Cinzas como neve

A cinza caía do céu cinzento como neve, cobrindo tudo o que estivesse exposto com um manto cinzento. Victor dirigia com cuidado pela rua principal da pequena cidade costeira, pensando que, em alguns instantes, teria que sair do ar condicionado do automóvel e encarar o clima opressivo lá fora; mas, mesmo dentro do carro, o ar tinha gosto queimado. Depois de chegar ao estacionamento do Instituto, enrolou um cachecol ao redor da boca e abriu a porta: um bafio de deserto o recebeu. Ao longe, ao redor da cidade, as colinas estavam em chamas e rolos de fumaça subiam aos céus.

- Está ficando impossível viver neste lugar - comentou ao passar pelo vigilante entrincheirado dentro de uma guarita climatizada, na saída do estacionamento do Instituto.

- Quem podia, já foi embora, Sr. Gibson - redarguiu solícito o vigilante.

"A pura verdade", teve que admitir para si mesmo.

Victor entrou rapidamente no prédio principal, sacudindo a cinza do sobretudo e do chapéu, herança do avô; agora, voltara a servir para alguma coisa, pensou.

- Gibson?

Voltou-se para ver quem o chamara no corredor. Era Todd McKay, do Desenvolvimento.

- Sim, McKay? - Indagou, ar cansado.

- Voltaram a falar em evacuação - declarou simplesmente, parecendo aguardar algum sinal de aprovação, que não veio.

- Se formos evacuados, é sinal de que não há mais esperança - replicou. - Nós, que ficamos, somos todos voluntários, você sabe.

McKay fez um aceno afirmativo.

- Sim, estou ciente. Mandei minha família para a Groenlândia logo que ficou claro que... bom, que não há muito que possamos fazer aqui.

- A não ser, tentar entender qual é a origem do problema e tentar revertê-lo - refutou. - Desculpe, McKay, mas tenho trabalho a fazer e o tempo está ficando curto.

McKay não disse nada, apenas ficou parado no corredor enquanto Victor se retirava.

* * *

A janela do escritório de Victor tinha vista para a baía; alguns anos atrás, era um local de prestígio, agradável até, mas ele talvez preferisse agora trabalhar num recinto sem vista para o exterior. Contudo, em vez de fechar as cortinas, ele as deixava abertas: era preciso que a paisagem cinzenta lá fora não o deixasse esquecer por um minuto que fosse do trabalho que tinha pela frente. No mar lá embaixo, algo branco movia-se contra a direção do vento, na superfície das ondas. Grande demais para ser uma lancha, e não parecia ser uma baleia. Victor suspirou e voltou-se para a tela do computador à sua frente; os indicadores estavam piorando, verificou rapidamente. Todos eles.

O telefone do ramal sobre a mesa tocou, e Victor atendeu no segundo toque. Era Cole Jacobs, o supervisor da equipe de Desenvolvimento.

- Já descartamos qualquer relação com o ciclo de atividade solar - declarou. - O aumento global de temperatura parece estar relacionado com atividade geotérmica.

- Não detectamos nenhum incremento na atividade tectônica - Victor franziu a testa. - Nem terremotos nem vulcanismo parecem ter sofrido acréscimo significativo.

- E no entanto, parece ser a única explicação que nos resta - redarguiu Jacobs. - Embora eu compreenda a sua relutância em aceitar a ideia.

Victor voltou a olhar para a baía, e agora havia dois objetos brancos cortando as ondas, cilíndricos e luzidios.

- Nunca acreditei em OVNIs - declarou.

- Se algo está manipulando artificialmente o clima, - prosseguiu imperturbável Jacobs - parece ter resolvido não esperar que fizéssemos este trabalho por eles e resolveu dar uma ajudinha no processo...

- Se os indicadores continuarem a piorar, - replicou Victor - não importando se são ou não de origem natural, não vai restar muita coisa viva aqui para ser aproveitada pelo que quer que venha depois.

Jacobs tossiu, do outro lado da linha.

- Mas talvez seja justamente isso o que estão querendo fazer, Victor: esterilizar o planeta, antes de um novo uso.

- [17-07-2022]