Fora de linha
Empurrando um carrinho cheio de frascos coloridos, Dremonte entrou no quarto de Eugene Barrera e avistou o velho sentado em sua cadeira de rodas, na pequena sacada com vista para o parque interno da instituição. Com a cabeça pendendo do peito, Barrera parecia dormir.
- Sr. Barrera? - Inquiriu Dremonte.
O velho aprumou-se na cadeira, parecendo aturdido.
- Oi? Que horas são?
- Quase nove da manhã, senhor Barrera - prosseguiu Dremonte. - Trouxe seus remédios.
- Ah... sim, os remédios. Achei que era o café da manhã.
- O senhor já tomou seu desjejum, faz duas horas - recordou Dremont. - Ainda está com fome?
- Eu... não - replicou Barrera, parecendo agastado com a pergunta. - Não que a comida daqui tenha algum gosto.
Dremonte separou as pílulas do paciente num copinho de papel, e as entregou com outro copo, cheio de água.
- Temos que zelar pelo seu estômago, senhor Barrera. Nada de temperos fortes - observou. - Pronto, pode tomar os remédios.
Barrera engoliu as pílulas com ar resignado.
- Que dia é hoje? - Indagou, após devolver os copos vazios ao auxiliar de enfermagem.
- Terça-feira, senhor Barrera. Dia de visita!
O rosto enrugado de Barrera contraiu-se num sorriso.
- Que bom! Meu neto vem me ver... talvez traga chocolates.
- O senhor não pode comer chocolate, senhor Barrera - advertiu-o Dremonte. - A sua dieta...
- Ora, que se dane a dieta - atalhou Barrera. - Eu vou morrer a qualquer hora, que mal há num pouco de chocolate?
Dremonte não corrigiu o velho. A informação era correta, e a orientação que recebera era a de não contrariar o paciente.
- O seu neto vai vir, senhor Barrera. E a sua filha também - afirmou.
- Karen virá? - O velho agora parecia definitivamente animado.
- Sim, creio que posso afirmar que ela e o pequeno Edwin estarão aqui - prometeu.
- Talvez fiquem para almoçar comigo - ponderou Barrera.
- Talvez - redarguiu Dremonte, saindo do quarto empurrando o carrinho.
No corredor, deparou-se com outra auxiliar, Tilisha, que empurrava um carrinho igual.
- Muito trabalho hoje? - Indagou Dremonte.
- Perdemos a Nannie na madrugada - lamentou Tilisha. - Agora só restam seis deles em todo o planeta.
Dremonte fez um gesto de concordância.
- O velho Barrera vai ver a filha e o neto hoje. Talvez, pela última vez.
- Me pergunto o que faremos com esses velhos robôs de propósito único, que fazem o papel de familiares, quando o último dos pacientes se for - ponderou Tilisha.
- Creio que ficarão aqui, como num museu, para que todos se lembrem como era a civilização que nos precedeu - redarguiu Dremonte.
- E nós? - Indagou Tilisha com uma ponta de apreensão. - Ficaremos sem utilidade?
Dremonte deu de ombros.
- Sempre poderemos ser reprogramados para outra atividade, você sabe.
E seguiu seu caminho pelo corredor branco, empurrando o carrinho cheio de frascos coloridos.
- [08-05-2023]