A Saga de Godofredo XXVI – A Perda
07.06.22
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Mira estava aflita para saber o que aconteceu e reencontrar Hassan naquela manhã. Deitada na cama no castelo cruzado, sem acesso a nada e a ninguém, sentia-se como uma prisioneira.
Então, a porta se abriu e viu Hassan entrando com vestes militares cristãs. Surpresa, arregalou seus lindos olhos negros. Demorou alguns segundos para entender o que via. Depois de concatenar os pensamentos, disse raivosa e agressiva:
-O que é isso? Você é um cruzado? Tudo o que falaram sobre você ser um traidor é verdade? Não posso acreditar! Usou-me então, e o pior, mentiu para mim. Como pode ser tão canalha e sórdido! Schain é muito melhor que você! Saia do meu quarto imediatamente! Não quero vê-lo nunca mais! - disse as ultimas palavras chorando com o rosto sobre as cobertas da cama.
-Meu amor, por favor, preciso explicar tudo o que aconteceu! O que fiz foi para lhe preservar e acabar com essa guerra sem fim entre as nossas culturas. Eu te amo e sei que você também! – falou Godofredo candidamente.
-Você é um canalha! E tem a coragem de dizer que tudo o que fez foi por me amar! Não merece o meu amor, nunca! Prefiro Schain! Saia já do meu quarto, não quero vê-lo nunca mais!
- Por favor minha querida, ouça a minha história antes , pois o que lhe direi é a pura verdade como é o meu amor por você! Eu te amo!
-E o meu pai e os demais , onde estão?
-Todos presos aqui.
-Exijo que meu pai esteja aqui comigo! Não quero mais ficar longe dele. O que fizer com ele, fará comigo! E Schain?
-Também preso.
-Saia daqui! – gritou Mira chorando.
Godofredo saiu cabisbaixo e Nabi, ou “Cons” - a sua consciência o aguardava na porta. Amparou-o dizendo:
-Deixe-a destilar a raiva, é natural, pois o choque que causou foi muito grande. Acho até imperdoável e tinha consciência do risco que corria, não é mesmo? Coloque-a com o pai para que ele conte o que aconteceu, será melhor! Você não tem mais credibilidade com ela, pois foi enganada. É o preço que pagará! Está salvando muitas vidas e libertando a Terra Santa dos mouros! Agora, tem que se concentrar no duelo com Schain hoje. Vá descansar um pouco, se é que conseguirá!
Godofredo desolado e cabisbaixo concordou com Cons e foi ao seu quarto descansar, pois logo enfrentaria a raiva de Schain, pois com Mira apoiando-o, seria um adversário duro e furioso.
Chegou o momento do duelo. O pátio interno da fortaleza maltesa estava com um circulo livre definido pela guarda real contendo as inúmeras pessoas que assistiriam ao embate. Nas escadarias de acesso ao castelo, o trono real foi colocado. Em extremidades opostas dentro do circulo, uma banqueta com as armas de cada oponente, aguardavam para serem usadas. O dia estava claro e quente e o calor era forte naquele meio dia. Os duelistas com os seus padrinhos surgiram no portal da fortaleza. Usavam somente calças. A multidão ao ver Godofredo começou a gritar o seu nome alto e forte, pois agora era um ídolo pelo seu feito. Ele seguiu cabisbaixo. Cons, vendo o seu estado repreendeu-o:
-Levante o semblante e acene para a multidão confiante, pois agora eles são você e não pode desapontá-los de forma alguma. Vamos, altivez e determinação, você consegue! Vamos Godofredo! – falou Cons na mente de Godofredo.
Ele olhou para a multidão ovacionando-o e levantou seu braço direito com a luva acenando levemente a todos. Estava arrasado pelo ocorrido naquela manhã com Mira.
O rei Ricardo, seu padrinho, o encaminhou até a sua banqueta e disse-lhe:
- Será a sua maior batalha pessoal, pois a nossa guerra está praticamente vencida. Boa sorte! Sei que vencerá! Que Deus te abençoe por tudo o que fez por nós! – falando firme e convicto a Godofredo. Depois, puxou sua espada ,levantou-a e berrou junto com a população o nome de Godofredo, que continuava frenética a gritar. Aplausos surgiram.
Schain, acompanhado de Saladino, desceu as escadas presenciando a cena sob vaias e apupos da população, e com os dentes serrados e os olhos vermelhos de raiva, disse ao sultão:
-Vou matar esse verme traidor!
Mira, na janela do seu quarto, via a cena e berrou com força e agressividade:
-Mate esse traidor Schain!
