Ao recomeço

O módulo de pouso disparou seus retrofoguetes e, um abalo seco pouco depois, fez Shawn Conner compreender que agora era muito tarde para querer voltar: havia enfim chegado à Marte, após dois meses de viagem numa espaçonave movida à energia nuclear.

- Vamos, nada de moleza! - Exclamou a voz do comandante pelo alto-falante da cabine, onde outros sete colonos como ele estavam sentados em círculo, trajes espaciais fechados. - Peguem seus pertences e formem uma fila para descer pelo elevador de carga!

Resmungando, os colonos desafivelaram os cintos de segurança e abriram os compartimentos de bagagem sobre suas cabeças, onde lhes havia sido autorizado trazer uma única mala padronizada comportando dez quilos; todos os seus pertences pessoais estavam ali, tudo o mais seria fornecido pela companhia de terraformação marciana.

- Não é como no folheto da agência de recolocação, não é mesmo? - Indagou de forma amistosa um colono ao lado de Shawn, uma plaqueta no peito no traje o identificando como W. Marsh.

- Não, Walter, nada aqui deve ser como na propaganda - redarguiu Shawn, pondo-se em fila com os demais no corredor que levava ao elevador de carga. - Mas não tínhamos muitas opções, não é mesmo?

- Marte ou morte - gracejou o outro.

- O pacote é vendido como um recomeço - comentou outro homem, mais velho do que Shawn e Walter. - E eu acho que essa era a ideia inicial...

- Marte era para bilionários - disse outro. - A promessa da construção de uma nova sociedade, apenas com os muito ricos.

- Agora é para ex-bilionários - redarguiu Walter. - O governo unificado da Terra não nos quer por lá.

Shawn deu de ombros.

- Gosto dessa ideia de recomeço; aqui é como o Velho Oeste, tudo está por fazer.

Os oito homens subiram na plataforma do elevador, que em seguida deslizou sobre trilhos projetando-se do corpo do módulo de pouso. E diante deles, estava a aridez vermelha da superfície marciana, com montanhas cinzentas erguendo-se na distância.

- Tudo está por fazer - repetiu Walter. - E sabe quem vai ter que colocar mãos à obra? Nós!

A plataforma foi sendo baixada por cabos de aço até tocar no solo abaixo deles. E diante do módulo estava um transporte aberto com seis rodas, e dois homens da companhia em trajes espaciais empoeirados.

- Subam a bordo! - Conclamou um dos funcionários. - Vão poder descansar na base!

A perspetiva de descanso era bem vinda; mesmo com a baixa gravidade de Marte, depois de dois meses de imponderabilidade, dar alguns passos revelou-se bastante desafiador para os colonos.

- E pensar que tudo isso está sendo construído com o nosso dinheiro... - disse o homem mais velho, enquanto se acomodava na carroceria do transporte.

- Nada disso seria possível sem a contribuição de vocês - replicou o outro funcionário, subindo para a cabine do veículo.

Shawn tentou captar ironia na observação, mas era difícil dizer apenas ouvindo a transmissão de rádio e sem ver o rosto do homem. Portanto, resolveu aceitar o comentário como um elogio.

- Construímos fortunas na Terra; vamos provar que podemos construir um novo mundo do nada - desafiou.

- Ao recomeço! - Saudou Walter, batendo com a mão no ombro de Shawn.

- Ao recomeço! - Resmungaram os demais.

- [31-05-2022]