NOAH-15 – Capítulo 4 – Heroi
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Leia antes:
Prólogo
https://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/7704577
Capítulo 1
https://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/7717944
Capítulo 2
https://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/7727012
Capítulo 3
https://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/7793280
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* Tempo de Calmaria *
Vinte e cinco anos se passaram depois da segunda onda de reprodução e o caminho pelo universo era rápido e calmo do lado de fora de NOAH-15 e dentro dela, os dias eram sempre repetitivos, e os novos pouco mais de três mil habitantes agora eram jovens adultos, enquanto seus pais iniciaram a idade da sabedoria plena, ainda sem os problemas da idade avançada e senilidade.
A nova prole estava já bem treinada em várias profissões uteis para o bom funcionamento da nossa enorme pequena cidade, correndo pelo espaço infinito. Deram muitos problemas durante a infância e juventude mas, para os padrões terrestres, eram calmos até demais.
Na última semana tive várias conversas com a junta médica de NOAH-15, junto com a junta médica da Terra. Soubemos que toda a população da NOAH-15 teve mudanças genéticas bem diferentes dos que habitantes de nosso planeta origem, a Terra. Por causa da redução gradativa e constante da gravidade artificial no nosso mundo, os habitantes originais tinham mais problemas de descalcificação óssea do que uma pessoa na Terra, mas totalmente administrável. Sinal que o plano de redução da gravidade mostrava-se muito eficiente. Já os novos habitantes, os nativos do espaço profundo, tiveram alterações mais profundas, mas me chamaram mais a atenção o fato de terem uma altura média de dez por cento a mais que os terrestres, com ossos mais alongados e finos, além de terem uma massa corpórea doze por cento menor. Nossos filhos estavam deixando de ser humanos terrestres e uma nova raça de humanos começava a surgir no Universo. E isso me deixou muito curioso sobre como serão os nossos netos, uma vez que os nossos bisnetos não conseguirei conhecer.
Nas reuniões com as juntas médicas, também tínhamos vários biólogos e esses reportaram também diversas alterações nas outras formas de vida do nosso minúsculo bioma. A composição proteica do leite e das carnes que consumíamos estava mudando também e, pelo ciclo de vida mais curto dos animais, comparado ao nosso, as mudanças neles eram mais perceptíveis. A vida vegetal sofreu muito menos alterações bioquímicas, mas o tamanho de todos os exemplares de vida vegetal que tínhamos ficaram bem maiores do que quando saímos da Terra. A diferença de tamanho era visivelmente notável quando comparávamos como os filmes antigos.
Mas a vida é assim. A vida e a evolução na Terra sempre sofreram alterações graduais, fosse por obra divina e natural, fosse por intervenção humana. Mas as alterações raramente eram drásticas e, por isso, o cidadão ordinário sequer as percebia. Assim, sempre, para quase todos, nada tinha alterado, até ver um velho filme e confirmar as diferenças. Mas a impressão de mudança durava somente o tempo que o filme demorava para acabar. Poucas vezes persistia por mais um curto período de tempo em uma ou outra roda de amigos que, minutos após o filme terminar, insistiam ainda em conversar admirados por algo que, por não saberem a profundeza do assunto, acabava virando estórias velhas em algum meio de guardar memórias pessoais, que normalmente seria acessado mais uma ou duas vezes durante toda a sua vida.
Um dos maiores prazeres que tive durante estes últimos vinte e cinco anos foi chegar em casa e contemplar o milagre do amor e da vida, representados pela minha maravilhosa esposa Amikô, minha filha Antônia e meu filho Rafael.
Várias passagens foram memoráveis mas, principalmente, a grande forja dos nossos filhos foi a união familiar, a educação clássica que aplicamos a eles, o senso de comunidade e de respeito pelo vida.
Tivemos prazeres que superavam toda e qualquer dificuldade. Os jantares juntos, onde ensinávamos aos filhos o repeito pelo momento da refeição, a união da família, o agradecimento pelo momento. Aproveitávamos todos os momentos para mostrar aos nossos filhos que o belo é simples de ser alcançado. A beleza de comermos sempre juntos, de usar corretamente os talheres, de esperar todos estarem servidos para iniciar o jantar, de falarmos só coisas agradáveis durante a refeição, deixando as desagradáveis para depois da refeição, mas não nos furtando de as discutir.
