A Saga de Godofredo XI – Infiltrado

10.03.22

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Godofredo seguia em coma induzido no leito do hospital, e repentinamente o aparelho de monitoramento das suas funções vitais começou a assobiar. Alertados, enfermeiro e médico entraram no quarto. Atônitos e espantados viram que a pulsação e a oxigenação do seu sangue estavam aceleradas. Godofredo permanecia estático sem qualquer movimento.

-Manifestou sinais de recuperação da consciência. É um bom sinal. Vamos acompanhar para ver se é consistente, ou somente um espasmo que causou essa variação - disse o médico neurologista acompanhando os gráficos demonstrativos nos monitores do quarto da UTI.

A situação atual de Godofredo foi causada por um estúpido acidente de motocicleta. Naquele dia precisou ir buscar sal no supermercado próximo a sua casa. Godofredo gostava de cozinhar, e antes de preparar um prato, viu que não tinha o tempero. Pegou a moto, outra grande paixão, e saiu sem capacete. Ao passar por cruzamento que cotidianamente atravessava, inesperadamente cruzou-lhe a frente um carro não dando-lhe tempo para frear ou desviar. O semáforo estava verde para Godofredo. Colidiu fortemente com a lateral do veículo, sendo arremessado e batendo a sua cabeça contra a guia da calçada. Teve uma forte concussão cerebral. Desacordado, foi levado ao hospital e operado para a drenagem dos coágulos que surgiram no cérebro e induzido ao coma para a sua recuperação. Assim, permanecia Godofredo

Ele era casado e tinha dois filhos pequenos. Avisada a esposa na sala de espera do hospital da possível boa nova, entrou no quarto com os dois meninos.

-Doutor ele esta voltando? - falou ansiosa ao médico.

-É bom um sinal de que a sua consciência está tendo espasmos de recuperação. Mas, ainda é cedo para sabermos se vamos retirá-lo do coma induzido, pois o acidente completou um dia hoje. Vamos monitorar, e se os espasmos forem consistentes, o retiraremos do coma. Por enquanto, temos que aguardar a evolução do seu quadro clínico.

-Mamãe, papai está voltando a viver? - perguntou-lhe o filho mais novo.

-Sim querido, está voltando aos pouquinhos.

Hassan estava deitado em leito de um aposento na fortaleza de Saladino. Mira ao seu lado, lhe acariciava os cabelos. Estava muito fraco, pois perdera bastante sangue. O corte no braço foi suturado. A faca seria retirada naquela tarde. Nabi estava quieto sentado em um canto do quarto.

Quem lhe cuidava era o melhor médico de Saladino, Ibn Sina ou Avicena como era conhecido no Ocidente. Sabia-se que a medicina árabe era muito desenvolvida naquela época, mas não aceita pelos cristãos, que padecia de boas práticas. Fosse tratado em Malta correria risco de morte. A faca no seu ombro seria sacada pelo médico mouro através de complicada cirurgia. Hassan estava em boas mãos.

Saladino adentrou ao quarto. Olhou para Hassan deitado sob os afagos de Mira e disse-lhe:

-Que Alá lhe proteja meu nobre mercador Hassan! Foi muito honrado ao defender a minha filha da estupidez e impetuosidade de Schain. Sou-lhe grato. Não posso ter um genro que tenha repentes impulsivos. Preciso de lealdade e honradez, o que ele não demonstrou, pois não acatou a minha ordem de parar a luta e lhe golpeou covardemente no ombro, estando você indefeso. Poderia tê-lo matado!

Neste momento entra afoitamente o Ajudante de Ordens de Saladino:

-Grande Senhor Saladino, nossas naus capitânias foram incendiadas. A sua, a do general Abdul e mais uma estão totalmente carbonizadas. As demais seriamente danificadas.

Saladino espantado com a notícia ordena ao seu subalterno, depois de meditar por alguns segundos:

-Reúna agora o Alto Comando para uma reunião de emergência! - saindo do quarto também.

