NOAH-15 – Capítulo 1 – Destino Proxima b
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Leia antes o Prólogo no link
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Planeta Terra, no limiar do Século 22, no ano de 2111. o ser humano finalmente dominou os locais habitáveis do Sistema Solar. Em Marte já moram mais de 500 milhões de pessoas, em Ceres, em uma cidade no subsolo moram mais de 150 mil pessoas e, em situação similar, mais 30 mil em Ganimedes. A mineração de asteroides é uma realidade e naves cargueiras ululam por todo o sistema solar, carregadas de diversos minerais e, principalmente Deutério e Tritium. Esses dois últimos, isótopos estáveis de Hidrogênio, junto com a Energia de Fusão Nuclear, são a base da energia de todos os humanos hoje em dia, viabilizando as viagens planetárias.
A Lua foi transformada em um espaçoporto e em um grande laboratório científico, para tornar possível o próximo passo da humanidade. E é esse passo que passarei a narrar para vocês, a maior aventura do ser humano até hoje.
Aproveito para me apresentar: sou o Capitão Estelar Allan de Carvalho, 27 anos, qualificado em primeiro lugar na Escola Terrestre de Capitães Estelares no ano de 2109 e graduado em Psicologia Interestelar pela Escola Superior de Psicologia de Kiev. Minha missão será comandar a Astronave NOAH-15, pelos anos que me faltam de vida, se for completa pela média atual de 100 anos de um humano, a primeira missão de colonização humana fora do Sistema Solar.
Em 2067 o então recente Comando Estelar da Terra unida decidiu que os fundadores iriam promover a colonização da galáxia pelo Ser Humano e lançou o maior e mais caro projeto humano até então ousaram fazer, o projeto NOAH.
Projeto NOAH
A partir da Lua, criar ao longo das próximas 4 décadas um plano viável de colonização do planeta Proxima b, no Sistema Solar Proxima Centauro, o sistema solar mais próximo da terra, a uma distância de aproximadamente 4.24 Anos-luz da Terra – cerca de 40 trilhões de quilômetros.
O planeta Proxima b é um planeta rochoso, cerca 108% do tamanho terra e orbita a estrela Anã Vermelha Proxima Centauri em sua zona habitável, ou seja, na faixa em que a vida como a conhecemos pode ser viável (1).
Ao longo dos anos foram desenvolvidas e enviadas astronaves de apoio à astronave principal. Essas astronaves de apoio devem ser enviadas antes da astronave principal, comandadas automaticamente para prepararem a chegada da astronave principal, que levará toda um seleção genética viável de seres humanos para iniciar a colonização.
Astronaves NOAH
Assim, nos últimos 40 anos foi desenvolvida a tecnologia para permitir essa viagem, a maior viagem da história do ser humano. As astronaves NOAH-1 até à NOHA-9 foram usadas para testes e, heroicamente, se é que se pode atribuir heroísmo a um ser inanimado, pavimentaram a construção das NOAH-10 à NOAH-14, enviadas para preparar o primeiro assentamento humano fora dos limites da nossa estrela.
São máquinas gigantescas, cilíndricas, de 1,1 km de comprimento e 320m de circunferência. Dentro delas, ocupando 180m estava o motor atômico de fusão de trilium, responsável por levar cada astronave à incrível velocidade de 20% da velocidade da luz. Mais 200m da astronave eram reservados para os depósitos de trilium, que seriam quase totalmente exauridos até à chegada no destino. O outros 720m de nave eram usados para carregar toda a sorte de equipamentos necessários à construção inicial de mais um lar para a civilização humana.
E assim, a cada 4 anos, um desses colossos iniciou a sua jornada pelo espaço, uma jornada só de ida.
Astronave NOAH-15
NOAH-14 já havia partido há quase 10 anos quando finalmente a maior obra humana havia terminado de ser construída: NOAH-15.
Ao contrário das anteriores, esta NOAH iria carregar em seu ventre o que temos de mais precioso, a vida humana. O tamanho de NOAH-15, que carregará inicialmente 3000 almas mas, quando chegar ao seu destino, já embalará em suas entranhas cerca de 9000 almas.
