Assassinos Entrelaçados

- Um repórter científico? Pensei que seu jornal enviaria um jornalista policial.

- Se fosse um crime que não envolvesse elementos fantásticos, com toda certeza. Mas você sabe…

- Tem razão. Entra aí.

É a casa do delegado. Sala de estar. Sentam nos sofás. Um de frente para o outro.

- Quando você quiser, delegado. Conte do começo.

- A parte da captura não vou falar, não vi. Só vou contar o que aconteceu na delegacia.

- Vai em frente.

- Mas jornalista faz perguntas, não?

- Faz. Mas o método é deixar o entrevistado à vontade, sem cortes. Ademais, deve ser desagradável estar do outro lado do balcão, não é? Ou seja, responder perguntas, ao invés de perguntar.

- Você tem razão.

- Comece, delegado. E conte tudo. Não ligue se sei de determinados detalhes ou não. Sei lá, finge que está conversando num boteco.

No meu plantão, dois homens estavam sob custódia. Foram capturados num depósito de lixo. Ambos estavam armados. Quando eu olhei para os dois, tomei a porra de um susto. As aparências deles eram idênticas. Como se fossem gêmeos. As únicas diferenças: as roupas e armas que usavam. Até os nomes eram iguais: James Bova. Um deles se vestia como nós dois. Roupas convencionais. Que a gente vê na rua todos os dias, toda hora. O outro tinha uma roupa parecida com as convencionais, porém tinha recursos miríficos. A jaqueta que ele usava, por exemplo, richocheteou as balas dos policiais, durante o tiroteio no depósito. Conseguimos pegá-lo porque o tiro acertou a orelha dele. As botas dele pareciam especiais também. Brilhavam e quando isso acontecia, sentia minha arma tremer. E por falar em arma… A arma dele soltava raios e não balas. Transformava os alvos dos disparos em farelo. Lembro que uma arma assim foi encontrada tempos atrás numa cidade próxima.

Começamos o interrogatório e coisas mais estranhas continuaram a acontecer. Os dois homens diziam precisamente a mesma coisa. Mas o depoimento uníssono deles era bizarro. Era como se duas frases diferentes, com palavras diferentes, se juntassem e todas as palavras se misturassem, formando sentenças nonsenses. Por exemplo, ambos disseram:

“um assassino foder você perigosíssimo imundos mortos virá vocês matar porcos”.

Repetiram isso durante umas meia hora de depoimento, até que ficaram em silêncio.

Meus colegas começaram a torturar os dois. Tentando forçá-los a “parar de gracinhas”. Não tiveram remorso. James Bova, o que veste roupas como as nossas, era um assassino procurado. Havia matado policiais e civis inocentes. Era um bandido sem escrúpulo nenhum. Dar choque no pinto desse cara não causa desconforto algum na consciência. O suposto irmão gêmeo dele havia esfarelado policiais com seu brinquedo fantástico. Os caras estavam doidos para levá-los ao matagal. Na verdade, levar os dois e depois meter uma bala na cabeça de cada um. E, sinceramente, eu… você não está gravando isso, não é? Pois trate de omitir essa parte!

Durante os choques e porradas nos dois, ambos começaram, ao mesmo tempo, a dizer mais uma frase sem sentido:

“Porra Não outro cara machuquem”.

Isso só deu prazer aos homens para que continuassem.

- Me diga, que arminha é essa? Vamos usar em você, seu bosta matador de policial! - disse um dos meus homens, que recebeu um cuspe de sangue na cara, do James Bova com roupas exóticas. O Bova pé-rapado também cuspiu, no mesmo momento.

- Ah é, filha da puta? Chris, pega a marreta.

Todo mundo na delegacia sabe. Quando se fala em “Chris, pega a marreta”, é porque o método será aprimorado. Um eufemismo para “a tortura vai subir de nível”. Foi Val quem pediu a marreta. Ele gosta de esmagar dedos das escórias da sociedade. Antes de começar a quebrar ossos, uma barafunda deu início em outra sala da delegacia. Por uns segundos, Val ia ignorar e prosseguir com o entretenimento. Mas então surgiram gritos. E logo a porta da sala onde estavámos foi destruida como se fosse isopor. Logo raios para todo lado e meus homens virando farelo. O atirador tinha a mesma arma do Bova exótico. Sabíamos logo ou pensávamos saber por que ele estaria ali.

Com uma mira magistral, Val jogou a marreta e acertou a mão do atirador, que deixou a arma cair. Val també puxou a arma e atirou duas vezes. Uma bala ricochetou e acertou meu abdomên. A outra acertou cabeça de Chris. O atirador foi para cima de Val, antes que ele disparasse mais. Uma luta corporal entre ambos deu início. A arma de Val caiu perto da perna do Bova exótico. A bota dele brilhou e a arma foi atraída como se houvesse um campo magnético emanando dali. Todavia, como ele estava algemado, não tinha como pegar a arma, mas se esforçava mesmo assim. O atirador venceu Val na luta e depois o transformou em farelo com a arma. Só havia eu vivo e muito ferido. Me fingi de morto.

- James, James, James… eu disse que não ia adiantar vir atrás de mim. Tentar me impedir. Eu ia encontrar sua contraparte e eliminá-lo. Mas olha que coisa maravilhosa: eu encontrei você. Você está preso, indefeso. Eu posso destruí-lo agora mesmo.

- DESGRAÇADO! - os dois James gritaram isso ao mesmo tempo.

- Quando é uma única palavra, vocês conseguem dizer corretamente. As palavras não embaralham. É uma manifestação perfeita do entralaçamento. Vou lhe dizer uma coisa, James. Eu poderia atirar em você. Mas vou atirar na sua contraparte. Eu vim a essa outra Terra para isso. Como eu não conseguia eliminar você lá, tentaria eliminar você aqui, e agora vou fazer isso.

Sob os gritos de “DESGRAÇADO!”, “DESGRAÇADO”, o atirador foi na outra salinha onde estava o Bova com roupas normais.

- DESGRAÇA—

Antes que pudesse dizer, o atirador o transformou em poeira. O mesmo aconteceu com o Bova exótico. Virou farelo. Era como se os dois estivessem conectados. Depois eu entendi tudo. Antes de ir embora, o assassino pegou a arma de raio do Bova e saiu pela porta da frente. O cara havia liquidado todo mundo pelo caminho.

- Sergei Onfray é o nome dele.

- Do assassino? Vocês jornalistas são mais rápidos que a polícia, às vezes.

- Preciso que o senhor me passe o registro de suspeitos e criminosos. Talvez a versão do Sergei esteja nessa cidade, quiça tenha passado pela sua delegacia, alguma vez.

- Para alguma reportagem? Sabe que não é bem assim.

- Não, delegado, eu vou exterminá-lo.

- Quê?

- Eu sou da outra Terra, estou aqui em missão para acabar com Sergei.

- Mas que diabos!

- Brincadeira, senhor.

- Não brinca com isso, porra, eu quase te dei um tiro.

O repórter riu.

- Tudo brincadeira? O nome dele não é mesmo Sergei?

- Se for, é muita coincidência. Inventei tudo.

Depois da entrevista o repórter foi embora. Ainda não tinha todas as informações. Tinha muita, mas é preciso mais. Como as explicações científicas sobre tais eventos. São tempos que obrigam a criação de uma nova modalidade jornalística: o jornalismo científico-policial.

FIM

RoniPereira
Enviado por RoniPereira em 07/06/2022
Reeditado em 06/10/2023
Código do texto: T7532907
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