Nabi , ouvindo a notícia, falou na mente de Hassan:

-Conseguimos atrapalhar em parte a saída da flotilha de Saladino. Precisamos avisar Malta.

-Sim, mas espere a decisão da reunião do Estado Maior de Saladino para definirmos a nossa estratégia. Ele deve nos posicionar - respondeu-lhe Hassan.

Mira ao seu lado lhe dava forças para enfrentar o mundo. Suas carícias eram deliciosas e reconfortantes. Revigorantes. E o seu olhar cândido e sensual deixava-o relaxado e nas nuvens. Hassan adormeceu.

Foi despertado pela conversa de Saladino com Nabi. Mira seguia ao seu lado com leve sorriso de felicidade nos lábios. O sultão dirigiu-lhe a palavra:

-Ah nobre mercador, que bom que despertou. Tenho que lhe comunicar as nossas decisões.

-Sim grande sultão, o que decidiram?

Nabi taciturno coçava o queixo, já sabedor do que definiram. Estava sério. Hassan preocupou-se. Saladino começou a falar:

-Nobre Hassan, definimos que a sua nau será confiscada e integrada à nossa flotilha de ataque a Malta. Ela será a minha nau capitânia. Você está sendo designado meu subcomandante, pois não posso negar a sua lealdade e hombridade demonstradas na defesa da minha filha. E ela tem muito afeto e carinho por você. Está a sua cabeceira desde que foi ferido sem arredar pé. E vejo ser recíproco esse sentimento. Também, ordenei a adaptação de seis navios de transporte de tropas para capitânias, o que deve demorar pelo menos uma semana. Até lá estará recuperado.

Mira sorria feliz de satisfação. Nabi continuava sério. Hassan seria agora um infiltrado no alto comando sarraceno. Nada melhor. Agradeceu a Saladino:

-Grato pela honraria grande Sultão. Que Alá nos faça vencedores. Conte com minha lealdade - olhando apaixonado para Mira.

Nabi lhe encarou com olhar de questão. Hassan vendo a sua angústia, lhe falou em sua mente:

-Nabi nada melhor do que estarmos no âmago do poder decisório inimigo. É perfeito. Teremos todas as informações previamente, poderemos passá-las aos nossos companheiros e sabotar algumas ações. E uma semana para a partida da flotilha, era o que precisávamos. Melhor impossível!

-Sim, mas lutará nas batalhas contra os seus? E Mira, saberá que você é um cruzado? Saladino o transformou em seu futuro genro. Terá que casar com a filha do nosso maior inimigo. Como fará? - questionou-lhe Nabi preocupado.

-Calma Nabi, tudo se resolve. Como diz o ditado: temos que comer o elefante aos bifes. Por enquanto vamos continuar nesta situação privilegiada que nos aconteceu graças a Mira. Não fosse ela ter me seduzido e eu me apaixonado, nada disso estaria acontecendo. E mesmo você me alertando dos riscos em me envolver com ela, aconteceu inesperadamente o melhor para nós. Vá ao nosso acampamento e informe a Halim e Abbud da nova situação, pois eles devem comandar a agora nova nau capitânia de Saladino! Que Deus nos ajude!

Avicena veio buscar Hassan com ajudantes para ser transportado em uma maca até o local em que ocorreria a operação. Mira o acompanhou, mas foi impedida pelo médico à entrada da sala.

-Por favor, fique aqui princesa Mira, pois o procedimento será demorado e teremos de sedá-lo. Vossa alteza deveria descansar um pouco. Ao final, lhe chamarei. Correrá tudo bem, lhe prometo - diz o médico.

-Grato doutor. Posso me despedir dele?

Avicena balançou a sua cabeça afirmativamente. Mira abaixou-se na maca e deu um beijo longo e carinhoso nos lábios de Hassan.

-Estarei te aguardando meu amor.

Nota do Autor:

É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 10/03/2022
Reeditado em 10/03/2022
Código do texto: T7469614
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