Junto com os humanos que levará, existirá também uma miríade de animais e vegetais, que não só darão suporte alimentar à tripulação, como, já em seu destino final, ajudarão na segurança alimentar e na diversidade de fauna e flora no novo lar.
Este titã jamais conseguiria ser comparado em seu tamanho a qualquer mito descrito pelos antigos gregos. Até Atlas pareceria pequeno ante à estrutura gigantesca de NOAH-15, pairando no Ponto de Lagrange(2) mais próximo à lua. Até o famoso objeto estelar que gerou estórias no Século 21, o Oumuamua, com seus 400m de comprimento e 40m de circunferência média, seria uma pedrinha ante NOAH-15.
NOAH-15, uma astronave gigantesca, com 20km de comprimento e 1km de diâmetro, paredes laterais de 10m, o disco abaulado na dianteira com 40m de compostos de fibras de carbono e metais mais duros que titânio. Neste colosso, o motor atômico de trilium ocupava 1km e mais 3km para os depósitos de trilium comprimido. Outros 3km eram reservados para a água e mais 2km para suprimentos alimentícios secos e 1km de materiais de reparos. Todas as máquinas necessárias para reciclagem de água, ar e todos os outros materiais gerados pela vida ocupavam mais 1 km dessa massa gigantesca. Finalmente os outros aproximadamente 9km lineares e quase os mesmos 9km quadrados de espaço ocupável, serão usados para propiciar aos habitantes, inteligentes ou não, a habitação mais sustentável que a tecnologia pode prover, tornando mais palatáveis os 85 anos de duração da viagem.
A astronave era visivelmente em duas seções. A primeira seção, a partir do motor, ocupa 9km a a segunda seção ocupa os outros 11km da nave. A grande diferença entre elas é que a maior seção precisará ser habitável e, por isso, possuir atmosfera e gravidade. E, por causa da gravidade, essa seção rodará sob seu eixo, inicialmente, a 50 m/s e isso gerará uma gravidade similar à da Terra (3).
Os escolhidos
Como escolher uma tripulação para uma saga desta magnitude? Esse foi, talvez, o maior problema que a humanidade precisou resolver desde o lançamento da pedra fundamental do Projeto NOAH em 2067.
Representantes de centenas de milhares de interesses se apresentaram como sendo obrigatória a seleção de pelo menos um representante deles para que a diversidade cultural, credo, cor e diversos outros critérios subjetivos pudessem ser incluídos.
Centenas de reuniões foram feitas para determinar qual seria o estereotipo ideal para a viagem, aquele que pudesse colaborar de maneira decisiva para a viagem e para a prosperidade da raça humana. Depois de 20 anos, finalmente, foram decididos os parâmetros para a seleção dos que seriam enviados. Nessa época ainda não se sabiam quantos seriam os selecionados, mas todos os pré-selecionados precisavam seguir os rígidos parâmetros definidos.
Durante os anos que se seguiram, milhares de pessoas foram selecionados para criar a nova geração de humanos, que seriam treinados pelo Instituto NOAH, desde o dia do seu nascimento até o dia da partida de NOAH-15. Por serem poucos que realmente seriam os eleitos, os escolhidos precisavam ter quase superpoderes para poderem ser uteis durante a viagem e os seus descendentes terem as aptidões necessárias para criar uma nova civilização a partir do momento tecnológico atual em que a Terra se encontra.
O Instituto NOAH é uma cidade com mais de 30 mil habitantes diretos, entre eles os Primeiros – em referência a serem os que terão preferência no embarque, os segundos e o pai e a mãe de cada um, além de toda a equipe técnica, de manutenção e uma outra população de igual número que habitavam a cidade vizinha, que dava suporte à cidade Instituto.
Para minimizar as surpresas, a Cidade Instituto foi construída próxima à cidade Side Ben Yebaka, na Argélia, posição 35°51'27.8"N 0°24'33.1"W, onde as variações climáticas quase não existem durante o ano inteiro.
Como não é o objetivo deste registro, tais regras não serão detalhadas aqui. Mencionarei, sem detalhes, somente as duas principais: idade entre 24 e 28 anos e toda a população selecionada será igualmente dividida entre homens e mulheres, todos já casados uns com os outros e em condições físicas de reprodução, sempre conferidos no momento do embarque.
