegas naquelas criaturas. Meu Tio ligou para a polícia. Do outro lado da linha, o atendente gargalhou.

- Tenho que admitir que esse trote é engraçado. Imagina, homens com cabeça de pombo estão invadindo a sua casa e estão ameaçando levar você a julgamento! Ouviu isso, galera!

Dava para escutar risos.

- Você pode ser processado por passar trote para a polícia, coroa!

- Então, me processem, caralho! Mas mandem a polícia para cá!!

O vidro da porta dos fundos arrebentou de forma abrupta. Um dos seres usou uma galinha enrolada numa pedra para quebrar a vidraça. Uma das criaturas tentou entrar, mas o ex-Genro tentou impedir. Houve luta corporal. Ele tentou socar a cabeça de pombo. Era inútil, no entanto. Ele foi facilmente dominado e capturado. Atirei chumbinho no outro invasor que vinha na minha direção. Ele não sentiu nada e me deu uma bifa que parei no sofá. Também tomou a carabina de minha Tia e deu um cascudo nela. Os invasores também entraram pela frente. Meu Tio louco gritando com o atendente.

- Vocês ouviram, porra??? Estão invadindo minha casa.

O atendente do telefone da polícia expressou uma voz perplexa. Ele, enfim, acreditou graças ao barulho da vidraça quebrando. Mas àquela altura, era inútil. Meu Tio foi cercado, levou porrada e foi capturado. Depois de terem pegos os alvos, os homens pombos voltaram pelo mesmo caminho que vieram e depois sumiram com os dois. A polícia chegou atrasada. Minha Tia estava desesperada. Eu estava horrorizado. Começou uma busca intensa pelos locais. Nenhum rastro dos seres. Nenhum rastro do meu Tio e do ex-Genro dele.

Eles nunca mais foram vistos novamente.

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 08/07/2023
Reeditado em 09/07/2023
Código do texto: T7832407
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