O ABDUTOR DE ALIANÇAS 6/6

Capítulo 06 - Decisão

O corpo de Marta estava parcialmente enroscado por uma camada grossa da carne cinzenta. O ser maldito estava formando um casulo sobre a pele da vítima, um casulo horripilante que já tinha dominado as pernas, cintura, e um dos braços. Estava livre apenas o rosto assustado da moça e o outro braço que segurava a arma tremendo de ódio de quem sabe que perdeu.

O casulo se espalhava lentamente pela parte ainda não tomada. E o que aconteceria ao cobrir a face? Ela morreria sufocada?

A mulher ergueu seu rosto agora choroso, e encontrou seu parceiro de guerra em pé a sua frente. Lhe veio uma esperança, não sobre a própria vida, mas de não morrer sozinha. A heroína rangeu os dentes e jogou a arma com o resto de força que tinha. A perigosa doze caiu nos pés de Tomas.

— Atira Tomas! – Disse ofegante a prisioneira. Estava com dificuldade de respirar – Se não, nem um de nós sobrevive!

O ex-casado não fugiu da real situação, contabilizou a quantia de balas gastas e soube que sua pistola também estava zerada. Então pegou a arma da companheira, escorou o punho dela contra o peito e mirou o cano duplo na direção daquela aberração. Por cima dos canos, a roceira chorava, como uma despedida aliviada da vida. Despedida de missão cumprida. Ele correu os olhos envolta daquela carne que se espalhava no corpo de Marta e pelo chão. Buscava encontrar o ponto fraco. Por dentro da carne a nuance do órgão pulsante se revelou no pé da vitima, e foi subindo lenta e bizarramente até ficar na frente do coração da moça. Covardia.

Parte do casulo deu forma algo similar a uma cabeça cinzenta por trás do ombro da refém duas luzes douradas surgiram no meio da forma. O extra terrestre observava com sarcasmo o que acontecia.

Era hora de atirar, então fechou os olhos. Forçou a coragem vir, mas o que veio foi imagens. Sua ex-mulher entrando na nave e sumindo no espaço. Depois veio lhe memorias sobre Marta, a bazucada cortando o céu, o encontro com ela no túnel, os dois unindo forças pra enfrentar os destruidores de casamentos, e quando estava prestes a morrer nas mãos desses bichos, ela surgiu arriscando a própria vida para salva-lo com a doze, que agora, estava justamente nas suas mãos para matá-la.

Passou apenas um dia com a roceira e ela já significava mais que imaginara. Brilhos dos glóbulos foram percebidos de novo. Foi ai que teve uma ideia, ou melhor, repetir a mesma ideia já tida. Era hora de ver qual é. Tomas firmou a arma como decidido do que fazer. Os olhos dourados por trás da moça se ascenderam em alerta. Um vulto saiu do corpo da mulher saltando a passos dali. Marta caiu escorando as mãos no chão com o corpo livre. O Extra terrestre pousara sentindo falta do barulhão que arma fazia. O ex-casado não atirou, ele correu pra perto do pouso.

— Vocês são todos iguais – Disse o atirador.

Quando o alien foi dar conta do que havia acontecido, o espirro de fogo saiu do cano duplo a queima roupa. Sangue azul chacoalhou no ar, mas o coração milagrosamente continuou batendo no meio do festival e caiu no chão relvado. Tomas o viu e se adiantou pro tiro de misericórdia. Marta havia contado as balas, sabia que também tinha acabado, dessa vez estavam desarmados mesmo. Quando o tiro mascou, Tomas deu uma arrancada pra direção do órgão regenerador e Marta fez o mesmo. Dois pés diferentes pisaram ao mesmo tempo na carne pulsante, que explodiu respingando na bota e no sapato.

E finalmente o alivio. Dever cumprido. Vitória.

Acabou. Tomas, ferido, mas bem, e Marta viva. Não trocaram uma palavra por minutos absorvendo o que haviam feito. Ninguém havia feito isso antes. O impossível foi conquistado. Eram heróis de verdade!

Caminharam em direção a nave cintilante, o casal se olhou e sorriram um para o outro no meio dos globos dançantes. E ficaram por um tempo ali contemplando aquele monumento voador e a sensação proporcionada.

Mas só de fora, não conseguiram entrar pois não entendiam a forma que se entrava no veículo intergaláctico.

— Ótima a sensação né? — Tomas se virou pra Marta — pena que depois de conseguirem o que queriam iam te jogar de volta na terra toda confusa.

Ela anuiu com a cabeça e tocou os dedos no objeto voador.

— É bonita — disse Marta, deu duas batidinhas com a costa do indicador — Mas é só metal. Isso é movido a que tipo de energia?

— Com sofrimento dos casados — Respondeu Tomas com senso de humor. Ela riu.

— Bem, é melhor irmos embora, ficar perto disso deve viciar — gargalhou.

— Talvez aqui infeste dessas aberrações — respondeu Tomas — Não tenho mais medo deles, mas de um grupo deles ainda não sei o que dizer. E as armas no carro?

— Deixa lá, se tivermos que explicar nos tornaremos heróis. Os carros estão ferrados mesmo.

Tomas confirmou com sorriso de canto de boca, e fizeram a destemida caminhada a pé pela estrada, debaixo do céu estrelado, deixando a luz artificial da nave, cada vez mais distante.

O tempo passou, A aliança que Marta carregava no bolso em memória ao falecido encaixou brilhosa e perfeita no dedo e vida de Tomas. E o incidente causado pelo casal no túnel teve um belo impacto no mundo.

Magnatas de empresas automotoras movimentaram interesse pela tecnologia da nave achada próximo a montanha. Neurocientistas e físicos se esforçavam para desvendar o mistério da "radiação do bem". Investigadores tentavam remontar uma boa história de como aqueles aliens haviam sido abatidos. Marta e Tomas abdicaram do status de herói para fugir de entrevistas e interrogatórios da vida pública. Mas o jornal era esperto e enchia de matérias especulativas pra ganhar uma grana a custa do espaço deixado. Diversas vezes um vaidoso inventava uma história de que foi ele e como matou os perigosos aliens, mas como mentira tem perna curta, acabavam caindo em contradição, passando vergonha em mídia mundial e outro contador de história tentava preencher a vaga aberta. A única verdade nas versões eram os dois carros achados no núcleo da montanha, e claro, um deles recheado de arma de fogo. Tomas e Marta se divertiam lendo os noticiários juntos.

O tempo passou mais. As notícias foram perdendo a graça e a ameaça vinda de outro planeta cessou. Nenhum outro extraterrestre apareceu por aqui. Mas como o ser humano não tem limites, uma propaganda na TV chamou atenção do casal.

Um jovem moreno e forte conduzia um volante com várias mulheres em volta se divertindo com ele. Ele falava algumas frases de efeito, típico de homem de sucesso. E quando a câmera se afastava revelava que ele guiava um disco voador esportivo. No fim olhava pra tela e falava "Seja como eu, e abduza a gata que você quiser" e uma voz trovejante anunciava junto com a logo que surgia "Fordspace, a tecnologia vinda de outro mundo!"

E Tomas jurou que bem no final, viu os olhos dele ficarem dourados.

Fim!