Mão única

Eu e Beta subimos e descemos pelas escadas da fortificação, entramos e saímos de aposentos desertos, os quais pareciam desabitados há meses, pelo menos.

- A guarnição parece que simplesmente abandonou o lugar - ponderou ela, quando retornamos ao saguão principal. - E eu não sei se isso me deixa mais ou menos aliviada.

- Talvez a fortaleza tenha deixado de ser estratégica - sugeri.

- Se ela realmente funciona como uma janela, como acredito, isso não tem a menor lógica. E ainda há um lugar onde não fomos...

- Acho que não vou gostar de ouvir o que você vai dizer - repliquei.

- Lá mesmo - prosseguiu ela, impávida. - O subterrâneo.

Eu sabia que ela tinha razão e que não poderíamos deixar de dar uma olhada nas masmorras e porões da fortaleza, nem que fosse para assegurar que não escondiam alguma armadilha. Provavelmente teríamos que passar algum tempo ali até que uma passagem fosse aberta, e ninguém queria ser surpreendido durante o sono, por exemplo.

- A propósito, se tivermos que dormir aqui, vamos estabelecer turnos de guarda - decretou Beta, antes que começássemos a descer para o nível inferior.

- Eu estava pensando justamente nisso - redargui.

A eletricidade estava funcionando e ao menos não teríamos que fazer nossa exploração à luz de lanternas, mas Beta comentou que achava aquilo suspeito.

- Que fonte de alimentação estão usando num lugar como esse? Não me recordo de ter visto nenhum gerador, e mesmo que houvesse um, teríamos que ligá-lo em primeiro lugar.

- Talvez sejam baterias - sugeri.

- Que espécie de baterias? - Beta franziu a testa. - Não, precisamos mesmo dar uma olhada nesse subterrâneo!

E, devidamente protegidos por nossos campos de repulsão, descemos a escadaria larga que levava às profundezas da fortificação. Ali, mais uma sucessão de aposentos desertos e empoeirados, até que chegamos à uma sala onde um grande equipamento de aspecto industrial havia sido montado bem no meio dela, sobre uma base de concreto reforçado.

- Ah, eu devia ter imaginado! - Exclamou Beta, triunfante. - Um gerador de deflexão assíncrono!

- Isso é bom ou ruim? - Indaguei cautelosamente.

- O gerador fornece energia para a fortaleza, bem como permite abrir passagens interdimensionais - explicou ela. - Se isso estiver funcionando corretamente, não vamos nem precisar pernoitar aqui.

E começou a examinar os painéis e indicadores da máquina, identificados por símbolos que lembravam algo entre o chinês e o cuneiforme sumério. Finalmente, começou a ligar alguns interruptores e a apertar botões, enquanto acompanhava a movimentação nos mostradores. Sua expressão, até então confiante, foi mudando gradualmente para surpresa.

- Isso não era para estar ocorrendo... - murmurou.

- O que há de errado? - Indaguei.

- O gerador foi travado numa frequência fixa. Da forma como está, só permite a passagem num único sentido, daqui para algum lugar... e quem quer que esteja nesse "algum lugar", controla o fluxo.

- Quer dizer que podemos sair daqui... mas para um lugar ignorado? - Perguntei, sobrolhos erguidos.

- Deve ter sido o que ocorreu com a guarnição daqui - ponderou ela. - Talvez tenham deixado a passagem aberta apenas para uso de alguém que não conseguiu ir com o grupo principal.

- Deixaram alguém para trás e não voltaram para procurar? - Questionei incrédulo.

- Talvez não tenham tido uma oportunidade para retornar - redarguiu Beta. - Só vamos saber se formos até o outro lado da passagem.

- Qual é a outra opção? - Indaguei.

- Continuamos a procurar uma passagem para casa em outro lugar - admitiu ela.

Não era uma boa opção, ambos sabíamos. Portanto, só nos restava encarar o desconhecido e torcer para que o que quer que estivesse do outro lado, houvesse abandonado o posto há muito tempo...

- [04-10-2022]