Simplesmente Maria

Trecho extraído da obra "Os Manuscritos de Wankan" disponível em formato impresso, ebook e audiobook pelo link https://linktr.ee/marcelobaia

Enquanto relaxava desejando encontrar uma jaca para se alimentar, Leydam sentiu fome e vasculhou a mata nos arredores em busca de algo comestível. Nada. Caminhou mais um pouco e ouviu vozes. Cruzou um braço do riacho a nado e alcançou a outra margem, onde avistou um pequeno casebre de pescador.

Saiu do rio e só quando avistou uma donzela, que estava de costas, lavando louça no giral, por detrás da casa, é que se deu conta de que estava nu. Rapidamente apanhou um par de calças do varal e as vestiu o mais silenciosamente possível.

A calça era engraçada, não tinha zíper nem botão. Era um pouco larga e sem nenhuma abertura ou fenda, apenas uma tira de tecido revestida, presa de ambos os lados, nas laterais. A medida correta era obtida amarrando-se as tiras, como se faz com cadarços de tênis. Diferente. Gostei!

Sobre o umbral da porta dos fundos havia um chapéu de couro, que ele também tomou para complementar a vestimenta, já que não achou nenhuma camisa.

Também não achou calçado. Seguiu descalço, sem fazer barulho, pelo trieiro de chegada até a residência. Já era possível avistar alguns outros casebres aqui e ali.

Caminhou em direção ao aglomerado de casebres e barracos à frente sem ser visto por ninguém. Foi seguindo seu estômago que roncava. Um cheiro de comida delicioso se espalhava pelo ar. Era uma comunidade ribeirinha bem simples. A vila não possuía ruas, apenas pequenos trieiros que vinham daqui e dali. Não viu nenhum veículo.

As casas eram todas de madeira. A maioria dos telhados eram de palha. Tudo muito asseado e limpo, apesar do chão de terra batida. Não havia asfalto, nem calçadas, nem concreto. No centro do vilarejo havia uma enorme gameleira, que estava toda decorada com bandeirolas.

Algumas pessoas se aglomeravam na varanda de uma casa, onde um grande tacho repousava sobre o fogão a lenha. A madeira seca ardia e estalava naquele entardecer.

Enquanto algumas mulheres se ocupavam sem pressa nos preparativos para a festa, os homens, sentados em volta da árvore, se ocupavam conversando, e contando causos. As crianças brincavam com uma espécie de bola feita de algum tipo de fibra e pedaços de pau.

O ambiente parecia muito familiar e tranquilo, e Leydam não quis interromper aquela harmonia, muito menos atrapalhar a produção daquela refeição tão cheirosa. Talvez a aparição de um forasteiro acabasse estragando o clima da festividade, que preparavam eles com visível carinho. Preferiu se esconder ele na mata.

Ao cair da noite a casa principal estava iluminada apenas por lampiões, não havendo luz acessa em nenhum outro canto, senão a lua cheia no céu. Estando servida a janta, Leydam se aproximou silenciosamente enquanto todos estavam distraídos e se sentou ao canto, sozinho, com um prato de pato no tucupi nas mãos. Se sentou na quina da casa, na penumbra.

A casa possuía um alpendre de fora a fora, rodeando toda a casa. Na frente ficava o fogão a lenha e um armário com alguns utensílios e vasilhas. Ao fundo ficava um giral de madeira para preparo dos alimentos e lavagem das louças.

Ao fundo da casa a mata. Na varanda da frente algumas mesas onde o pessoal estava reunido, na lateral 2 ou 3 redes armadas para descanso.

O caldo de tucupi, produzido a partir da raiz de mandioca brava, era consistente e pegajoso aos lábios, que amorteciam em razão do efeito da erva, o jambu. O povaréu comia e conversava amigavelmente, sem elevar o tom de voz.

A meninada reunida em uma mesma mesa comia sem alvoroço e sem exigir disciplina. Aquela comunidade transmitia uma paz imensurável.

Ninguém parecia fazer caso de Leydam, que comia sentado na varanda lateral, com o prato nas mãos, escondido no canto da parede, só com a cabeça para frente para acompanhar a reunião dos ribeirinhos. A única que o notara foi a donzela que ele vira mais cedo lavando louça na beira do rio.

