A Saga de Godofredo XVIII – A Razão e o Coração
14.04.22
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A enorme frota de navios sarracenos aproximava-se de Lampedusa, tendo à frente a capitânia de Saladino. Os oitenta navios, com suas velas brancas, singravam o mar calmo naquele entardecer de céu limpo e claro. Era uma visão majestosa.
Hassan e Nabi tinham definido a estratégia de contar à Saladino da presença da sua filha na embarcação. O problema seria falar depois com ela. Estavam na amurada do barco apreciando a bela vista dos navios, quando Hassan disse a Nabi:
-Espero que Saladino me ajude a conversar com sua filha, pois tenho mais medo dela do que dele. Ela também é intempestiva e pode vir a causar algum problema.
-Vai depender do que prometer a ela. Você não poderá se casar de forma alguma. Não será aceito pela ordem cruzada, pelo seu pai e por sua família. Será renegado ou executado como traidor. É sua questão crucial Godofredo! – respondeu incisivo Nabi.
-Sim, eu sei. Estou em conflito entre a razão e o coração. Eu a amo! Mas nosso amor é impossível devido a nossas crença. Deixá-la-ei para sempre em Lampedusa. Terei que mentir, falar que casaremos ao voltar, o que não acontecerá. Dói-me muito ter que agir assim com ela, mas a razão prevalece – falou Godofredo desanimado e triste.
-Está chegando a hora Godofredo, tem que falar com Saladino agora, antes de atracarmos – ponderou Nabi!
-Sim, vamos a ele.
Hassan foi à proa do navio ver Saladino, que estava entusiasmado com a chegada de seus navios ao porto da pequena ilha mediterrânea. Ao ver Hassan, disse-lhe efusivo:
-Meu grande irmão mercador, que Alá nos traga a vitória! Que beleza de cenário neste entardecer magnifico, não é mesmo?
-Sim, grande sultão, é mesmo! Preciso lhe falar de um assunto sério e importante que poderá colocar em risco a nossa empreitada.
-Então fale logo!
-Mira está escondida em meu quarto. Diz ter tido medo de Schain sequestrá-la e que por isso embarcou escondida em minha arca. Não lhe contei logo que a encontrei, porque sei que acharia tê-la trazido como um escudo. Eu a amo e pretendo me casar com ela ao voltarmos, se o senhor aprovar é claro. Então, decidi que ao aportarmos em Lampedusa, lhe contaria primeiro e depois a ela, e que ficaria em Lampedusa, pois poderia ser feita refém pelos cruzados ou morta. Quero assim preservá-la. E, espero contar com a sua ajuda, grande sultão, para que entenda a situação e aguarde a nossa volta! – falou Hassan de forma firme e direta, mas com alguma emoção em sua voz.
Saladino escutou-o sem qualquer reação e após algum tempo disse:
-Meu irmão Hassan, agradeço sua lealdade e preocupação, pois de fato é um enorme risco estar com ela no barco. É nobre sua atitude. Devemos conversar com ela e convencê-la de que essa será a melhor solução para todos nós. E como pensou em fazer essa conversa com Mira?
-Irei agora falar com ela. Direi que lhe informei e que deve ficar em Lampedusa até a minha volta, para então casarmos sob a sua aprovação. Depois, poderia o grande sultão reforçar esse argumento em conversa separada e convencê-la, mas não obrigá-la, pois sabe do temperamento forte de sua filha. O meu coração está sofrendo, pois a amo e não quero que aconteça algo com ela. Não me perdoaria!
-Muito bem. Que assim seja! Aguardo-lhes em meus aposentos!
Hassan assentiu com a cabeça. Nabi ao seu lado diz:
- Você foi astuto em falar em casamento com o sultão, pois assim ele ficará mais tranquilo quanto às suspeitas que tem de você e poderá ter a seu favor este forte argumento. Vá sozinho, é conversa de casal. Estarei à porta aguardando sua saída, e claro, como sua consciência, escutarei o diálogo. Boa sorte!
Hassan seguiu até seu dormitório, abrindo a porta com cuidado. Mira estava escondida atrás das cortinas que tampavam uma escotilha do navio.
