A Saga de Godofredo Parte II – Cavalos
03.06.23
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Os fugitivos seguiam rumo à Estrasburgo. Estavam a oitenta quilômetros de Paris e tinham pela frente mais quatrocentos quilômetros. Era o primeiro dia, ou noite de viagem, pois por precaução, cavalgavam do anoitecer ao alvorecer. Iam vestidos como “sans-cullotes” para não serem descobertos, mas os seus belos animais denunciavam sua origem nobiliárquica. Um risco!
O dia amanheceu e esconderam-se em uma mata ciliar ao longo de um riacho com águas cristalinas e longe da estrada. Uma densa névoa cobria toda a floresta. Os cavalos pastavam por entre pinheiros e ciprestes que bordejavam o veio d’água. Um local bucólico.
Juliette e sua mãe se deitaram, apoiando suas cabeças nas celas, para dormirem um pouco. O barão, preocupado com a pouca distância percorrida, comentou com Esprit, ou Cons.:
-Estamos ainda muito perto de Paris. Precisamos viajar com mais velocidade. Nesta toada, demoraremos mais de cinco dias de viagem até Estrasburgo. É muito tempo!
-Barão, estamos com duas mulheres que não cavalgam com frequência, e se partirmos para o galope, e durante todas as noites, o desgaste físico será muito grande para elas e para os animais. Precisamos preserva-los.
-Entendo!
-Descanse! O próximo trecho, como você sabe, tem poucas florestas e teremos que cavalgar margeando a estrada, aumentado nosso risco de sermos descobertos. Vou ficar de sentinela – completou Cons.
Passaram-se poucas horas e Cons. escutou conversas perto do acampamento. Foi até a borda do pinheiral ver o que acontecia. Dois homens “sans-cullotes” caminhavam em sua direção com varas de pescar e um cesto de vime. Estavam longe dele, mas o risco de serem descobertos era grande. Como não é um ser vivo, mas a consciência de Godofredo transfigurada em humano, instantaneamente transferiu o seu corpo até à família Montford e os acordou:
-Acordem rápido! Dois revolucionários estão vindo em nossa direção para pescar. Vamos!
Mãe e filha surpresas pelo acordar repentino de Cons. ficaram desorientadas e aterrorizadas. Cons. disse-lhes:
-Barão, vá caminhando com sua família pela mata, acompanhando o riacho e segurando os cavalos, o mais longe possível daqui. Procure um local com grande quantidade de vegetação para não serem vistos e me aguardem. Não se preocupem comigo, vou acompanhar os dois homens para definirmos o que faremos. Rápido!
O barão reuniu os cavalos, os mantimentos, sua mulher e filha e começaram a caminhar rio abaixo por dentro da mata, como disse Cons. Estavam apavorados, pois se descobertos, seriam guilhotinados sem perdão.
Cons. voltou ao local em que viu os pescadores. Estes caminhavam tranquilamente até a entrada da mata em direção ao rio. Ouvia-se o correr das águas e o farfalhar das folhas provocado pelo vento. Cons. se escondeu atrás de um grosso pinheiro e os dois homens passaram quase ao seu lado, conversando animadamente.
-Meu caro Richard, a nossa revolução está fervilhando na capital. A Bastilha foi tomada e demolindo-a. Uma grande vitória nossa. Agora, vamos derrubar o rei e a realeza.
-Sim Jules! Abaixo a nobreza. Serão todos decapitados. Vamos comemorar tomando vinho. Trouxe três garrafas.
Cons. voltou ao encontro do seu grupo, que caminhava silenciosamente pela mata fresca e úmida da manhã, com a névoa que se formou se dissipando pelo calor do sol, mas ainda protegendo-os.
-Então? – perguntou-lhe o barão. Sua mulher e filha tremiam talvez de medo e pavor de serem descobertas e guilhotinadas. Suas expressões eram de pânico.
-Vão pescar no rio e trouxeram uma cesta com comida. Devem passar o dia pescando. Vou ver em que local vão se instalar para ficarmos com uma distância segura deles.
-Certo! Estou achando que mais à frente teremos um bom lugar para nos escondermos – apontando um mato fechado que se divisava do local em que estavam.
-Vou voltar aos dois pescadores e retorno com nova posição da situação. Mantenham a calma. Vai dar tudo certo!
Os revolucionários caminhavam na mata. As folhas caídas no chão fazia um barulho característico a cada pisada. O vento continuava a balançar os galhos com mais folhas caindo, formando um tapete vegetal e exalando um cheiro delicioso. Cons. observava-os.
Chegaram à beira do riacho, sentaram e armaram suas varas de pesca e as fincaram no chão aguardando o beliscar dos peixes. Jules, que carregava a cesta, colocou-a no chão, abriu-a e retirou uma das garrafas de vinho tinto, um pão e um queijo. Começaram a beber e comer. Conversavam, brindavam, comiam e riam. Cons. acompanhava atento o que acontecia.
Em dado momento, Richard disse a Jules que iria defecar. Caminhou justamente até o local do acampamento de Cons., que o seguiu. Richard ao chegar viu os estrumes dos cavalos ainda frescos e chamou Jules:
-Jules, corre aqui, tem esterco de cavalo fresco aqui. Tem alguém escondido na mata.
Jules se juntou a Richard. Vendo o estrume equino, disse:
-Sim, com certeza deve ter alguém ou mais pessoas, pois há vários montes de fezes, olha ali – apontando para outros sobre as folhas secas no chão.
-Vamos fazer o seguinte: você volta à nossa vila e traz a milícia para capturarmos esses traidores, pois quem estaria com tantos cavalos escondidos no meio da mata a esta hora tão cedo da manhã? Eu vou seguir as pegadas dos cavalos para ver se estão longe – disse Richard a Jules.
-Certo! – confirmou Jules.
Cons. instantaneamente se transportou até o novo acampamento dos fugitivos. Ao vê-lo esbaforido e com os olhos arregalados, o barão perguntou:
-O que aconteceu?
-Fomos descobertos! Os estrumes dos cavalos nos denunciaram. Precisamos fugir imediatamente, pois virão com a milícia da vila aqui próxima para nos capturar.
-Esquecemo-nos deste detalhe dos animais. Benditos cavalos, podiam não defecar! – esbravejou o barão. Mãe e filha, abraçadas, tremiam de pavor.
-Eu tenho um plano – diz Cons.
Nota do Autor:
Obra ficcional e qualquer semelhança é mera coincidência.