Vida útil

Mason piscou os olhos duas vezes quando lhe perguntei se acreditava na morte.

- Naturalmente - afirmou em tom peremptório. - Tudo o que vive, morre.

- E se eu lhe dissesse que a morte é uma conspiração do governo? - Retruquei.

Mason semicerrou os olhos, parecendo realmente indignado com a ideia.

- Isso não faz nenhum sentido. Pessoas morrem todos os dias!

Apontei o indicador para ele e indaguei:

- Você já viu alguém morrer? Na sua frente?

Por um instante, Mason pareceu ficar embatucado.

- Na minha frente, não... mas conheço inúmeras pessoas que morreram. E basta ligar a TV para saber de outras tantas.

- Mas você não tem uma prova prática que refute a minha afirmação? - Inquiri.

Ele cruzou os braços.

- Estou começando a desconfiar que, daqui a pouco, você vai me dar uma arma e mandar que atire em você, para tentar provar que estou errado.

Ergui as mãos.

- Longe de mim. Pretendo ainda viver por muito tempo... e bem longe do governo.

- Se essa sua ideia fizesse algum sentido, para onde iriam as pessoas que não morreram? São mandadas para o exterior? Fazem cirurgia plástica e trocam de identidade?

Ergui os sobrolhos.

- Agora você chegou realmente perto da verdade. Elas são recicladas, suas memórias são apagadas. Em seguida, voltam ao mercado em outro lugar, para recomeçar seu ciclo de vida. No caso de já estarem irremediavelmente obsoletas, suas peças são desmontadas e reaproveitadas em novos modelos.

- Isso para mim, soa como morte - ponderou Mason.

- Nada morre realmente, apenas é reciclado - redargui. - Como aliás, acontece com tudo neste universo desde que a primeira supernova explodiu.

- Vou guardar suas palavras para quando minha hora chegar - prometeu Mason.

E no fim daquele dia, quando um furgão do Serviço de Manutenção parou em frente ao portão de casa, Mason entendeu que sua hora já havia chegado. Ao abrir, deparou-se com dois técnicos vestindo macacões pretos.

- Término de serviço - leu o motorista numa prancheta que carregava. - Esse modelo ficou operacional por mais de trezentos anos.

- Então, isso é a morte? - Indagou Mason.

- É o mais perto dela que vai chegar - disse o outro. - Queira nos acompanhar.

E Mason os acompanhou, sabendo que, de alguma forma continuaria, embora não mais como ele mesmo. Até esse pequeno conforto era negado aos humanos com quem havia partilhado a vida nos últimos séculos; para estes, a morte era realmente definitiva.

E, certamente, não uma conspiração do governo.

- [17-04-2023]