Conto Surpresa

Ela não tinha ideia do que a aguardava, mas resolveu que iria assim mesmo. Já estava tarde, já tinha perdido a noite toda esperando, não custava ir. Como esperado, Sebastian vem caminhando a seu encontro. Parecia saído de um daqueles filmes de detetives. Enfiado num sobretudo longo, que esvoaçava com o vento gélido da madrugada, com seu charuto de praxe. Ninguém sabia se era ele que fumava o charuto ou se era o contrário, e nem como ele ainda estava vivo. O pulmão com certeza era mais sujo que a chaminé da fábrica do Distrito 15, que afinal era pra onde estavam indo.

- Atrasado como sempre! porque ainda me surpreendo!?

-Pela minha perspectiva ainda estou no horário. Tive que resolver um probleminha antes de vir. E um daqueles bem incômodos.

-Alfred não viria junto?

- Vai se atrasar. Tá se livrando do corpo. Eu faço o trabalho sujo e ele cobre os rastros. Pra isso pago ele.

-Como você consegue ser tão frio!?

Sebastian dá de ombros. Sempre fora frio. Desde que se entendia por gente. Calados e absortos com seus próprios fantasmas, caminham em direção ao setor industrial de Kollus. Cidade esquecida por Deus, se é que existia um a essa altura. Depois de tudo que havia acontecido, era difícil manter algum grau de fé. Algo inominável, de revirar o estômago. Sabiam que Vorik era perverso, mas não imaginavam que chegasse a esse ponto.

-Sebastian! Sussurou Alice ao observar ao longe o brilho da lanterna dos homens de Vorik. O frio Sebastian rapidamente a puxa para um vão no muro por onde passavam. Precisam puxar todo o folego que conseguirem e angustiantemente aguardar que os soldados passem por eles. Para implementar seu plano hediondo Vorik escolheu a dedo seus exército. A dedo e a ciência. Não tinha um que não tenha sido revirado pelos “cientistas” do egomaníaco que agora reivindicava Akalya para si. Estes eram de um esquadrão específico. Eram os varredores da noite. Era terminantemente proibido circular após o toque de recolher. Se fosse pego!? Execução sumária, na hora. Sem choro e sem vela. Eram soldados com os sentidos hiper sensíveis. Podiam ouvir a respiração a metros de distância. Lutar com eles!? Fora de questão. Vestiam uma espécie de armadura, tipo aquelas daqueles carinhas do Star Wars. Todos achavam que Vorik tinha se inspirado na saga. Seria até cômico, se não fosse tão absurdamente trágico. O mais sensato a fazer era prender a respiração e torcer pra não desmaiar.

- Pooorra!! Que filhos da puta miseráveis! Vociferou Alice, arfando desesperadamente, até que os poucos a respiração fosse retomando o ritmo normal. Se é que era possível.

-Faltam só dois quarteirões Alice. Se recomponha logo e vamos dar o fora daqui. Eles sentiram nossa presença.

-Como assim!? Eu segurei o máximo que pude. Segurei até os pensamentos pra não fazer qualquer barulho.

-Esqueceu de um detalhe. O perfurme. Seu cheiro ativou os módulos sensoriais deles.

Rapidamente apressaram o passo pra longe dali. Iriam ter que fazer um ajuste na rota para tentar despistar os dois “soldadinhos de chumbo” que já estavam a caça deles. Por sorte, Sebastian, homem prevenido que era. E conhecendo Alice como conhecia. Sabia que ela suportaria ficar até três dias sem comer, mas não dois sem seus pós e suas essências. Enquanto Alice estava com a cabeça enterrada no peito de Sebastian, este aproveitou para tirar um lenço do bolso e passar em seu cabelo e pescoço. Depois, com muita tristeza deixou o lenço, cair ao chão. Isso distrairia os soldados por alguns minutos.

-Espere aqui. Vou avisar que chegamos e volto pra te buscar.

-Vê se não demora.

Sebastian some pelo corredor lateral que dava acesso à fábrica. Fazia uns 4° naquela madrugada. Alice inquieta, se contorcia tentando espantar o frio. Maldita hora que resolveu aceitar o convite pra aquela reunião. Não tinha a menor intenção de fazer parte de qualquer grupo de resistência. Só tinha aceitado por causa da insistência de Sebastian, e porque ela teria acesso a mais cupons e a rotas de contrabando que lhe seriam muito úteis. Alice tinha seus próprios negócios. Era uma mulher desenrolada, sabia muito bem como conseguir o que queria. Mas não queria se ver ligada a nenhum grupo em específico. Era perigoso e as pessoas nenhum pouco confiáveis. Mas lá estava ela. Congelando. Aguardando o sinal de Sebastian para adentrar a fábrica. Dois minutos depois, assoviando, ele a chama:

-Limpo! Pode vir.

Sem pestanejar ela atravessa a rua e desliza porta a dentro. E antes que pudesse se dar conta, algumas lanternas acendem e um punhado de vozes lhe gritam:

-Surpresa!!! Parabéns pra você nessa data querida, muitas felicidades....

Perplexa. Era como Alice se sentia. Ficou parada igual estátua enquanto tentava reconhecer os rostos que ali estavam presentes. Buscou na memória e se lembrou que de fato era seu aniversário. Mas não gostou nenhum pouco do que fizeram. Fechou a cara e deixou todos com cara de tacho. Ninguém se importava mais com datas, principalmente aniversários. Mas antes que saísse porta a fora, Sebastian a segurou e disse:

-Todos se arriscaram para estar aqui. Só queriam te mostrar boa vontade e te fazer sentir bem vinda ao grupo. Não faça pouco caso. Ouça o a proposta que eles têm pra fazer. Se ainda assim não te agradar, então vá embora.

-Eu fico. Mas você sabe o perigo a que nos expuseram. Foi uma enorme imprudência. Há homens do Vorik por toda parte. E há crianças aqui Sebastian. Crianças! Você sabe muito bem os experimentos horríveis que as aguardam.

Enquanto tinham essa breve discussão, toda a fábrica foi iluminada. Um enxame de soldados tomou conta do lugar. Os Insurgentes, como se chamavam, tentaram correr e fugir, mas era tarde demais. Alice, sentido-se traída, esgueirou-se em meio a confusão e correu em direção ao bueiro mais próximo que havia localizado. Já Sebastian, sem o menor remorso, já estava longe dali. Tinha um combinado e já havia cumprido sua parte. Sabia que havia falhado, Alice escaparia com vida, mas não era essa a versão que Vorik precisava saber. O que importa é que já havia recebido e que agora poderia desaparecer, até novamente ser incomodado por algum palhaço disposto a pagar caro por seus serviços malfeitos e sujos.