A Guerra de Chervar

Há muito tempo houve um planeta ao qual os seres humanos chamavam de Terra, pois foi sua primeira casa, o planeta onde surgiram. Onde fica a Terra já não sabemos mais, todos os registros se perderam com as eras, mas isto não importa, sabemos que ser humano nenhum vive naquele mundo. Todos as deixaram e se espalharam por todos os rincões da Galáxia.

No evento conhecido como Grande Êxodo a humanidade deixou seu berço, grandes grupos seguiram rumos diferentes da Via Láctea. Esses grupos eram divididos por suas origens na Terra, alguns unidos pela língua, outros pela religião, outros pela origem geográfica e outros pela origem étnica. Talvez pensassem que a única forma do ser humano conviver em paz com suas diferenças seria a divisão e separação.

Com o tempo esses grupos se afastaram mais e mais. Alguns colonizaram planetas, outros preferiram permanecer em colônias espaciais, grandes tambores giratórios seguindo o conceito dos cilindros de O’Neill, criando gravidade artificial pela força centrifuga ao girar em seu próprio eixo. Infelizmente a maior parte das empreitadas humanas fracassou. Muitos dos grupos nunca chegaram a algum planeta ou estabelecer colônias, outros chegaram a planetas instáveis demais, impossíveis de se estabelecer, falsos paraísos no céu e foram extintos por cataclismos naturais. Colônias espaciais inteiras enfrentaram colapsos ambientais e seus habitantes foram aniquilados pela doença, fome e convulsão social.

Outros prosperaram, sistemas estelares progrediram, mas os melhores sistemas eram também os mais disputados, por isso a guerra, que tanto mal fez aos homens na Terra, também chegou ao espaço. Grupos de exilados diferentes disputavam os mesmos planetas e estrelas com vigor jamais vistos, e por isso planetas inteiros viram suas sociedades regredirem a Idade da Pedra ou desaparecerem totalmente.

Outros grupos ainda não souberam encontrar o equilíbrio entre a tecnologia e a humanidade. Muitas das máquinas criadas para nos servir tomaram o controle de vários mundos, tornando a sociedade humana irrelevante. Assim os humanos foram expulsos de muitos mundos por suas próprias criações, isso quando não eram exterminados ou escravizados.

E muito dos grupos de humanos se separaram tanto no espaço que talvez nem fossem mais humanos, eram outra coisa. Transformados pela evolução ou pela manipulação genética, tão isolados na Galáxia que se um dia os encontrássemos de novo não saberíamos quem são.

E havia mais.

Não éramos a única espécie inteligente a vagar pela Galáxia. Com propósitos diversos muitos outras civilizações se expandiam, algumas enfrentavam os mesmos problemas que nós, outras se isolavam, outras declinavam e se extinguiam, algumas cooperavam umas com as outras e havia aquelas que entravam em conflito.

Meu nome é Samuel Chervar. Pertenço a uma das raras ramificações humanas que prosperou, responsável pela colonização de sete dezenas de sistemas estelares, vários planetas e várias colônias espaciais num total de mais de 100 bilhões de seres humanos que vivem de forma muito semelhante aos pais da Velha Terra, formando uma Confederação de Mundos sem paralelo na história humana. Sabemos do destino dos irmãos de outras partes da Galáxia, por isso juramos a nós mesmo sermos diferentes. Entretanto o destino que encontrou muitos deles agora vinha até nós...

Ano 4003 da Era Comum. Pensar que há menos de três anos padrão eu estava em casa, planeta Uriel, na verdade não um planeta, mas uma enorme Lua orbitando um gigante gasoso, mas que fornecia todas as condições necessárias para a vida humana. Naquele tempo comemorava o Milênio com minha família, a quinta geração Chervar a viver naquele mundo. Lembro da minha bela esposa, de minhas duas filhas de seis e nove anos, pulando e brincando, cheias de vida, mas para mim tão frágeis quanto quando as tirei da primeira vez dos tanques de gestação. Nunca esquecerei daquele momento, pois não houve outros iguais.

Na manhã seguinte a comemoração do Milênio Uriel recebeu informes do centro de comando da Confederação de Mundos Livres. Sistemas estelares inteiros deixaram de responder as transmissões ultra-luz. Naquela época eu já fazia partia da Frota de Vigilância e me mantinha alerta, então me despedi da minha família e fui ao espaço.

E do espaço eu vi: uma sombra, uma sombra que encobriu as estrelas e se atirou sobre Uriel, sobre o planeta gigante e sobre todos os demais mundos habitados daquele sistema solar, foi rápido, e depois que a sombra passou nada mais restou a não ser mundos desertos e em ruínas. Toda vida perecera.

Entretanto todas as naves, inclusive as estações espaciais, escaparam. Seja lá o que tenha sido visava somente os planetas, essa foi a razão de termos sido salvos.

Depois do luto, veio apenas a raiva. Eu e todos que sobreviveram juramos vingança pela memória de nossos entes. Mas para isso deveríamos saber quem ou o que havia nos atacado.

Havia diversas possibilidades: civilizações alienígenas, inteligências artificiais rebeladas, outros grupos humanos exilados. Não descansaríamos até encontra-los!

O ataque nunca mais se repetiu. Mas naquela época a Confederação perdeu um quarto de seus habitantes e se converteu no que era agora, de uma sociedade pacífica para uma sociedade bélica.

Minha tarefa: comandante de toda uma esquadra da Frota de Vigilância.

Minha missão: percorrer a Galáxia exterminando todos que não fossem humanos, humanos como nós, que aceitassem viver conforme nossas regras.

Alienígenas, orgânicos ou inorgânicos, naturais ou artificiais. Humanos, primitivos ou evoluídos. Todos eram inimigos.

Não sabemos o que nos atacou, mas até lá, todos eram culpados.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 18/02/2023
Código do texto: T7722563
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