A historia de Bert Von Drigen
Naquela manhã Bert Von Drigen acordou cedo como sempre, colocou seu casaco e pisou descalço no chão frio, um arrepio lhe percorreu a espinha antes que ele pudesse calçar desajeitadamente suas sandálias e caminhar até a janela onde viu um amanhecer escuro e chuvoso, caminhou até a porta e saiu do quarto perfazendo seu percurso costumeiro até o porão da casa.
Enquanto caminhava pelos corredores escuros, ele se lembrava de como a casa costumava ser movimentada, bem iluminada e cheia de vida. Muito diferente do que ele via agora. A poeira se acumulava sobre os móveis e o chão rangia sob seus pés. Conforme se aproximava do laboratório, ia conversando consigo mesmo.
- Se ao menos eu pudesse voltar atrás. Não, se eu voltasse ainda escolheria o mesmo caminho.
O som de trovões e os lampejos de raios mostravam que a chuva havia ganhado maior intensidade, Bert apenas ignorou e continuou seu caminho para o porão. Ele colocou o lampião sobre uma escrivaninha repleta de escritos intrincados e complexos sobre alquimia. A alquimia havia se tornado a paixão de Von Drigen nos últimos anos, e ele havia a perseguido como um fanático.
A principal premissa sob a qual a alquimia funciona é de que a matéria é apenas uma ilusão e que todas as coisas são feitas de energia. Com base no estudo dessa antiga ciência, Bert se debruçou por muitos anos tentando sem sucesso derivar a estrutura da Pedra dos Sábios, uma substância mítica capaz de transmutar qualquer metal em ouro e supostamente trazer a imortalidade àquele que for portador dessa misteriosa pedra.
Muitas experiências já haviam sido realizadas por famosos alquimistas no passado, porém, a conclusão havia sido de que ela era apenas um devaneio, uma metáfora, e sua existência e produção passou a ser tratada como mito.
No entanto, muitos alquimistas como Drigen mantiveram suas crenças e continuaram a buscar a fabricação da pedra filosofal. Bert construiu no porão de sua casa um pequeno laboratório alquímico ao qual dedicava inteiramente sua atenção. Ele nunca desistiu de tentar, mesmo após ser alertado pelos seus amigos e parentes que essa era uma busca inútil, ele abandonou pouco a pouco cada uma das pessoas próximas a ele.
- Tolos, se ao menos eu pudesse produzir uma pequena fração da pedra, eu mostraria a eles. Ah, Elaine você veria, você veria meu amor. Nós poderíamos... - dizia o alquimista tocando o vidro empoeirado de um retrato de sua agora ex-esposa. Os olhos marejados de Bert fazem com que sua mente viaje no tempo por breves instantes, lembrando do rosto de Elaine, os olhos castanhos de sua ex-esposa que ele tanto admirava, os cabelos negros caídos sobre os ombros, ele podia vê-la em sua tela mental como se estivesse diante dele, lembrou-se do dia de seu casamento, de como haviam sido felizes, e de como tudo havia mudado no dia em que Elaine deu à luz uma criança natimorta, o rosto agora molhado pelas lagrimas refletia a dor da visão de seu filho morto, sua vida havia desmoronado naquele momento, a partir dali ele se afundou na bebida como formula de escape da realidade, e em seguida lembrou de seus estudos quando jovem sobre a pedra dos sábios, numa busca desesperada de trazer seu filho de volta ele abandonou tudo: a riqueza das festas, o luxo da alta sociedade e ate mesmo o amor de Elaine.
Bert enxugou o rosto com as costas do braço, seu rosto vermelho ainda úmido pelas lágrimas, ele rangeu os dentes apagando da mente os fantasmas do passado e esbravejou.
- Não importa mais, desta vez vou conseguir!
O alquimista acendeu as chamas dos frascos, dando continuidade a seus experimentos. E se pôs a ler os escritos e anotações que ele havia feito.
- Ḥajar al-falāsifa... A pedra dos sábios... O elixir da longa vida... Essa com certeza vai ser minha opus magnum.
Ele primeiro despejou mercúrio no enorme frasco de vidro, que já estava aquecido pela chama, observou o frasco por alguns minutos e atirou alguns elementos como: sílica, cálcio, bromo e alguns cristais no recipiente. Bert sabia que era possível de acordo com suas anotações que os cristais de quartzo lançados junto à mistura reagissem com os outros elementos para formar compostos, mas ele precisava que eles permanecessem em solução, não apenas vaporizando na superfície do líquido.
A cor da fumaça que saia pela boca do frasco se tornou levemente avermelhada e depois assumiu uma cor cinza, mais uma vez veio a ele a sensação de fracasso tão bem conhecida por seu corpo. A frustração logo se tornou raiva e em meio a um surto nervoso ele começou a destruir o laboratório, quebrou com vigor seu equipamento, deixando quase tudo em pedaços. Tudo menos o grande tubo de vidro blindado onde irradiavam os cristais.
Enquanto estava ajoelhado em prantos, com o rosto vermelho da raiva e o laboratório em pedaços, ouviu um enorme barulho.
Um raio atingiu a casa em cheio. Bert havia revestido várias partes da mansão com fios metálicos e placas buscando canalizar irradiações magnéticas, pois ele pensava que isso o ajudaria a fortalecer o processo químico de transmutação. A mansão, no entanto, se encontrava em um estado precário e não aguentou, o raio deu início a um incêndio e Bert que estava ocupado tentando salvar suas anotações não conseguiu sair a tempo.
Assim que o fogo consumiu inteiramente a mansão, uma mulher que morava há poucos quilômetros foi impelida pela curiosidade e correu para o local, ela sabia que ali vivia um homem recluso e que supostamente era muito rico. Ao chegar ao local e encontrar a tragédia seu primeiro pensamento não foi de chamar as autoridades, mas sim vasculhar o local em busca de pertences de valor, e tão logo ela avistou um brilho vermelho, correu em direção a ele e ficou aterrorizada com o corpo do homem, mas tomou coragem assim que viu o cristal que pensou ser um rubi e estendeu a mão para pegar a pedra que colocou rapidamente entre os seios, apertou-a com felicidade e fugiu do local.
A polícia foi chamada apenas quando um vizinho chegou ao local cerca de duas ou três horas depois e descobriu o corpo de Bert. A notícia do incêndio na mansão saiu em grande parte dos jornais, já que Bert costumava fazer parte dos mais altos círculos sociais antes de se isolar completamente.
Longe da mansão em um beco escuro, uma mulher contempla uma pedra vermelha com olhos gananciosos sem conhecer a real natureza do objeto que ela carrega.