O idiota no console
- Admitindo-se que há um número infinito de universos, - ponderou Jan 2 - num determinado momento qualquer, podemos supor que metade de todos os Jans que existem podem estar mortos. Mas é claro que este raciocínio em nada acrescenta para a solução do nosso problema. O que precisamos saber, é como chegaremos vivos ao fim desta aventura, preferencialmente em nossos respectivos universos de origem.
- Eu diria que você leva uma substancial vantagem sobre mim com esse seu guia rápido do gerador de deflexão assíncrono - redargui.
- Não sou egoísta; você pode vir comigo - sugeriu Jan 2. - Isto, se não estiver muito receoso de abandonar a sua Beta.
- Eu não estou com medo de deixar a Beta, - assegurei - ela sabe se virar muito bem sem mim. O que considero problemático é ter que abandonar a pouca segurança que tenho em troca de um livrinho de qualidade duvidosa, nas mãos de alguém que confessa que sequer o leu.
- Ainda não o li todo - retificou Jan 2, dedo em riste - mas posso lhe dar uma demonstração prática do que posso fazer apenas com o conhecimento das partes que conheço.
- Por exemplo? - Questionei, sobrolhos erguidos.
- Posso puxar um relatório da situação de todos os portais vinculados a este gerador - afirmou Jan 2.
Continuei de sobrolhos erguidos.
- Segundo a minha Beta, este gerador está travado do outro lado da passagem, portanto é improvável que vá conseguir um relatório muito extenso - redargui.
- Pois veremos - retrucou Jan 2, dirigindo-se ao gerador no meio da sala. Sentou-se diante do teclado do terminal de programação, teclas ostentando caracteres crípticos que mesmo com um dicionário ao lado eu teria problemas em identificar.
- Tem certeza de que sabe o que está fazendo? - Questionei, mãos nas cadeiras, enquanto ele folheava rapidamente as páginas impressas em papel jornal do guia de bolso.
- Calma, não vou fazer nada arriscado - prometeu ele.
Começou a catar milho no terminal, símbolos piscando na diminuta tela de cristal líquido acima do teclado, apenas duas linhas por 80 caracteres.
- Você consegue ler isso? - Inquiri, apontando para a tela.
- Aqui diz: "Digite os parâmetros de busca" - afirmou.
- Por favor, cuide de não cometer nenhum erro de digitação - implorei.
Ele ignorou minha observação e apertou a tecla "enviar". A tela de cristal líquido foi limpa, apenas o bloco escuro do cursor piscando na primeira coluna da linha superior. Após um tempo que me pareceu extremamente demorado, uma linha de caracteres preencheu a primeira linha; e depois, outra abaixo dela, o cursor agora piscando na última coluna.
- O cursor está aguardando que eu aperte "enviar" para mostrar as próximas duas linhas - declarou Jan 2.
- Isso me parece meio evidente; - repliquei - mas o que exatamente está escrito na primeira e na segunda linhas?
Jan 2 me pareceu subitamente atento ao que eu estava dizendo. Abriu o livro nas últimas páginas, onde havia tabelas de referências e começou a percorrê-las com o dedo, desviando o olhar para a tela do console para checar eventuais semelhanças.
- Você nunca havia feito isso antes, não é? - Indaguei, calmamente.
- Está tirando a minha concentração - retrucou, fechando a cara.
E depois, dando o braço a torcer:
- Preciso de uma caneta. Fica difícil procurar correlações nessa tabela sem uma cópia impressa.
- Não tem nenhuma aqui, - observei - mas vou dar uma olhada lá em cima, ver se consigo; e papel para anotações.
- Rápido, por favor - solicitou Jan 2. - Antes que elas voltem.
- [22-10-2022]