Ele a reconheceu em razão dos longos, lisos e negros cabelos, sem igual. Ela olhava fixamente para Leydam enquanto servia aos mais velhos e auxiliava as crianças. Para todos os demais, o visitante parecia invisível. Ele aproveitou para comer a iguaria em silêncio, usando todos os seus sentidos, exceto a visão, que ele manteve fixa em Maria durante toda a noite.

Acabada a janta tudo foi recolhido e armazenado, a louça lavada, enxugada e guardada. As moças cuidavam dos afazeres, orientadas pelas mulheres mais maduras. Os homens conversavam no alpendre. Terminado todo o serviço, as moças se juntaram à roda, mas Maria saiu pelo fundo e deu a volta na casa, sentando-se no fundo do alpendre, na penumbra, onde estava Leydam.

Os adultos estavam contando causos da região. Folclore, crendice e fatos científicos se misturavam nas convicções daquele povoado. Todos conversavam sem discordância. Parece que todos partilhavam da mesma crença. Quem nunca tinha passado por experiência sobrenatural ali, tinha ao menos 2 ou 3 parentes que poderiam afirmar “de pé junto” que já tivera a constatação.

Era tudo absolutamente real. O silêncio da mata, o brilho da Lua e os lampejos da lenha queimando davam um tom ainda mais sério na história toda.

De repente, quando um dos anciãos entrou no conto do boto cor-de-rosa Maria irrompeu o silêncio: – Aqui tem 2 ou 3 moças que engravidaram do boto, você acredita?

Leydam tinha os olhos fixos em Maria. Seus olhos eram negros como a noite. Seus longos cabelos lisos que repousavam em seu colo refletiam o brilho da Lua. Usava um vestido bege estampado de pequeninas flores vermelhas que ele não conseguiu identificar.

Aquela cabocla deveria ter pouco mais de 1,5m de altura. Nenhuma maquiagem, batom ou esmalte. A simplicidade realçava ainda mais sua beleza. Estendendo a mão fez gesto para Leydam se aproximar. Pensou em tocá-la, seu coração acelerou como nunca.

– Se você está tentando passar desapercebido como suponho – disse ela –, coloque sua cadeira por trás de mim, na curva do alpendre, minha sombra vai escondê-lo.

Ele a obedeceu sem dizer uma única palavra. Ao se aproximar sentiu o seu perfume. Seu peito ardia como nunca antes na vida. Parecia o trotar de um alazão. O coração parecia querer saltar pela boca. Receou que ouvissem as batidas de seu coração, que a ele parecia como tambores.

Maria parecia sentir o chão tremer e os vapores subirem das fendas. Ela gira levemente a cabeça e olha para ele de relance com um sorriso gentil no rosto. Um semblante angelical, quase mágico, como se tudo fosse um sonho.

Ele parece hipnotizado por ela. Ela parece corresponder seus anseios e aguarda sua iniciativa. Parece igualmente perigoso e prazeroso seguir adiante. Ele a abraça por trás e toca seus seios, roçando seu rosto no pescoço de Maria. Ele a sente arrepiar. Sua pele fica aveludada de repente.

Leydam se coloca como um mero observador dos eventos, como um cientista ao pé de um vulcão, aguardando seu orgasmo lançar seu sêmen das entrâncias da Terra.

Maria se vira e senta-se de frente para Leydam, em seu colo, e levanta o vestido. Os tremores aumentam, os vapores se tornam mais quentes, até que a erupção acontece. Confusão e caos!

Após expelir sua energia a montanha novamente se acalma, sossega, e a brisa fresca e suave que agora corre sopra para longe as cinzas da encosta da montanha. Ficaram ali abraçados, quietos, em silêncio, ouvindo o sussurrar do vento.

Os dois corações galopavam juntos, no mesmo compasso, completamente sincronizados. Por certo que o campo eletromagnético de ambos eram um só. Eles eram próton e nêutron, sentindo uma nuvem de elétrons girando em volta deles. Uma energia que não tem como explicar, apenas sentir.

A noite seguia quieta e amena. Um vento suave balançava levemente a copa das árvores. A temperatura era aconchegante. A rede muito confortável.

Estava chovendo na mata, uma chuva fina e constante, uma garoa. As horas se passando lentamente, o globo girando, o Sol aos poucos aparecendo, as trevas se dissipando vagarosamente, os animais se levantando da cama com bastante preguiça, o dia estava nostálgico.