Durante esses anos lemos muito para eles, despertamos neles o prazer da leitura, apresentamos a eles os clássicos escritos por seres humanos que mudaram o mundo para melhor. Lemos, de acordo com a idade, livros como O Mágico de OZ, O Hobbit, Senhor dos Anéis, As Crônicas de Narnia e, à medida que foram ficando mais velhos, e pudéssemos mostrar as diferenças entre o bem e o mal, e porque só se dá valor ao bem quando sabemos o que é o mal, começamos a apresentar livros sobre os grandes genocidas e assassinos da humanidade, tais como Adolf Hitler, Mao Zedong, Stalin, Napoleão, Pol-Pot e tantos outros. Falamos sobre Religião, Política, Crenças, Ideologias e outros fatos relevantes que moldaram a humanidade.
Hoje Antônia e Rafael são professores De uma nova geração de humanos.
Em uma madrugada qualquer, todo o sossego dos últimos quase trinta anos foi brutalmente perturbada. Os avisos sonoros soavam desesperadas por toda a Astronave e as luzes foram ativadas como se fosse meio-dia. De repente, uma terrível explosão foi ouvida por todo lado e NOAH-15 sofre uma alteração brusca de direção, jogando tudo que estava dentro da astronave para todas as direções. Enquanto tentava chegar ao centro de controle de NOAH-15, via corpos de pessoas e animais voando, arvores arrancadas e o ar ficou difícil de respirar. NOAH-15 parecia estar se despedaçando.
* Nem tudo são flores *
Por trinta minutos o caos tomou conta de NOAH-15. Várias decisões automáticas tiveram que ser tomadas emergencialmente pelo sistema automático da astronave. Foguetes laterais tiveram que ser acionados para parar a rotação da nave e com isso, parar a geração de gravidade para a frente e os fundos. Falando em gravidade, para diminuir os efeitos colaterais das colisões internas de corpos e objetos, NOAH-15 parou a rotação interna que gerava a gravidade habitual dentro da parte habitável. Assim, trinta minutos após a explosão, ainda sem saber o que tinha acontecido, flutuávamos sem gravidade dentro da área habitável, evitando colisões catastróficas e até fatais.
Apesar de nunca termos passado por uma situação de emergência real como esta, todos os habitantes sabiam como reagir quando ela acontecesse. E assim começou o trabalho de cada habitante para reestabelecer a normalidade dentro da astronave, se ainda poderia existir uma normalidade possível.
Cada braço que podia ser usado passou a fazer o que era necessário antes de ligarmos os motores de rotação da gravidade artificial. Objetos foram sendo colocados em seus lugares e presos com cola de degradação rápida – em doze horas a cola seria totalmente oxigenada e perderia a sua eficácia. Animais foram movidos para seus locais e amarrados de diversas formas para que não flutuassem e se perdessem novamente. Os animais mortos, e foram muitos, com o impacto nas paredes e outros objetos, foram depositados nos coletores de material para reciclagem, bem como todas as arvores e vegetais de grande porte que estavam quebradas de tal forma que seria impossível replantá-los com sucesso.
Ao longo de pouco mais de oito horas quase todos os habitantes disponíveis gastaram seu tempo e esforço remendando o que há poucas horas parecia o paraíso perdido na imensidão do espaço sideral. Ainda nesse período de tempo tivemos noticias muito ruins da equipe médica. Eles relataram que cinquenta e oito pessoas morreram, sendo trinta e sete pessoas da tripulação inicial e vinte e uma da tribulação nascida já no útero de NOAH-15.
Pouco minutos após os sistema automáticos terem parado toda a astronave no meio do nada, quase toda a tripulação da Ponte de Comando já se tornava presente em seus postos de trabalho, exceto por três que morreram e um que estava gravemente ferido. Enquanto todos trabalhavam arduamente na área habitável, nós teríamos que descobrir o que causou o problema. Sem especular ainda os motivos e o tamanho do problema, fizemos uma reunião em que, quase por unanimidade, concordamos que a explosão ocorreu na parte traseira da astronave, onde se encontravam os motores, os cinco tranques de trilium ultracomprimidos e os depósitos de materiais diversos, água, recicladores e toda a sorte de depósitos e máquinas que auxiliavam o funcionamento de toda a astronave.
Devido à complexidade do problema, coloquei um terço da staff para cuidar da crise na área habitável e o restante para tratar dos problemas da explosão.
