Teletransporte - parte 12

Ele não se lembrava como chegara naquele quarto de hotel. Na verdade até poderia se lembrar de tudo se quisesse, mas não mais dava importância a esses registros. Não tinham mais importância para ele. Não se esforçava mais para recordar dos fatos, mas de uma forma ou outra os eventos mais importantes continuavam sendo registrados.

Lembrava de pessoas conduzindo-o ao quarto de hotel. Colegas de trabalho. Amigos. O conceito persistia em suas sinapses, apesar dele não mais ser capaz de capturar seu sentido. Deitaram ele na cama, fizeram várias perguntas. Como se sentia? Por que havia feito aquilo? Precisava falar com alguém? Ele não sentia nada. Não sentia necessidade de nada, muito menos de falar com alguém. Por que havia feito aquilo? Esta era a pergunta que menos fazia sentido para ele! Motivações para fazer algo? Não era mais capaz de entender o conceito. Apenas fazia as coisas, não sabia o por quê. Reflexo? Comportamento automático? Uma coisa levava a outra. Como dominós sendo derrubados. Apenas isso, sem maiores explicações a respeito das causas e efeitos.

Enfim perceberam que explicação alguma extrairiam dele. Pelo menos não por hora. E resolveram deixá-lo em paz, ao notarem que não mais representava perigo para si mesmo. Deixaram o gerente do hotel de sobreaviso, caso ele apresentasse algum comportamento irregular. Mas enfim deixaram-no em paz.

E era só isto mesmo o que ele queria. Quer dizer, se é que podemos considerar isto um querer. Seu cérebro só queria ficar em paz, parar de receber estímulos externos. E por hora ele havia conseguido isso. Um momento que parecia ser uma eternidade...

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Rice Dlöv'Kraft, o mestre sombrio da face vazada, apoiava o queixo em suas mãos. Suas unhas compridas e afiadas arranhavam sua face nos dois lados do rosto agora, uma mania terrível que já o mutilava e feria há séculos e lhe rendia o terrível título, perfeitamente condizente com seu aspecto. Sentava-se sobre o trono de ossos e carnes putrefatas, observando com olhar vago o informante que se aproximava dele reverente. Um cascão vazio, um corpo material sem alma, algo que ele tentava gerar há muito tempo, e aparecia ali diante dele do nada, pedindo para ser tomado! Normalmente ele tentava barganhar com almas vivas, lhes oferecia agrados, prometia-lhes poderes em troca delas baixarem suas guarda a fim de lhe entregar seus corpos ao menos temporariamente para seus propósitos espúrios. E eis que surge a oportunidade de não mais precisar fazer isto!!! Não precisaria barganhar com a alma de um corpo que não possuía alma! Bastava se aproximar e tomá-lo, sem resistência!

Por um instante parou de arranhar sua própria face, seu eterno auto-flagelo, que deixava os lados de sua face em carne via. Ou seus equivalentes etéreos... Ergueu-se do ossuário sobre o qual se sentava e bradou resoluto:

— Me levem até este cascão, este corpo vazio!!

Em poucas horas o encontrou no hotel londrino onde estava hospedado. Servos fiéis acompanhavam seus passos, depois do mestre demonstrar interesse. O cascão vazio dormia, mas sem dormir realmente. Não sonhava. Não havia nada com o que sonhar, pois não desejava nada, uma das maiores motivações dos sonhos humanos. Apenas tentava se desconectar de estímulos externos que desfaziam a paz interna que tentava atingir em seu sistema nervoso, da necessidade de responder a estes estímulos.

— O álcool já foi metabolizado, vai ser um pouco mais difícil... — se queixava o mestre sombrio da face vazada, ao se aproximar de seu desejado receptáculo carnal.

Com sono leve, que nem mesmo podia ser considerado realmente sono, Richard despertou sentindo um aperto inexplicável sobre o peito. Parecia como algo que saltasse sobre ele ou... não, absurdo... algo que tentava "entrar" nele. Tentou esquecer, e voltar à paz parcial que havia conseguido atingir minutos atrás, se concentrando em absolutamente nada...

— Esse aí parece bem resistente, mesmo vazio! Não vamos conseguir nada com ele sóbrio...

Sai do quarto de hotel com as quatro sombras abjetas que o acompanhavam naquela empreitada, planejando o próximo passo...

** continua **