Toda a realidade
- Se eu não tiver o bilhete, o que acontece comigo? - Indaguei para a passageira.
Ela franziu os lábios.
- Oh, provavelmente será desembarcado na próxima estação; a qual, a propósito, não está localizada numa área permanentemente habitada. Se você for parar lá, vai ter sérias dificuldades em sair sem ajuda externa.
Olhei para a floresta que deslizava pelos vidros do trem e comecei a imaginar razões para a tal estação não ficar numa área permanentemente habitada.
- Bom, imagino que eu possa alegar esquecimento e comprar um bilhete - ponderei, movendo a mão para um bolso do paletó que vestia e onde senti o volume de uma carteira.
- Você não pode comprar um bilhete para este trem estando a bordo dele - atalhou ela. - Eles foram vendidos unicamente na estação central, e para pessoas selecionadas.
Ergui os sobrolhos.
- De onde se depreende que eu sou uma das pessoas selecionadas.
- Se assim é, onde está o seu bilhete? - Insistiu ela.
Movi a mão para outro bolso do paletó. E sim, pude sentir que ali havia um pedaço de papel; trouxe-o para fora.
- Seria este, o bilhete? - Indaguei, exibindo-o.
Ela balançou afirmativamente a cabeça, compenetrada.
- Parece que você se safou por essa vez.
E me estendendo a mão:
- A propósito, eu sou Sîbel.
- Nedyar - apresentei-me, apertando a mão estendida.
- Como chegou até aqui, Nedyar? - Indagou Sîbel.
Eu não sabia se podia confiar nela, mas, afinal de contas, estava dentro de uma memória, não é mesmo? Que mal poderia me ocorrer? Rojo me puxaria de volta ao menor sinal de perigo, ponderei.
- Acredite se quiser, mas coleciono memórias originais, como esta. A vida como era, na superfície e ao ar livre, antes que tivéssemos que procurar abrigo em planetas errantes, distantes de sóis, onde nossa existência passasse desapercebida.
Sîbel esboçou um sorriso.
- Então, você acha que está vivendo a memória de alguém, interagindo com ela?
Fiz um gesto de cabeça.
- E o que mais poderia ser isso?
- Já parou para pensar que esta pode ser a realidade? - Inquiriu ela.
- [27-09-2022]