O método

[Continuação de "Linha cruzada"]

- Os habitantes de Dellingr, que denominamos "opprinnelige", - discorreu Trine Ottesen - utilizavam animais nativos semelhantes aos nossos cães para estabelecer os melhores pontos para construção de nódulos na sua rede de teletransporte, da mesma forma que intuitivos na Terra usavam forquilhas de madeira para descobrir água subterrânea.

- Está falando de radiestesia? - Questionou a Dra. Benedicte Kaas, erguendo os sobrolhos.

- Não é pseudociência, - defendeu-se Trine - é xenociência. Citei as forquilhas apenas para que os leigos presentes compreendessem a relação existente entre a técnica dos opprinnelige e a radiestesia.

- Ficou claro - assentiu o comandante Kvam. - Mas, seja lá o que for que os opprinnelige usavam, certamente não deviam ser cães como o seu labrador.

- De fato, não eram - admitiu Trine. - Precisamos modificar geneticamente o cérebro de algumas espécies de cão, até descobrirmos a que melhor se adequava ao trabalho, e os labradores foram os que se saíram melhor. Também não tínhamos a intenção de criar um meio de interagir ou mesmo viajar para outros universos; o que buscávamos era extrapolar a técnica dos opprinnelige para outros planetas e maximizar a eficiência do sistema. Mas não contávamos que nosso estudo acabasse resultando em cães capazes de se mover entre universos usando a rede de teletransporte; esta pode ser uma característica única deste planeta, razão pela qual estamos ampliando as nossas instalações de pesquisa em Dellingr.

- Acredita que seu cão será capaz de levá-los de volta ao seu universo? - Questionou Kvam.

- Teremos que fazer um teste para verificar, - disse Trine cautelosamente - e Halmseng deverá estar conosco durante a transmissão.

- Supondo que tenham sucesso e que não voltem mais aqui, seja lá por qualquer razão, - ponderou o comandante Kvam - se importariam de nos dar ao menos alguma indicação de como podemos orientar nossos cientistas a obter o mesmo resultado?

Trine olhou para Andre Hovda; o chefe de segurança fez apenas um aceno de cabeça.

- Naturalmente - acedeu Trine. - Mesmo que eu não tenha as minhas anotações aqui, o que me lembro deve ser suficiente para que reproduzam nossos experimentos.

* * *

Depois de uma longa entrevista com a Dra. Benedicte Kaas, Trine Ottesen foi liberada para partir no transporte suborbital com destino à Solplass, acompanhada de Andre Hovda e do labrador. Lá, eles se reuniram à equipe de segurança da Nordmark paralela e todos subiram à plataforma de teletransporte. Instantes depois, o grupo foi enviado de volta à Nordmark de onde haviam partido - e não foram mais vistos.

- Suponho que isso signifique que voltaram ao ponto de origem - comentou o comandante Kvam ao ser informado do ocorrido.

- Se não voltarem, ou se algum outro do universo paralelo não vier atrás deles, nunca saberemos - redarguiu a Dra. Benedicte.

- Talvez possamos ir lá, usando o mesmo método deles - ponderou Kvam.

A Dra. Benedicte pareceu reticente ao responder:

- Depois que conversei com Trine Ottesen, cheguei à conclusão de que isso talvez não seja possível. Toda a pesquisa envolvendo cães começou por conta da descoberta de um artefato, num complexo subterrâneo dos opprinnelige; foi isso o que os direcionou a trabalhar com os animais.

- Imagino que ela nos deu as coordenadas das tais ruínas - replicou Kvam.

- Naturalmente - assentiu a Dra. Benedicte. - Mas e se não houver nada lá? Isso não significa que Trine estaria mentindo, mas, afinal de contas, trata-se de um outro universo. O artefato pode nem ter resistido ao tempo nesta realidade...

Os temores da Dra. Benedicte acabaram por se concretizar; não havia ruínas, nem artefato alienígena no local indicado.

- Talvez não confiem em nós - ponderou Agnar Svehla, o chefe da segurança de Nordmark, após tomar conhecimento do caso. - Mesmo que sejamos tão parecidos com eles.

- Este é o ponto - admitiu o comandante Kvam. - Somos parecidos demais, e isso pode tê-los deixado desconfiados.

- Mas, eu suponho que o cão não poderia tê-los levado a um mau lugar - redarguiu Agnar. - E quem encontrou o labrador foi Jorun, que é uma boa pessoa...

Kvam fez um aceno de cabeça.

- Verdade. Se eles puderem voltar, o farão pela acolhida que Jorun deu ao labrador.

E isso, de fato, terminou revelando-se verdadeiro.

- [10-04-2022]