O dia da partida
O dia é 17 de Julho de 2111, o dia em que embarcamos em pelo menos 100 naves na Terra a caminho ao local onde a Astronave NOAH-15 está estacionada. Neste momento, toda a vida animal e vegetal que nos acompanhará pela nossa jornada já esta dentro da nave há quase um mês. Isso me remete a um pensamento estranho: como estaria o odor do ar dentro da NOAH-15? Claro que é retórica a pergunta pois conheço a enorme capacidade de filtragem e tratamento do ar dentro da NOAH-15, mas algo residual invariavelmente acabará sobrando. A vida tem cheiros, dejetos, calor, enfim, vida.
Dentro da pequena nave em que estava, com mais 29 oficiais da NOAH-15 e dois tripulantes da nave, conseguia sentir a ansiedade, o medo, todos os sonhos que tivemos desde o dia que nascemos, mesmo que nem lembremos desse momento. Eu, apesar dos meus parcos 27 anos, treinado desde a mais tenra idade para ser um Capitão de Astronave, e meus 3 pares que receberem o mesmo treinamento, conseguíamos esconder com maior maestria do resto esses sentimentos. Ser fraco ou parecer fraco, ainda que o efeito seja o mesmo, não era admissível nos nossos quadros e, nesse ponto, todos os 29 oficiais abaixo de mim que estavam na nave estavam muito bem treinados para isso. Eu sentia uma pequena fraqueza neles e foi essa característica ínfima que me fez ser o primeiro colocado da equipe de Oficiais.
Durante quase toda a viagem fomos submetidos aos últimos testes que poderiam ainda ser decisivos da nossa entrada ou não em NOAH-15. Testes físicos diversos, sangue, reflexos e outros foram feitos em todos os oficiais. Nenhum foi reprovado e todos estavam aptos a entrar nas entranhas de NOAH-15.
Das janelas da nave podíamos ver a imensidão da estrutura da NOAH-15, ainda iluminada pelas estruturas externas que permitiram a sua construção. E de tão imensa, a cada minuto que se passava a visão completa da Astronave ficava cada vez mais difícil. Nos aproximávamos das comportas laterais de entrada de NOAH-15, na seção fixa, sem rotação de geração de gravidade, onde ficavam as comportas de acesso às Astronave.
Atracamos de ré em uma comporta adaptada ao tamanho da pequena nave. Essa comporta era pressurizada porém, assim como a pequena nave, sem pressão gravitacional. Saímos flutuando da pequena nave, aos poucos, os 30 oficiais da NOAH-15. Ao final, a comporta se fechou e sentimos um leve zumbido de desacoplamento da pequena nave.
Em grupos de 6 pessoas, seguimos em pé sobre um pequeno veículo que fazia o trajeto entre a comporta de entrada de NOAH-15 até o centro do circulo que se formava pela estrutura desta maravilha humana, a cerca de 500 metros da comporta externa. Cinco viagens foram necessárias até que todos estivessem então em frente à comporta que daria acesso ao mundo novo para toda a vida de todos e de boa parte da vida de nossos filhos e netos.
Até aqui estávamos todos vitimas da falta de gravidade que o espaço nos impõe mas, a partira da próxima comporta, entraremos na última cidade que conheceremos em nossa vida. Aberta a comporta, como previ antes, o ar já permeado dos cheiros da vida invade então o lugar onde estamos. Subimos, novamente de seis em seis, em uma plataforma de descerá até ao solo da NOAH-15. Meus sentimentos de física e matemática, por mais que tenhamos treinado, estavam em completo conflito. Ao abrir a comportar e ver aquela maravilha de nove quilômetros, quase perdi a compostura que me é exigida por ser o Capitão, o oficial superior. Subi na plataforma de forma automática, e não por uma reação natural e prazerosa. Estava quase travado. Olhei para o outros tripulantes e relaxei um pouco pois vi em seus rostos a mesma perplexidade que eu ante a obra humana à nossa frente.