Scahin ouviu o grito da princesa e olhou para cima vendo-a debruçada . Enviou um beijo, respondido por ela. Godofredo presenciando a cena, mais desolado ficou. Cons falou novamente em sua mente:
-Esqueça-a! Você representa todos os cristãos! Agora se concentre na sua luta por eles! É uma causa muito maior !
O rei voltou ao trono e falou a todos definindo as regras do duelo. Godofredo e Schain ouviram, e perguntados se aceitavam as condições. Responderam sim! O silencio foi solicitado pelo rei para que se iniciasse a disputa. Schain, como um leão, andava de um lado ao outro agitado, esperando para dar o bote. Godofredo mantinha-se sentado na banqueta, circunspecto. O rei deu o sinal, e começou o duelo.
Schain foi rapidamente em direção ao seu oponente brandindo sua adaga junto com um grito ensurdecedor, como um animal. Godofredo saiu do seu torpor, e ao se levantar, viu Schain vindo em sua direção loucamente, dando um pulo como um gato e desferindo um violentíssimo golpe em direção a cabeça de Godofredo, que desviou. Mas a adaga moura feriu seu ombro direito em profundo corte. O sangue começou a escorrer pelo braço e peito. Foi ferido com certa gravidade. Teria que lutar com seu braço direito imobilizado. Mira gritava: mate-o! – Saladino, também! A população assistia a luta muda. Ricardo estava apreensivo.
Schain o atacava furiosamente e gritava – Cão traidor! Vai morrer hoje! Godofredo defendia-se com a espada que ganhara do rei. Recuava a cada estocada do alucinado sarraceno. Não tinha a raiva e a vontade de matar como Schain. O desanimo lhe dominava, ainda mais com o apoio do seu amor a ele.
Godofredo , mesmo ferido, seguiu se defendendo. Em dado instante escorregou no piso em pedra – havia limo nele, e caiu de costas na pedra fria. Schain investiu furiosamente desferindo golpes na direção da cabeça de Godofredo, fazendo com que rolasse deitado fugindo das estocas até ser contido pela mureta do cais. Ficou imobilizado. Scahin arregalou os olhos e gritou: - Morra traidor!, atacando-o impetuosamente. Godofredo agachado, instintivamente desferiu um rápido golpe na perna direita de Schain, causando um profundo corte. O mouro cambaleou e caiu no chão, que ficou vermelho do sangue que escorria do ferimento . Godofredo levantou-se apoiado na espada. A multidão gritava o seu nome uníssono e depois : - Morte ao infiel!
Godofredo sentou-se na murada com o braço direito tinto de sangue. Scahin se levantou cambaleante e investiu novamente. Godofredo desviou. Schain foi de encontro à murada do porto batendo violentamente seu corpo contras as pedras e sentando no chão. Não conseguia se levantar, estava tonto pela perda de sangue e do impacto. Godofredo viu que o seu oponente estava mais indefeso que ele, mas não queria mata-lo. Disse-lhe:
-Acabou! Voce está mais incapacitado do que eu para a luta Schain! Aceite a derrota e viverá!
Schain tentou se levantar, mas não conseguia. Encarrou furiosamente a Godofredo e berrou :
-Vou morrer se Alá assim o quiser, mas lutando até minhas ultimas forças! Não me entregarei, jamais! Prefiro morrer a me entregar!
Então Godofredo viu Mira em pé na janela. Ela gritou para Godofredo:
-Se você o matar, eu morro com ele! – pronta para pular.
Todos atônitos pelo inusitado da atitude de Mira silenciaram aguardando o desfecho. Saladino vendo sua filha prestes a se suicidar, disse ao rei Ricardo:
-Nobre rei, acredito que Schain demosntrou a sua honradez e valor neste embate, recuperando a sua honra e o amor da minha filha. Schain merece viver e ser livre!
Ricardo ouviu, e depois de pensar, disse a Saladino:
-A decisão é de Godofredo! Cabe lembrar que foi ele quem solicitou esse duelo, pois achava que Schain tinha esse direito. Também muito nobre sua atitude!
Godofredo então retirou a adaga das mãos frouxas de Schain quase desacordado, o levantou e falou a todos:
-Ele viverá! Meu rei peço que o leve aos nossos melhores médicos para tratá-lo.
Dito isso, Godofredo foi cambaleante até a sua banqueta e desmaiou. Também precisava de cuidados médicos.
Mira desceu da janela e entrou no seu quarto. Schain vencera!
Nota do Autor
É obra de ficção e qualquer semelhança e mera coincidência.