A Saga de Godofredo Parte II – Algoritmo
09.04.23
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O pequeno homem sisudo e de olhar firme adentrou pelo átrio da casa. Guillaume fez uma mesura estendendo o braço esquerdo.
Godofredo, estático, olhando para a lendária figura do revolucionário francês enquanto este caminhava para o aposento em que estavam, falou mentalmente com Cons.:
-Este sanguinário aqui! Mandou para a guilhotina o rei Luís XVI, Maria Antonieta, Danton , muitos outros amigos, nobres, burgueses, contrarrevolucionários e inocentes na época do “Terror” que ele instituiu. Como faremos para que não descubra que estamos a procura da família nobre da minha mãe?
-Calma, deixe-me conduzir a conversa. Fique tranquilo! É o início da revolução e ele ainda não se transformou em tirano. Foi eleito deputado da Assembleia Constituinte em abril de 1789 e mantem-se ferrenho às convicções iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade.
Robespierre entrou no salão, na qual a lareira crepitava, observando espantado cada rico detalhe da casa. Cumprimentou cortesmente Juliette beijando-lhe a mão. Ela também ficou atônita com a ilustre visita. Sobre a mesa, restava uma garrafa de vinho. Ele pediu a ela que servisse vinho a todos para um brinde, o que fez. Com o copo levantado, disse-lhes:
-Parabéns pela façanha, “mês amis”! Fomos informados hoje, na Assembleia, de seus feitos na tomada e derrubada da Bastilha e quis vir pessoalmente dar-lhes vivas. Que a chama da revolução não se apague e a República seja implantada em nosso país: “Vive la Revolution!” – gritou, sendo respondido da mesma forma pelos demais.
Após o brinde, o constituinte sentou-se na poltrona em frente ao sofá em que estavam os três homens. Juliette, de pé, acompanhava a conversa.
-Bem, gostaria que falassem sobre vocês, para conhecê-los melhor e incorporá-los ao comando das nossas “milícias revolucionárias”. Foram de uma audácia e coragem espetaculares. Fazem parte da história da humanidade a partir de agora – disse-lhes, mirando-os de forma marota e firme com o seu olhar duro de pedra.
Godofredo olhou inquisitivo para Cons.. Guillaume tomou a iniciativa, começou a falar deixando-os apreensivos com o que responderia:
-Bem, não somos da capital e sim do interior, de Estrasburgo, eu, minha irmã e nossos dois amigos aqui. Viemos juntos para cá por causa da fome. Achamos que a situação como está não poderá continuar. É a questão dos impostos que pagamos, pois a nobreza e o clero que com nada contribuem, tudo usufruem. É uma injustiça e o estopim da revolução.
Robespierre assentiu firmemente com a cabeça e inquiridor prosseguiu. Manteve seu perturbador olhar de águia perguntando a Guillaume:
-Mas, e esta casa maravilhosa?
-Estava abandonada. Vagamos por muitos dias pela cidade e arredores, dormimos várias noites ao relento, roubamos e brigamos por pão nas ruas com os outros famintos. Então, achamos essa casa e a invadimos. Pela situação em que a encontramos, os donos saíram há poucos dias, ou semanas – respondeu Guillaume assertivo, não demostrando fraqueza ou tremor na sua voz.
- Sim, perfeito! E faz quantos dias que eles se foram, tem ideia? – completou Robespierre interessado.
-Pelo menos há duas semanas, é o tempo que estamos aqui. Por quê? – questionou Guillaume.
-Porque sei de quem é esta residência. Fiquei interessado e curioso em conhecer as pessoas que, coincidentemente, invadiram a Bastilha, mas ocupam uma casa como esta.
Juliette, com sua intuição feminina, antecipou-se e perguntou se queriam mais vinho, interrompendo a conversa que caminhava para uma situação perigosa. Godofredo e Cons. acompanhavam preocupadíssimos o desenrolar do questionamento de Robespierre. Este respondeu:
-Ah, sim, por favor. Aliás, quais são os seus nomes, já que não se apresentaram – falou aceitando a oferta de Juliette. Ela voltou com copos com vinho. Guillaume, que respondia pelo grupo, disse:
-Eu sou Guillaume, minha irmã Juliette, meus amigos Geoffrey e Esprit – cada qual assentia a Robespierre ao ser nomeado.
-Muito prazer, queridos heróis da revolução, brindemos novamente! – fala empunhando alto o seu copo com o líquido rubi. Os demais alçaram os seus, brindaram e beberam. Robespierre, olhando para o vinho brilhante e apreciando-o com prazer, complementou:
-Maravilhoso este vinho! Vê-se que é de alta qualidade e valor, que poucos podem ter. Aliás, respondendo de qual família é esta propriedade, é do Barão Krumin-Lep.
Godofredo teve um tremor em todo o seu corpo. O dono da casa era o seu ancestral. Cons., vendo a aflição transfigurada na face de Godofredo, levantou-se e ficou na frente dele, evitando assim que Robespierre percebesse as mudanças em suas feições. Então, perguntou a Robespierre:
-Como sabe que é a casa dessa família, Monsieur Robespierre?
-Porque Danton me confirmou quando vim pra cá. Ele frequentou muito aqui e conhecia bem o Barão. Eu não o conhecia, mas sabia ser ele o proprietário, por isso a minha questão - respondeu bebendo o resto do vinho do seu copo.
Os aparelhos de monitoramento de Godofredo na UTI voltaram a se alterar, provocando alvoroço na unidade.
Janice, sua mulher, espantada com o entre e sai dos médicos, acordou na cadeira do lado do leito do marido. Esse era o quinto estertor ocorrido nos últimos três dias após o acidente de moto que ele sofrera e que o colocara em coma induzido.
O espasmo durou alguns minutos, um pouco mais longo que os anteriores. Janice, querendo entender o que ocorria, perguntou ao médico neurologista, se não era uma forma de ele se comunicar, pois Godofredo era muito resistente a ficar sem o controle do seu corpo, como estava agora.
-Janice, tudo é possível. Tem muita coisa que acontece na medicina sem razão ou coerência. O corpo humano ainda é uma incógnita, mesmo no século 21. Pode ser, mas como poderemos desvendar essa situação? Precisaríamos analisar e compilar todos os dados que temos do estado dele e montar um algoritmo muito complexo. Mas, acho muito difícil e custoso. O hospital não arcará com essa empreitada – responde o médico.
-Dr., temos hoje a inteligência artificial avançadíssima que poderia nos ajudar a montar esse algoritmo. Coincidentemente trabalho nessa área e vou ver se consigo um bom programador de TI que queira desenvolver esse programa comigo. Não custa tentar.
Janice pegou o celular e imediatamente começou a ligar para as pessoas para falar do seu projeto. Estava excitada e esperançosa, pois poderia de alguma forma contatar e saber como estava o seu amado.
-Vai dar certo meu amor! – pensava convicta.
Nota do Autor:
Obra ficcional e qualquer semelhança é mera coincidência.