Os sensores da nave relatavam dois dos cinco tanques de trilium completamente vazios e um terceiro com setenta e três porcento de sua capacidade total. De imediato isso levantou sérias preocupações com os mais atentos do staff. Na distância em que nos encontrávamos de Proxima b, aquela quantidade de combustível não seria suficiente para alcançá-la e, de imediato, deixei três deles para calcularem todas as possibilidades, caso os sensores estivessem corretos.
Tarefas distribuídas, era chegada a hora de verificar o problema no local. Toda a área de antes dos motores foi descontaminada de radiação e eu e uma equipe de mais nove tripulantes do staff fomos em direção acesso a essa área, já trajando os uniformes espaciais para podermos entrar lá. Aproveitando a ainda falta de gravidade, nosso caminho seria mais rápido e curto. No meio do caminho, consegui um par de minutos para falar com Amikô e saber dela e dos nossos filhos. Algumas lesões fracas e todos ajudando a restaurar a habitabilidade. Agora, com o coração menos apertado, voltei à dura realidade. A Torre nos informou que estavam prontos para restaurar a gravidade. Ordenei que adiassem pelos cinco minutos que faltavam para chegarmos à câmara de descompressão, evitando ter que descer ao nível do solo e depois ter que subir o elevador por 500 metros. Uma vez estabelecidos na ponte ,em frente a porta da câmara, informei que poderiam ligar os motores de rotação da gravidade. E com um barulho enorme, demonstrando força e poder, os onze quilômetros da área habitável começa lentamente a girar. Ainda irá demorar uma hora até que atinja a velocidade ideal mas, tenho coisas de urgência maior para lidar.
* O Espaço Profundo não é vazio *
Na área de depósito, como chamávamos a região entre a área habitável e o complexo dos motores, verificamos toda a integridade estrutural e não encontramos nada que pudesse tê-la corrompido. Ficamos contentes com isso mas, o que aconteceu então?
Como não poderíamos verificar a área dos motores, e a Ponte ainda não tinha conseguido colocar todo o sistema para funcionar, e assim não tínhamos ainda um diagnóstico, o primeiro imediato Achmed sugeriu que colocássemos os robôs de conserto de fissuras externas para investigar toda a sessão dos motores.
Com NOAH-15 totalmente parada no espaço, abrimos a comporta externa e colocamos os robôs em direção aos motores. Em poucos minutos começamos a ter a visão do que aconteceu. Definitivamente a visão não era boa. O problema era maior que qualquer um de nós pudesse imaginar. Algo bateu com tanta força na lateral da astronave que arrebentou toda a proteção de dois tanques de trilium e, com a aproximação dos robôs da cena, verificou-se que todo o trilium do tanque 5 tinha vazado. Vinte por cento de combustível a menos praticamente inviabilizada a nossa viagem até Proxima b. Os cálculos propunham uma sobra de até 15%, não de 20%. E pior, paramos a Astronave. Recolocá-la à velocidade necessária gastaria muito mais combustível dos que essa diferença já negativa de 5%.
Enviamos então os robôs para verificar a situação do tanque 1, mesmo sabendo que o mesmo já estava vazio nesta etapa da viagem. Varredura completa dos robôs e nenhum dano estrutural foi encontrado. O tanque 1 estava integro.
Momento de voltar à Ponte e colocar todas as cabeças para pensar, as que aqui vivem e as do Domo Terra.
O caminho de volta foi bem mais lento mas, com os pensamentos ocupando todos os nossos cérebros, ninguém sequer notou esse detalhe.
Uma vez na Ponte, já com a gravidade restaurada, pedia para cada um que tivesse uma possível solução gritasse e a apresentasse para análise. Desnecessário comentar que ulularam gritos em grande quantidade, visto que só ali estavam dezenas dos melhores engenheiros que poderiam existir na raça humana, fosse em corpo presente ou pelos comunicadores com o Domo Terra.
Dezenas de hipóteses e soluções foram dadas, o que nos ajudou muito a criar mapas mentais e nos preparar para quando finalmente o sistema de computadores estivesse totalmente funcional. Isso demorou mais do que o esperado, mas finalmente tivemo-lo funcionando.
Gravações prontas para serem reproduzidas e dados dos sensores sendo enviados para todos os postos dos engenheiros e eis que escutamos quase que em uníssono: ISSO NÃO PODERIA ESTAR AQUI.
