A grande inundação do Rio de Janeiro em 2032
A GRANDE INUNDAÇÃO DO RIO DE JANEIRO EM 2032
Miguel Carqueija
E lá estávamos nós dois, Francisco e eu, a bordo de uma lancha elétrica marca Greta Thunberg, navegando pelas ruas inundadas do Rio de Janeiro, naquele mês de março de 2032.
Passávamos pela Avenida Presidente Vargas, que a essa altura mais parecia um braço do Rio Negro, tal a imensidão de águas escuras que divisávamos. Minutos atrás tínhamos entregue alguns flagelados ao barco de patrulha que por lá circulava e que estava mais equipado para socorrer pessoas, além de dispor de mais espaço. A calamidade que se estendia a perder de vista era simplesmente horripilante.
Francisco, como entendia de mecânica mais que eu, dirigia o barco. Não sabíamos mais o que fazer além de circular e constatar a situação.
— Ainda bem que nossas famílias estão a salvo — disse o Francisco. — E os seus cachorros também.
Eu estava preocupado por estarmos sem comunicação. Os celulares haviam descarregado e não havia como recarregar na embarcação. Pior, o Rio em grande parte estava sem luz.
— Você está vendo — falei — quanto destroço está boiando? Até mesas e cadeiras, carros, vai tudo na enxurrada.
— O Rio de Janeiro vai levar uns vinte anos para se recuperar. Olha lá a Candelária, quanta ave pousada!
— Melhor não irmos para lá. É muito perto do mar.
— Também acho, Carqueija! Vamos entrar na Rio Branco!
Então o Francisco guinou a embarcação para a Avenida Rio Branco, embicando para a direita. A água, bem turva, estava bastante agitada e cheia de destroços. Até mesmo alguns ônibus dos quais tivemos de nos desviar.
— Você deve ter algum parentesco com o Nostradamus, Carqueija. Prever essa cheia que ninguém previa...
— Já expliquei, Francisco: existe um ciclo que observei, um ciclo de 22 anos: 1966, 1988, 2010... eu sabia que a próxima seria em 2032.
— Sim, mas adquirir esse barco foi genial.
— Não diga isso. Lá se foi toda a minha economia.
— Mas valeu a pena, no fim das contas.
— Não sei. Já estou velho, mas de fato não queria morrer de afogamento...
— Ora, se escaparmos desse dilúvio o próximo será em 2054, aí já não estaremos vivos mesmo.
— Sim, Francisco, tanta gente que conhecemos se foi! Se não chegarmos a 2054, não temos o que reclamar!
— Se chegarmos a 2054, estaremos bons para atuar numa nova versão de “A Múmia”!
— Tem toda a razão! Ah, vamos falar com aquele barco de patrulha! Eles devem ter informações sobre o baixamento das águas!
E o Francisco dirigiu nosso barco para encontrar a aludida embarcação.
As águas começavam de fato a baixar. Ter visto o nosso Rio de Janeiro transformado em mar, termos navegado em tal mar, foi uma experiência inesquecível, porém terrível.
Rio de Janeiro, 17 de fevereiro a 11 de março de 2022.
imagem wikipedia
(Francisco Carlos Amado tem escrivaninha no Recanto onde assina Jurubiara Zeloso)