Jantar à luz de meteoro
O velho Ademir já estava no quintal, abrindo a primeira latinha, quando chamou Rosa, sua esposa, para ver o cometa que destruiria a Terra.
Rosa gritou lá de dentro da casa que já estava indo, só precisava achar os chinelos.
— Vem descalça mesmo, mulher. Vai se preocupar em sujar a casa justo hoje? — Ademir resmungou.
— Não é isso, são as formigas. Tá cheio de formigueiro aí, e até hoje você não jogou o veneno.
Ademir encarou o chão e logo sua vista se ajustou para as várias formigas, de tamanhos variados, andando para lá e para cá, alheias ao que acontecia no céu.
Finalmente, Rosa apareceu no quintal, vestindo um sapatinho chique que havia usado em pelo menos três casamentos, só naquela semana. Todo mundo queria casar logo.
Ela se sentou na mesinha branca de alumínio fundido, inquieta.
— Mas minha roupa não está combinando com o sapato — ela realmente se preocupava com essas coisas — vou trocar de roupa.
Seu Ademir fingiu que não ouviu, mas já sabia que assim que as roupas dele se contrastassem com as dela, ele teria que trocar.
E tinha razão. Ela já havia separado um terninho xadrez.
Agora estavam os dois idosos na mesinha, com cerveja e petiscos, iluminados por uma luz vermelha vinda do céu, mais bonita do que qualquer jogo de velas.
Rosa se levantou, dizendo:
— Não acredito que vamos ficar comendo essas tranqueiras vestidos tão bem, ainda mais hoje. Vou fazer uma janta. — Como seu Ademir não moveu nenhum músculo, ela precisou lembrá-lo — E você vem ajudar.
Ademir encarou a geladeira. Não havia muita coisa nas prateleiras. Não era seguro ir ao mercado, isso se houvesse sobrado algum.
Seu olhar se atentou para os vários embrulhos de bolo, bem-casados, brigadeiros, de cada uma das várias festas de casamento que foram naquele mês. Sua boca salivou de prazer, pelo menos sobremesa haveria de sobra.
No meio de tanto doce, encontrou alguns queijos finos, bons para um molho. Lembrou-se de que havia macarrão no armário. Teria que servir.
Rosa abria um dos vinhos.
Ademir colocou os pratos.
Rosa desligou a TV, olhando de relance para um homem de colete laranja da Defesa Civil, falando de abrigos, porões, subsolos e metrô. Para Rosa, aquilo já não importava. Colocou uma música.
A janta ficou realmente muito boa, apesar do improviso, saboreada devargazinho, no meio de taças e risos.
Ademir nunca chegou a comer a sobremesa estocada.