Nossas telas nos mostravam um enorme cometa, a altíssima velocidade, raspando no local onde vimos o buraco e NOAH-15. Isso jamais poderia acontecer. Deveríamos ter sido avisados a tempo.
* Soluções e Gambiarras *
A partir desse momento, metade dos engenheiros passaram a analisar todo o software e hardware envolvidos no problema e, a outra metade, a dura tarefa de procurar soluções para o nosso problema nos tanque de trilium.
Várias soluções foram propostas, e todas, claro, passavam pela reconstrução da camada externa da astronave, para garantir a integridade estrutural durante a viagem a alta velocidade mas, e o problema da distância e quantidade de combustível disponível?
Para esse grande problema, sobraram somente duas soluções sobre a mesa: voltar para a Terra e o combustível atual seria suficiente ou seguir para Proxima b fazendo todos os racionamentos possíveis de energia.
O coração de todos diziam para arriscarmos seguir para Proxima b, mas se qualquer outro problema acontecesse e uma quantidade extra de energia fosse requerida, a morte de todos seria o único destino que tínhamos certeza e essa situação não era aceitável. Assim, nos sobrou a única solução: voltar para a Terra.
Todos os habitantes de NOAH-15 souberam da única opção disponível e isso gerou um terrível mal-estar geral, uma sensação de fracasso, o maior fracasso de uma vida inteira, pois era isso que seria.
Por algumas horas todos os engenheiros de robótica modificaram os robôs para cobrirem o enorme buraco em NOAH-15 e, em paralelo, os outros engenheiros estavam envolvidos e resolver os problemas dos sensores.
Robôs modificados e enviados para arrumar o buraco quase que ao mesmo tempo que os sensores da astronave começaram a funcionar. O trabalho dos robôs duraria cerca de uma semana e cobririam toda a parte externa mas não arrumariam o tanque rasgado. Não tínhamos matéria-prima correta para consertar esse tipo de material, mas alertados por um dos engenheiros, aquele rasgo poderia comprometer a estrutura externa se ficasse aberto, por causa da pressão de inércia gerada durante o processo inicial de aceleração de NOAH-15.
Várias soluções foram propostas mas simplesmente não tínhamos matéria-prima com o nível de resistência necessária. Tivemos que parar os robôs antes que eles cobrissem o rasco do tanque com o polímero do casco, até que uma solução viável fosse proposta. Nem o Domo Terra conseguiu nos enviar uma só solução possível.
Nesse meio tempo, toda a região habitável de NOAH-15 estava sendo reconstruída, usando todos os recursos possíveis. Os pomares, as baias dos animais, os gramados de pastagem, o ambiente de plantação de verduras e legumes, as nossas próprias habitações estavam sendo remendadas e colocadas e perfeito estado de funcionamento, mas não mais com a beleza visual que existia antes. Durante pelo menos quatro anos a nossa alimentação sofreria com a escassez de variedades e precisaremos recorrer muito mais à comida processada que antes. Mas esta descrição é preliminar, baseada na rápida observação visual dos dados. A longo das próximas semanas saberemos a posição real.
Mais uma semana se passou e sofremos mais três perdas humanas, dentre elas o vice-capitão Stewart e o mais experiente dos oficiais da ponte, Andreas, substituto imediato de Stewart. Apesar do ciclo de trabalho da população inicial de NOAH-15 estar chegando ao fim, e seriamos retirados de nossas funções gradativamente ao longo dos próximos cinco anos, em que todos estaremos com uma idade aproximada de cinquenta e cinco anos, ainda não tínhamos terminado todo o processo de treinamento dos novos oficiais e, inclusive, do próximo capitão.
Falando em ciclos que a vida nos coloca, os mistérios da dádiva divina sempre nos surpreende. Estava praticamente decidido que o próximo capitão seria Kain Okubã, o nosso primeiro habitante nascido no espaço e sobrevivente do eminente aborto por erro dos seus pais.
