Escolhas
Eu estava assustado, com frio e com fome. Devia fazer mais de dois dias que a comida na cabana sem aquecimento havia acabado, e eu estava sozinho. A única coisa que havia para comer, e que também me salvara de morrer de sede, era a neve que caía lá fora. Em não muito tempo eu teria que decidir se morreria ali, congelado, ou se me arriscava continuar a jornada para o sul enquanto ainda me restavam forças. Felizmente, não precisei decidir: Bogumir me encontrou.
Eu estava encolhido num canto da cabana, tiritando, depois de ter enchido a barriga de neve, quando alguém bateu à porta.
- Quem está aí? - Perguntei, temeroso de que fosse alguém mais esfomeado do que eu. Embora pouca carne restasse sobre meus ossos...
- Sou Bogumir - disse uma voz profunda do lado de fora. - Detectei seus sinais vitais quando passava aqui por perto; achei que não havia mais ninguém vivo nessa região.
Um soldado, pensei. Para ter detectado meus sinais vitais...
- Não está trancada - disse eu, referindo-me à porta e entregando minha sorte ao Grande Desconhecido.
Bogumir apareceu então, desenhado contra a luz branca da nevasca lá fora. Tinha cerca de dois metros de altura e usava um casaco pesado com uma padronagem xadrez, um gorro preto de lenhador enfiado na cabeça oval. E era tudo o que vestia; nem calças, nem sapatos. Bogumir era um robô.
- Como você sobreviveu aqui, sozinho? - Indagou, fechando suavemente a porta atrás de si.
- Comendo neve - tive que admitir.
- Que idade tem?
- Nove.
- E como se chama?
- Feliks.
- Muito bem, Feliks. Vamos precisar sair daqui, pois o clima vai piorar ainda mais nos próximos dias. Você tem para onde ir, parentes?
Balancei negativamente a cabeça.
- Todos morreram - redargui. - Até onde eu sei.
- Então, vamos para o sul; lá ainda pode haver depósitos de suprimentos e peças de reposição. Talvez uma maneira de sair do planeta.
- Sim. Era o que estava fazendo, mas a comida acabou e a nevasca não parava...
Bogumir remexeu na bolsa de lona que levava a tiracolo e dali retirou um pacote de ração militar instantânea; estendeu-a para mim na palma de sua imensa mão metálica.
- Pegue isso. Mas tem que me prometer que vai comer devagar... ou vai por tudo pra fora. Entendeu?
Fiz um gesto afirmativo e peguei o pacote. A embalagem era de plástico branco e trazia instruções de uso impressas em vermelho. Puxei o fecho de segurança e o conteúdo aqueceu-se em segundos. Pouco depois, sob o olhar vigilante de Bogumir, eu estava tomando a melhor sopa da minha vida em anos.
- Por que está carregando rações? - Indaguei, após acabar de comer. - Não precisa delas.
- Eu não, mas sobreviventes como você, sim - replicou. - Não posso salvar a todos que encontrar pelo caminho, e na maior parte das vezes, nem tento. Mas quando detectei os seus sinais vitais, percebi que podia fazer algo por você.
Encarei o robô surpreso.
- Então... você escolheu me salvar? Por quê?
- Porque você é pequeno, come pouco, tem inteligência suficiente para cuidar de si mesmo e posso carregá-lo com facilidade. De todos os que encontrei, foi o único que atendia a estes quatro pré-requisitos. Entendeu?
Balancei afirmativamente a cabeça.
- Você me escolheu - ponderei.
- Mas pode agradecer ao Grande Desconhecido - redarguiu ele, sem qualquer sombra de senso de humor em sua voz profunda.
- [06-08-2022]