Ainda sem sentir a pressão atmosférica, e com meus neurônios trabalhando freneticamente, a adrenalina em meu corpo atingindo quase o limite de me fazer desmaiar, senti o elevador começar a se movimentar. A cada segundo que passava as minhas pernas sentiam mais e mais o peso do meu corpo, todos os meus músculos começaram a se sentir ativos novamente, largando para trás a preguiça da falta de pressão atmosférica. Não sei quanto tempo se passou atingirmos o solo, que por mais que meu cérebro se sentisse incoerente, era a parede externa da astronave. Estávamos, literalmente, sendo empurrados para fora da nave, rumo ao mortal espaço, e só uma enorme parede nos impedia de ser expulsos.
Já no solo da NOAH-15, na rua principal do então apelidado de Hemisfério Sul do nosso novo mundo, seguimos a pé até à casa de comando para que iniciássemos imediatamente os procedimentos de testes para o inicio da missão.
Já instalado em nossa casa de comando, deixo para falar mais sobre o nosso mundo após a nossa partida. Terei mais de 80 anos para fazer isso.
Centenas de naves pousavam nas quatro comportas externas largando, cada uma delas, mais trinta habitantes de nosso mundo, que em algumas horas terá então os três mil habitantes humanos já instalados em seu novo e último mundo, instalados em seus apartamentos, em prédios que não ultrapassavam os 5 andares, para que não houvesse uma diferença significativa de pressão atmosférica nos andares mais altos, nos quatro hemisférios em que se divide o nosso novo mundo hermético, nossa tumba interestelar.
Eu e minha esposa Amikô nos instalamos em um apartamento padrão perto da casa de controle e comando e ali viveremos até o final de nossa vida, nos amaremos e prosperaremos como humanos, conforme, no nosso caso, obra de algo divino que cultuamos em nossa intimidade, quem nos move em frente sempre.
Três dias se passaram até que tudo estivesse conferido, revisado e revisado e revisado. Três mil humanos, almas, como os vejo, prontos para a maior jornada do ser humano. Cada um sabia o que fazer, quando fazer e como fazer. As estruturas externas já haviam sido retiradas. Eramos agora um gigantesco pedaço de engenharia no espaço e, ao mesmo tempo, o menor grão que podemos imaginar antes a imensidão do Universo.
Adeus Terra
Autorizado o inicio da viagem.
Quatro foguetes temporários movidos a combustível sólido nos tirarão da inércia enquanto o nosso gigantesco motor atômico se para para aumentar a nossa velocidade até vinte por cento da velocidade da luz.
Dou o comando para que os quatro foguetes iniciem a queima do combustível. Um pequeno deslocamento inercial é sentido dentro de NOAH-15, mas nada suficiente que pudesse fazer alguém se machucar.
E NOAH-15 está em movimento. Por cinco minutos os foguetes queimaram todo o seu combustível e de desprenderam de NOAH-15.
Agora os sons baixo dos condensadores de um dos três motores atômicos de NOAH-15 aumentam e chegam a ficar desagradáveis e, depois dos sete minutos acumulando energia bruta, uma enorme explosão e ejeção de hidrogênio é feita pelo motor e, desta feita, ao som de várias sirenes, sabíamos que o deslocamento inercial seria bem maior, e por isso humanos e não humanos já estavam protegidos de tal ação, que se repetirá por várias vezes.
E, transmitido em todos os meios de comunicação visual de NOAH-15, vimos finalmente o nosso Planeta Terra se afastando.
Adeus Terra!!!
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Notas:
(1) Até este momento, JAN/2023, os dados apresentados refletem o conhecimento atual e estão disponíveis para consulta em várias publicações científicas. A partir desta marcação, todos os dados serão apenas obra de ficção, sem respaldo científico. Lembra-se que a ciência muda constantemente e tudo que está dito como ciência conhecida hoje poderá mudar completamente no futuro.
(2) Pontos de Lagrange: foram definidos pelo matemático italiano Joseph-Louis de Lagrange quando descobriu a existência de pontos especiais próximos de um sistema orbital de dois corpos massivos. Estes ocorrem porque as forças gravitacionais das massas cancelam a aceleração centrípeta e objetos colocados nesses locais tendem a ficarem totalmente parados.
(3) Esta informação é especulativa e ainda encontra-se em estudos de viabilidade pela NASA, SpaceX e outras.