Kain cresceu como um grande homem, inteligente, com sua pele morena e olhos verdes, uma força física excepcional, desde cedo foi preparado para ser um alto oficial de NOAH-15. Suas aptidões, sem dúvida alguma, superavam com folga todos os seus concorrentes e nos últimos três anos estava sendo já treinado para ser o novo capitão. Existiam apenas algumas questões inconclusivas com relação à sua personalidade, com uma pequena, quase nula, possibilidade de desvio moral. Mas questões similares também existiam em seus concorrentes ao posto de Capitão, que seriam então colocados em cargos logo abaixo, de vice-capitão e oficiais graduados. Estava perto o fim dos meus préstimos como capitão, mas ainda teria uma vida de conselheiro por mais vários e longos anos.
Estávamos parados há quase duas semanas sem a solução para o problema do tanque rasgado. Não poderíamos tirá-lo simplesmente pois os robôs eram poucos e demorariam anos para o desmantelar e o local era inacessível aos homens pelo excesso de radiação lá existente. Porém, surge na minha tela uma proposta que parecia promissora e, em simultâneo, os engenheiros dos sensores começaram uma grande gritaria na Ponte de Comando. Enquanto terminava a leitura da proposta de solução para o tanque rasgado, feita por Sergei Serge, um dos novos engenheiros civis de NOAH-15, pedi para o restante da Ponte manter um pouco a calma pois já pararia o que estava lendo para ver o motivo de tanta euforia.
Assim que terminei a leitura dirigi-me ao centro da Torre de Comando e, com bastante alegria explícita em minha face comuniquei:
- Temos finalmente uma solução para o tanque rasgado mas, devido à extrema euforia, deixarei que vocês me contem primeiro a vossa notícia.
Por questões de respeito, o novo vice-capitão Kain dei a voz ao oficial mais graduado e mais velho ainda a serviço na Ponte. Foi então que o Oficial de Engenharia Pierre Duvier começou a falar:
- Capitão, acreditamos ser a sua uma noticia maravilhosa mas temo que a nossa a superará em grande número a boa expectativa.
- Vamos Pierre, menos rebusques e mais objetivismo, por favor. - Disse eu.
- Desculpe-me, capitão. Acho que os engenheiros dos sensores conseguiram descobrir algo fantástico. Estamos a poucos milhares de milhas de um Planeta Errante(1) com três luas e os nossos sensores detectaram que uma das luas é fonte primária de trilium. Ela tem a atmosfera toda composta de trilium.
- Interessante. O que propõem com essa descoberta? = perguntei.
- Pois bem Capitão, poderemos adaptar uma tanque e uma bomba coletora desse trilium em uma das duas naves auxiliares e ir pegá-lo e encher o tanque que já está completamente vazio e completar o que já está parcialmente utilizado. Com quatro dos cinco tanques cheios, na distância que estamos de Proxima b, voltaríamos a ter a quantidade necessária para o alcançar e ainda teríamos mais da metade de um dos tanques como reserva emergência, conforme os planos iniciais do inicio da nossa jornada.
- Isso quer dizer que voltaremos ao nosso projeto inicial de criar a primeira colônia humana fora do sistema solar. Mas, sempre tem um mas, o que ainda não me disse? Tudo parece fácil demais e, por experiência, nunca nada é fácil demais. - retruquei.
- Sim, Sr Capitão, temos algumas variáveis a serem consideradas, que são:
a. Serão necessárias cerca de cinquenta viagens à lua;
b. A nave auxiliar terá que ser tripulada por um homem, não uma máquina, pois existe muita interferência magnética vinda do planeta e perderíamos o controle da mesma;
c. Como sabemos, a cabine de comando da nave auxiliar é pequena e só poderá levar um único homem durante a viagem de ida e volta de seis horas.
d. O ciclo completo de carga demorará cerca de duas semanas, e devido aos problemas de radiação e falta de uma proteção contra a mesma eficaz para tanto tempo, nenhum dos tripulantes anterior poderá fazer nova viagem. Assim sendo, precisaremos de cinquenta tripulantes preparados para a pilotagem
- Em rápida análise, penso que a vossa solução é fantástica e peço que criem um plebiscito interno em NOAH-15 e consultem todos os habitantes se preferem essa solução ou voltar para a Terra.
Imediatamente o vice-comandante Kain manifestou-se me inquerindo sobre a boa notícia que eu tinha a dar e assim o fiz.
