A experiência completa
Bênaw ouviu com atenção enquanto eu explicava o meu problema. Finalmente, respondeu com ar cansado:
- Essas memórias são difíceis de conseguir... hoje em dia, talvez só as encontre no mercado negro.
- Há alguma garantia de que não me vendam memórias falsas? - Questionei.
Bênaw encolheu os ombros.
- Não há garantias no mercado negro, você sabe, Nedyar. Mas eu conheço um fornecedor, Rojo Cîhan; nunca me enganou numa venda.
- Posso dizer que você me recomendou? - Inquiri.
- Vou fazer melhor, - declarou - ligo pra ele e digo que está indo lá.
"Lá" era na Cidade Baixa, descobri posteriormente; um lugar de vielas estreitas e prédios em mau estado de conservação. Quem circulava por ali, o fazia a negócios e procurava não se demorar. Mesmo o lazer da Cidade Baixa obedecia o ritmo dos compradores e vendedores do mercado negro; depois de uma certa hora, após o crepúsculo, a grande maioria das lojas e centros comerciais fechava as portas e estas só eram abertas na manhã seguinte. Pelas ruas desertas, circulavam apenas manadas de zibilxwar geneticamente modificados, que comiam o lixo orgânico e mantinham os caminhos razoavelmente limpos. Teoricamente, os zibilxwar não comiam criaturas vivas, mas ninguém se arriscava a topar com algum deles no escuro.
- Nedyar Huner? - Indagou Rojo Cîhan quando me apresentei a ele. - Sim, seu amigo Bênaw me disse que viria. Você está atrás de memórias, não é?
A última pergunta havia sido feita com um sorriso matreiro no rosto.
- Não quero implantes, - especifiquei - mas memórias originais.
Rojo balançou a cabeça afirmativamente, expressão compenetrada.
- Sim, sei ao que se refere. Esse tipo é difícil de conseguir, e caso eu encontre, vai te custar bem caro.
- Estou disposto a pagar um preço razoável - assegurei.
- Certo. Bom, talvez eu tenha algo que pode lhe interessar. Gostaria de experimentar o produto?
- Sim, naturalmente - assenti.
Rojo deixou a atendente no balcão da loja (que depois vim a saber que era sua filha mais velha, Ranye) e me conduziu até uma salinha nos fundos. Nela, havia uma grande cadeira estofada, do tipo usado para aplicação de massagens. O que a diferenciava dos modelos encontrados nas salas de espera do transporte subterrâneo, era uma coifa de eletrodos para colocar na cabeça.
- Ponha-se à vontade, enquanto ajusto o equipamento - solicitou ele.
Ajustei-me no assento e pus a coifa sobre a cabeça. Em seguida, Rojo me disse que fechasse os olhos e diminuiu a luz do ambiente. Enquanto estava neste estado relaxado, subitamente uma explosão de cores surgiu diante dos meus olhos fechados: a reprodução das memórias havia começado.
A partir daí, me vi dentro de um transporte que lembrava um trem subterrâneo, mas com a diferença de que trafegava pela superfície, à luz do sol, pelo meio do que parecia ser uma grande floresta. No assento diante de mim, estava uma mulher. Ela sorriu ao ver a minha expressão aturdida.
- Você pagou para estar aqui? - Indagou.
Franzi a testa, surpreso.
- Ainda não paguei nada - declarei em tom enfático. - Quero a experiência completa.
O rosto da mulher se contorceu num esgar.
- Quero ver dar essa desculpa quando o bilheteiro lhe pedir a passagem - advertiu, com seriedade fingida.
E só então percebi que Rojo já havia encontrado o que eu estava procurando.
- [26-09-2022]