Os sobreviventes da Terra

As condições de vida na colônia estavam se deteriorando anos após ano, e isso não só era motivo de irritação entre aqueles que haviam pago vultosas somas pelo privilégio de escapar ao fim do mundo, como nos colocava diante da possibilidade real de que talvez não fossemos sobreviver mais um quarto século sem insumos que só existiam na Terra.

- Kameron é o culpado disso - vociferou Michael Baxter, o rosto redondo e barbado brilhando ao ligar para Sam Hanson pelo videofone. - Certamente deve ter embolsado boa parte do dinheiro destinado à expansão da colônia, esperando que a crise não demorasse muito e ele pudesse lucrar com o ouro desviado.

Naturalmente, com o caos climático e a destruição de boa parte dos governos e da economia da Terra, ninguém iria confiar seus bens aos sistemas informatizados dos bancos. Aqueles que ainda apostavam que voltariam ao planeta natal da humanidade, haviam enterrado seu ouro em locais seguros, preferencialmente em cadeias de montanhas, num nível acima do que se esperava que as marés dos polos derretidos atingissem.

- Não acho que Kameron seria tão estúpido a ponto de fazer essa besteira - atalhou Hanson. - Lembre-se: ele veio para Marte com toda a família. Se não resolvermos o problema dos suprimentos e peças de reposição, eles estarão tão condenados à morte quanto nós.

- A colônia deveria ser capaz de subsistir isolada por um século, - insistiu Baxter - tempo que previmos ser suficiente para que a crise fosse contornada na Terra e pudéssemos enviar uma expedição para estudar a viabilidade do retorno definitivo ou o transporte de insumos para cá. Aparentemente, não vamos testemunhar nem uma coisa, nem outra.

Baxter tinha razão para reclamar, naturalmente. Kameron Reed era um excelente engenheiro, mas não um bom administrador. Que houvesse subdimensionado as necessidades da colônia, era algo que estava patente; mas daí dizer que houvera corrupção na execução do projeto, ia uma longa distância.

- Kameron planeja mandar uma expedição à Terra em seis meses - disse Hanson para tranquilizar Baxter. - Mesmo que não tenhamos mais comunicação direta com o planeta há anos, temos captado transmissões de rádio de baixa potência, em vários pontos do globo.

- Provavelmente, pequenas comunidades autossuficientes que sobreviveram aos cataclismos da virada do século - especulou Baxter. - Não acredito que nos serão de qualquer ajuda, particularmente no tocante à capacidade industrial e ao uso de tecnologia moderna.

- Você pode ter razão - redarguiu Hanson. - Mas Kameron está olhando para além disso: se há comunidades organizadas de sobreviventes, capazes de prosperar ao que julgávamos ser o fim da espécie humana, a Terra pode representar uma possibilidade de retorno imediato antes mesmo do que havíamos planejado.

- Não temos meios de saber se estão prosperando ou meramente sobrevivendo - ponderou Baxter. - Kameron pode estar usando de um artifício para desviar a atenção dos problemas daqui, da colônia.

- O que sei é que ele acredita tanto na ideia do retorno, que irá acompanhar o primeiro grupo expedicionário - afirmou Hanson.

- Para mim, isso só reforça a ideia do ouro escondido nas montanhas - desdenhou Baxter, antes de desligar.

* * *

A população de Leadville, Colorado, assistiu com assombro o pouso da nave da expedição marciana, num terreno descampado próximo à cidade. Uma comissão foi constituída às pressas para dar as boas-vindas aos homens do espaço; dela fazia parte o prefeito, Cale Juarez.

- Quando vimos o seu foguete pousar, mal acreditamos - declarou Juarez. - Há anos que ninguém do espaço vem para estas bandas.

- Mas então, houve outros antes de nós? - Indagou Kameron.

- Sim, os operadores das minas lunares - replicou Juarez. - Sem a ajuda deles, não poderíamos ter reconstruído o pouco que hoje temos da antiga civilização.

- E para onde foram esses mineiros? - Inquiriu Kameron.

- Se distribuíram por outras comunidades ao redor do mundo - explicou Juarez. - Consta que ainda fazem voos para a Lua, mas seus foguetes não pousam mais aqui. Vocês não vieram da Lua?

- Estávamos um pouco mais longe, por isso demoramos a chegar - desconversou Kameron. - Mas é bom saber que nossos colegas lunares ainda estão em atividade.

Na verdade, a notícia era péssima para as intenções de Kameron. Dentre os membros da colônia marciana, havia vários acionistas das minas lunares, que agora eram controladas pelos antigos trabalhadores e dificilmente cederiam pacificamente o comando para seus antigos chefes.

- Temos um novo objetivo para cumprir antes que possamos retomar nosso lugar na Terra - transmitiu aos membros da colônia em Marte. - É preciso reconquistar as bases lunares; elas possuem a infraestrutura e os suprimentos de que necessitamos.

Infelizmente para Kameron e seus expedicionários, a mensagem foi interceptada por uma nave dos mineiros a caminho da Terra.

- Então, os ratos estão escondidos em Marte - regozijou-se o comandante selenita ao ouvir a transmissão. - Vamos mandar um grupo para lá, desentocá-los.

Quando Kameron chegou à Marte, a colônia já havia caído nas mãos dos selenitas.

- [30-03-2022]