- A boa notícia é que um dos nossos novos e brilhantes engenheiros civis achou a solução para o tanque rasgado. Temos muito polímero de expansão que usamos para as construções internas da astronave. Ele sugere que preenchamos o tanque rasgado com esse polímero expandido e em seguida os robôs podem terminar com a reconstrução do casco de NOAH-15. Esse polímero é leve e resistente e manterá a pressão positiva do cilindro, impedindo que exploda. Seja para voltarmos para a Terra ou para seguirmos viagem, o problema do tanque rasgado será resolvido em breve.
Voltamos novamente para as centenas de tarefas que nos açoitavam depois de tamanha catástrofe sofrida, enquanto aguardávamos por uma hora a votação sobre o nosso destino.
Ansiedade resolvida com a apresentação da votação e, após sabermos que quase por unanimidade todos os habitantes decidiram que NOAH-15 deveria seguir a sua viagem original, deleguei à equipe de engenheiros que começassem imediatamente a preparação da nave auxiliar N15-01, instalando o tanque e as bombas de recolhimento do trilum, além de reforçar ao máximo a cabine de controle para reduzir a quantidade de radiação.
Com toda a certeza de que meus olhos não estavam me traindo, vi vários engenheiros literalmente correndo para fora da Ponte de Comando, indo em direção ao pier onde se encontravam as naves auxiliares.
Durante os próximos três dias, eu e mais dois pilotos experiente treinamos várias pessoas voluntárias que iriam pilotar a nave auxiliar no sequestro de trilium da lua daquele planeta errante, lua essa que oficiosamente batizamos como Esperança, e o planeta de Pequeno Perdido. Utilizamos a N15-02 para o treinamento de pilotagem enquanto N15-01 estava sendo preparada.
Durante todo o tempo que passou, desde a colisão com o asteroide, a força de vontade e a capacidade de superação desta pequena comunidade de cerca de seis mil humanos mostrou do que era capaz, reconstruindo quase toda a parte habitável de NOAH-15, cultivando tudo novamente, cuidando dos animais que se salvaram, velando as pessoas que nos deixaram antes da hora. Chego a questionar se algum dia um capitão teve a honra de comandar uma tripulação tão boa. Me sinto um homem completamente realizado e feliz com toda esta aventura humana.
Com a nave auxiliar N15-01 já adaptada, iniciamos a coleta de trilium, usando cada um dos cinquenta pilotos candidatos, sendo eu o último deles a fazer a coleta para podermos fazer os motores de NOAH-15 voltarem a roncar e explodir toda a sua potência, nos recolocando a caminho novamente de Proxima b.
A cada cerca de seis horas e meia era trocado o piloto e, a cada dez trocas a equipe de manutenção verificava a nave auxiliar para se certificar que continuava segura e capaz para continuar a pequena saga e assim quase quinze dias se passaram para que finalmente eu fechasse a ultima viagem e carregasse completamente os quatro dos cinco tanques de combustível.
Trajado como necessário, entrei no cockpit da nave auxiliar, lacraram a nave e a colocaram na baia de descompressão e lançamento. Poucos minutos depois lá estava eu no meio do espaço desconhecido a caminho de uma lua de um planeta errante no meio do espaço interstelar. Uma viagem de ida de cerca de uma hora e meia e já se passavam quase as duas horas e meia necessárias para encher o tanque e retornar em em uma viagem de mais duas horas, carregar o resto do tanque 01 e reiniciar a viagem mas iniciava-se ali a minha maior e última provação ao descobrir que o destino não pertence ao Homem, pertence a Deus. Passou a poucas centenas de quilômetros de mim um enorme asteroide a uma velocidade incrível, e aparentemente em direção a NOAH-15.
Rapidamente chamei os Engenheiros dos Sensores pelo rádio e pedi para me informarem a situação. Esperei um par de minutos e veio então constatação:
- Senhor, é um enorme Asteroide que estava escondido dos sensores pois veio por trás do planeta. Na rota que se encontra acertará NOAH-15 em sua secção central em menos de uma hora. Será um acidente catastrófico, terminal – gritava o engenheiro.
- Chame imediatamente Kain Okubã e coloque a nossa transmissão no sistema de som de toda a astronave. Enquanto isso, iniciem o protocolo de lockdown de NOAH-15. Quero todos em seus postos, a astronave totalmente lacrada e o processo de ligação dos motores iniciado imediatamente.
- Sr. Capitão, aqui é Kain. Em que posso ajudar?
