A caminho de Nenhures

- Seja sincero - me disse Jan 2 quando Beta 1 e 2 partiram em sua missão para reprogramar o gerador. - Não quer que aquelas duas voltem, não é mesmo?

- De onde você tirou essa ideia absurda? - Repliquei, estupefacto.

- Não sei quanto a você, - prosseguiu Jan 2 com ar amargurado - mas eu estou cansado da cara da minha Beta; sempre reclamando por alguma coisa que fiz ou que deveria ter feito. Maldita a hora em que aceitei o convite dela para encontrar a cidade perdida de Suvarna-Pata.

- Admito que à esta hora preferiria estar em casa diante da mesa do chá - redargui. - Mas a minha Beta nunca falou nada sobre estar em busca de cidades perdidas, apenas que ela precisava de ajuda para achar os pais... e que depois, me levaria de volta para casa.

Jan 2 me encarou com ar de pena.

- Se os pais da sua Beta forem iguais aos da minha, então deve saber que são xenoarqueólogos... e que a mãe dela é uma especialista em Suvarna-Pata, com vários livros publicados. Sim, a sua Beta deve mesmo estar procurando pelos pais... que não voltaram da cidade perdida, supondo-se que tenham chegado lá.

Cocei a cabeça.

- Então, essa coisa de pais desaparecidos era apenas para despertar o meu instinto cavalheiresco?

Jan 2 fechou a cara.

- Não! Os pais dela existem de verdade; mas talvez ela tenha achado melhor omitir a parte da cidade perdida. Afinal, se está perdida, que garantia você tem de que Beta está lhe conduzindo de volta para casa... e não seguindo outra pista que leve à Suvarna-Pata?

Eu não tinha bons argumentos para rebater àquela pergunta.

- Quem tem o navegador de pulso é ela, e não sei mexer naquela coisa nem domino as técnicas de imersão na quarta dimensão; acho que não seria muito prudente questioná-la.

- De fato, você tem razão neste ponto; parece que estamos integralmente nas mãos das Betas. A única diferença é que eu sei que a minha Beta não irá pensar em voltar para casa antes de descobrir o paradeiro dos pais.

- Se você sabia disso de antemão, porque ainda assim aceitou se meter nessa enrascada? - Questionei.

Jan 2 desviou o olhar, subitamente sem graça.

- Pode me chamar de idiota, mas achei que estava apaixonado por ela - declarou.

- Você é um idiota - repliquei prontamente. - Dito isto, não, eu não gostaria que nenhum mal acontecesse à minha Beta. Afinal, sem ela será impossível voltar para casa.

Jan 2 fez uma cara matreira.

- Mas talvez exista uma alternativa, meu caro. Veja isto.

Puxou um livrinho de bolso amarrotado de um bolso do casaco que vestia. Na capa, ilustrada com a foto de um gerador maior e mais reluzente do que aquele à frente do qual estávamos, um título em letras vermelhas apregoava: "Gerador de Deflexão Assíncrono para Idiotas: Guia Bilíngue Rápido".

- Isso aqui, - ele bateu com a mão no livrinho - é a chave para voltarmos para casa sem depender das Betas!

- Esse guia ensina como abrir um portal dimensional para o universo correto? - Questionei cético. - Ou apenas para o seu universo?

Foi a vez de Jan 2 coçar a cabeça.

- Bom, ainda não cheguei nessa parte. Só posso ler depois que a Beta dorme...

- E onde achou o livro? - Inquiri.

- Numa outra parada em busca da tal cidade perdida; você sabe, nós não somos os primeiros Jans e Betas que tentaram fazer esse percurso.

E para comprovar o que dizia, abriu a primeira página amarelada do livrinho. Ali, manuscrito em tinta azul, lia-se: "pertence a Jan Hristov".

- Poderia ser você - concluiu muito sério. - Ou eu.

Não poderia deixar de reconhecer a minha própria letra, o que trazia ainda uma outra indagação:

- Será que todos os outros Jans estão mortos? - Ponderei.

- [19-10-2022]