-Oi querida! – diz Hassan em direção às cortinas, que balançaram ao Mira sair. Estava linda, com roupa de odalisca vermelha. Seus cabelos negros e lustrosos ondulavam soltos pelos ombros a cada passo felino que dava em sua direção. Olhava-o sensualmente nos olhos. Hassan estremeceu. A razão balançou, o coração bateu forte em seu peito e pensou – Que coisa linda! Vai ser duro mentir!
-Oi meu amor! – diz dando-lhe um longo beijo com sua boca quente, abraçando-o fortemente. Hassan estremeceu novamente. Ela era irresistível!
Depois do longo carinho, Hassan sentou com ela em sua cama e a olhou com ternura. Ela viu o seu olhar como que prevendo alguma novidade e perguntou:
-O que aconteceu, querido? Está triste! Conte-me o que houve?
-Meu amor, falei a seu pai que está a bordo e que é um grande risco continuar a viagem conosco. Poderia ser feita refém ou morta nas batalhas que enfrentaremos. Disse que ao voltar nos casaríamos, se ele aprovasse. Não quero que corra riscos desnecessários, meu amor. Desculpe-me, mas não poderia deixar de informá-lo, seria uma traição, assim também como não lhe dizer o que fiz. Eu a amo muito e não quero perdê-la de forma alguma. Se ficar aqui em Lampedusa estará a salvo de Schain e da guerra. Voltarei para nos casarmos, lhe prometo - falou Hassan emocionado, com lágrimas nos olhos, acariciando as mãos de Mira!
Mira escutou quieta e aflita. Mas, ao vê-lo emocionado e de olhos marejados sentiu pena do seu amor. Depois, segurando seu rosto e olhando-o fixamente com seus lindos olhos negros e amendoados, disse-lhe:
-Eu fico se meu pai nos casar! E ter uma noite de amor e carinho antes da sua partida para as batalhas. Essa é a minha condição! Quero ser sua agora, não posso esperar, pois poderá morrer. Se isso acontecer, serei sua viúva eterna, meu amor querido! – disse Mira beijando-lhe a boca longamente.
Hassan não esperava essa reação. Ela olhava-o com ternura aguardando sua resposta. Não tinha como escapar, teria que concordar. Mas, sabia que a estava enganando, pois casariam, mas não ficariam juntos. Nabi, vendo a hesitação de Godofredo, disse-lhe em sua mente:
-Concorde Godofredo, pois casará, mas não voltará para ficar com ela. É melhor assim, resolvemos o problema!
-Sim, claro meu amor vamos nos casar, mas precisamos falar com o seu pai para que ele aprove – respondeu Hassan. Mira eufórica pulou em seus braços, abraçou e beijou seu rosto, olhos e boca dizendo:
-Ele vai aprovar, sim! Vai sim! – falava como uma criança que acabara de ganhar um presente.
Ela puxou Hassan pelo braço e saíram em direção à cabine de seu pai. Vendo Nabi junto à porta , disse, sorrindo alegremente:
-Vamos nos casar! Vamos nos casar!
Entraram nos aposentos de Saladino e este ao vê-la radiante e feliz, pergunta:
-Minha filha viu um rouxinol vermelho? Que tanta felicidade?
-Papai, você vai nos casar aqui! Quero ter uma noite de núpcias com o meu marido antes da partida para a batalha! Depois ficarei em Lampedusa esperando a volta dele e sua. Essa é a minha condição, ou melhor, a nossa! – disse ao pai, impositiva e feliz, com Hassan tímido atrás dela.
Saladino, estupefato pela novidade inesperada, ficou estático ouvindo-a. Olhou depois sério para Hassan. Mira falou novamente:
-Então, está de acordo? Amamos-nos e você sabe disso! Hassan demonstrou mais uma vez a sua lealdade contando-lhe da minha fuga e embarque no navio. Acho que as duas situações, a de minha defesa e dessa de agora, o tornam insuspeito. E ele será seu genro, papai! Pai dos seus netos!
Saladino olhou-a com ternura e vencido, pela alegria esfuziante da filha e por seus argumentos, disse:
-Sim, será o pai dos meus netos que serão grandes conquistadores e defenderão as nossas crenças. Que Alá seja louvado e abençoe esse casamento!
Hassan atônito e sem se inteirar da dimensão do problema em que se afundava, foi abraçado efusivamente junto com Mira pelo sultão, que gritava:
-Que Alá abençoe esse casamento!
Nota do Autor:
É obra de ficção e qualquer semelhança e mera coincidência.