- Já estamos no sistema de som de NOAH-15? - Após resposta afirmativa, continuei – Neste momento passo o cargo de Capitão para o Sr Kain Okubã, que será então encarregado de os conduzir até quase ao destino final. E a última ordem como Capitão no comando, mando que o protocolo de aceleração de NOAH-15 seja ligado imediatamente.
Sob protestos de todos, motivados pela emoção e não pela razão, exigi que Kain ligasse o protocolo imediatamente e assim o fez.
E vi de longe o jato branco de partículas ionizadas serem ejetadas dos motores após a primeira explosão. Sabia que teria pouco tempo para me despedir da minha família, sem o atraso cada vez maior da comunicação, mas precisava fazer meu último ato para ajudar toda a raça humana. Solicitei que comunicação voltasse só para a Ponte de Comando e passei a descrever o meu objetivo:
- Como sabem, este infeliz acidente aconteceu a cerca de um terço da viagem. Foi terrível, mas sempre podemos aproveitar as tragédias e delas tirar proveito. Como sabem, a lua deste planeta tem trilium suficiente para milhares de astronaves como a nossa. Com o gerador de energia que esta nave auxiliar tem à base de trilium, poderei usá-la como farol de localização para a Terra. Isso pouparia milhares de recursos das próximas astronaves. Vou pousar na lua do trilium e posicionar as antenas para a Terra e deixar um sinal fixo sendo enviando eternamente para localizar este ponto de abastecimento. Passem, por favor, para o Domo Terra a frequência e o sinal que enviarei, a cada cinco minutos.
- Enviarei o meu diário pessoal para os arquivos de NOAH-15 antes do meu ultimo sopro. Respeito todas as crenças que possam ter, ou até a total falta de alguma, mas me despeço de vocês com um Adeus.
- Minha amada Amikô, meus filhos Antônia e Rafael, nunca se esqueçam que vos amo mais que a mim mesmo e nunca pensaria em dar a minha vida por qualquer um de vós.
Nesse momento a minha doce e forte esposa desmorona em choro, induzindo situação idêntica em nossos filhos. Eu mesmo me controlei ao máximo pois cada segundo era importante demais e já podia ver o segundo rastro branco dos motores acelerando novamente NOAH-15.
- Bem sei que as noticias costumam chegar quase sempre antes do mensageiro e acredito então que já sabem o que o destino preparou para mim, ou melhor, para nós.
Quão forte um homem pode ser neste momento? Descobri que não é tão forte quanto eu imaginava mas, posta a realidade à frente, muito mais forte do que eu deveria ser.
- A minha vida foi linda. Deus me presenteou com os três maiores amores que alguém pode sonhar: amo Deus, amo minha esposa e amo meus filhos. Ele também me proporcionou a chance de salvar uma vida que seria ceifada pela estupidez humana, vida essa que agora é a encarregada por comandar a astronave. Quantas decisões pude tomar para ajudar o ser humano a conquistar o espaço profundo, tendo sempre como porto seguro às minhas mais duras decisões os teus conselhos, minha adorada Amikô. E tive o prazer fantástico de, justo contigo, criar os nossos filhos da forma que tanto desejamos e todos os dias de minha vida com eles foram indescritíveis. Hoje olhamos para eles e vemos dois adultos formados, inteligentes e cultos, educação moral quase perfeita e, em breve, pais de seus próprios filhos.
Fiz uma pausa para respirar fundo pois a minha voz trêmula começava a denunciar meus mais profundos desejos. Enquanto me recuperava, deixei que falassem. Amikô, com uma evidente força movida por sua fé profunda, proferiu as ultimas palavras a mim, palavras essas que eu repetiria até o meu ultimo suspiro de vida.
- Obrigada, meu amado. Obrigada por existir e deixar comigo o nosso legado, que falarão do Herói que tu és como pai e repetirão suas estórias nossos netos e descendentes. Fica com Deus.
Nossos filhos não conseguiram falar nada exceto chorar e falar algo como “nós te amamos” mas, enquanto se manifestavam, passei para o arquivo pessoal da Amikô várias informações importantes, criptografadas com uma senha que só eu e ela sabíamos.
E finalmente finalizei a minha fala com eles, enviando um arquivo criptografado para o espaço de dados de Amikô e falando a minha última e singela frase:
- Assim Deus quis, assim será. Adeus.
Glossário
(1) Planetas que se desgarraram da atração gravitacional de uma estrela e, em alguns casos, da própria galáxia.