Homem - Cobra (Parte 4)
Antes de entrar na estrada de asfalto com o carro, Roger procurou no veículo algo com que pudesse esconder seu rosto, que agora tinha muita vergonha de expor. Achou no banco de trás um boné do time de futebol Atlético, que colocou mesmo não gostando de futebol, e ao abrir o porta-luvas encontrou um óculos escuro, que colocou no rosto mesmo já sendo noite.
O carro de Geraldo era um carro do ano, e respondia muito bem aos comandos de Roger, mas ele sabia que não podia ficar circulando no carro daquele cientista maluco. Ele sabia muito bem onde deixara seu carro quando entrou na mata para caçar, mas não encontrou as chaves dele ao pegar suas roupas naquela casinha de dois cômodos onde fora mantido como cobaia para o experimento macabro. Tinha que ir até seu apartamento para pegar as chaves reservas de seu veículo.
Ao chegar à rua de seu apartamento, antes de sair do carro, observou se não tinha nenhuma movimentação na porta. Como não tinha ninguém por ali, saiu do carro de Geraldo, atravessou a rua, entrou no pequeno saguão a passos rápidos e não foi notado pelo porteiro que estava bem entretido assistindo televisão.
Roger subiu pelas escadas e ao chegar à porta de seu apartamento, pegou a chave que deixou de baixo do tapete que ficava em frente à entrada.
Entrando lá, foi logo até o espelho do banheiro, tirou o boné e os óculos e ficou novamente atormentado com a imagem de sua face. Pupilas em formato de fendas, cabeça sem cabelos, escamas que cresciam pelo corpo, dentes caninos maiores que o normal. Ficava pensando então se existia alguma forma de reverter aquela situação. Foi então que notou em como fora tolo ao matar Geraldo Ambrósio, que talvez fosse o único homem a torná-lo normal novamente.
Deixou o banheiro e foi até o quarto pegar acessórios que escondessem ainda mais sua imagem, que achava horripilante. Abriu o guarda-roupas para olhar o que tinha ali. Colocou uma blusa preta de mangas compridas para não expor os braços onde já nasciam algumas escamas. Pegou um chapéu preto que colocou no lugar do boné do Atlético. Aproveitou que o mundo estava em pandemia e colocou uma máscara de pano também preta que escondeu seu nariz e sua boca e colocou novamente os óculos escuros. Pôs nas mãos luvas que tinham a mesma cor negra que o resto dos itens que vestira. Estava agora todo de preto, com exceção da calça, que era camuflada. Parecia um cavaleiro sombrio com aquelas roupas obscuras.
Ao pegar as chaves reservas do carro e o controle do portão da garagem do prédio desceu e agora no saguão foi notado pelo porteiro que o olhou dos pés à cabeça forçando assim com que Roger acenasse para ele com a mão direita.
Já era madrugada, no céu as estrelas e na estrada Roger Nascimento pilotando o carro de Geraldo.
Após três quartos de hora, Roger chegou ao local onde estava seu carro. Saiu do veículo de Geraldo, deixando ele ali com a chave na ignição, como prato cheio para qualquer ladrão que o encontrasse. Entrou agora em seu próprio carro, que embora fosse mais simples, o levava para qualquer lugar que quisesse. Deu a partida e foi então para a cidade, onde ficava o apartamento em que morava. Bem que ele queria ficar com o carro de Geraldo, mas alguém poderia reconhecer o modelo ou a placa.
Os dias se passaram e Roger Nascimento teve que mudar alguns hábitos.
Primeiro decidiu que não iria mais trabalhar de taxista nas ruas de Belo Horizonte, pois não queria que os passageiros vissem sua monstruosa aparência, e seria impossível tentar ocultar sua imagem, já que ninguém iria querer pegar um táxi com um motorista que esconde o rosto com chapéu, óculos e máscara. Resolveu usar um dinheiro que tinha guardado no banco para pagar o aluguel do apartamento e seus gastos do dia a dia.
Outra coisa inusitada passou a ser sua alimentação, já que agora não queria comer mais como uma pessoa comum, mas sim como uma cobra. Ia a lojas especializadas e comprava Hamsters dizendo que era criador de cobras e que precisava alimentar seus animais de estimação. Às vezes se alimentava de coelhos. Como as cobras, já não precisava se alimentar todos os dias da semana. Era essa a dieta que agradava Roger agora, era isso que lhe era saboroso. Os funcionários das lojas diziam que ele devia levar os animais para alimentar as “cobras” ,já mortos, para não despertar o instinto de predador das serpentes, mas Roger insistia em levá-los vivos porque gostava de matá-los antes de comer, vendo-os agonizando em suas presas. Aquilo despertava mais ainda seu apetite. Para os vendedores, dizia que antes de dar os animais às cobras, ele mesmo os mataria.
A coisa que mais incomodava Roger era ter que sair de casa para resolver algum problema como comprar seus alimentos ou ir a um super mercado, pois tinha que esconder sua imagem com chapéu, óculos escuros, máscara, blusa comprida e luvas. As pessoas às vezes achavam estranho aquele homem cheio de acessórios, ficavam observando, mas ele achava melhor assim, antes ser taxado como louco que mostrar escamas e outras deformidades que o fazia parecer um réptil.
Como quase não saía mais de casa, Roger ficava sentado no sofá, assistindo televisão. A saudade de sair para trabalhar de taxista começou a deixá-lo deprimido, e assim ele se afogava no álcool. Ficava sentado no sofá, assistindo a programas banais na televisão e consumindo cerveja ou whisky.
Algumas vezes pegava o carro e ia para a mata onde costumava caçar antes de sofrer aquela mutação, mas agora não levava mais armas, gostava simplesmente de ficar andando pela selva, sentindo o ar puro, vendo serpentes que agora considerava como seres da mesma espécie que ele. Ali não tinham pessoas curiosas, ali podia andar sem esconder a face, ali se sentia mais em casa que naquele apartamento onde morava, no meio da cidade.
Foi num fatídico dia que aconteceu. Roger estava sentado no sofá, assistindo a um programa de televisão. O relógio na parede marcava 22h34, quando ele ouviu a campainha tocar.”Quem seria a essa hora?”, ele pensou. A princípio não quis atender à porta. Ficou entrevado no sofá, mas a campainha tocou uma segunda vez. Decidiu então atender ver quem era, mesmo sem querer. Correu para colocar seus apetrechos, blusa comprida, chapéu, óculos escuros, máscara preta e luvas. Enquanto se vestia a campainha soou mais uma vez. Ao abrir a porta viu três homens vestidos em trajes pretos e capuz escondendo suas faces, um segurava na mão direita uma pistola 9 milímetros, outro um fuzil e o terceiro estava mais atrás e usava uma camiseta sem mangas exibindo os braços cruzados muito musculosos e tatuados. Foi esse que disse:
— Enfim te encontramos, Roger Nascimento!
CONTINUA...