A Saga de Godofredo X – O Duelo
06.03.22
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Completaram a descarga dos tonéis ao final do dia e voltaram para o acampamento com o navio vazio. Foi trabalhoso. O único contratempo foi o pequeno abalroamento com o navio do general Abdul, vindo então Hassan a conhecer seu filho Schain, concorrente pelo amor de Mira. Talvez fosse esse o seu maior desafio. A missão correria bem. Tinha Hassan certeza que sim.
Ancoraram e desembarcaram. Hassan, Nabi, Halim e Abbud foram para a tenda. Estavam exaustos e não teriam muito tempo para descanso. Hassan e Nabi iriam ao jantar; Halim e Abbud coordenariam o ataque às naus capitânias na próxima madrugada. Reuniram-se. Hassan repassou o plano detalhadamente para que não houvesse qualquer dúvida. Todos tinham a missão na cabeça. Os assasin já estavam em posição para o ataque aos navios com flechas tochas de alcatrão e para matar as sentinelas das naus antes do início do incêndio. Estavam prontos. A ação começaria ao clarear o dia. Era o combinado.
Hassan e Nabi prepararam-se para o jantar. Estava quase no horário. Colocaram suas melhores túnicas e partiram para a festa. O coração de Hassam batia forte de ansiedade. Então Nabi , a sua consciência, lhe falou em sua mente:
-Você é Godofredo, não Hassan, certo! Aja como Hassan, mas pense como Godofredo Não se envolva com a princesa, ela é o seu maior problema!
Hassan seguiu mudo. Chegaram à fortaleza de Saladino que estava intensamente iluminada. Bandeiras de cada batalhão estavam desfraldadas por sobre os muros da fortificação, guardadas por soldados uniformizados com as cores da cada uma. Havia, por toda a fortificação, muitos soldados bebendo e comendo. Isso era ótimo para a missão, pois estariam bêbados quando acontecesse o incêndio dos navios.
Muitas pessoas entravam no enorme salão de festas ricamente decorado com arabescos e filigranas mouriscas. O dourado imperava. Uma enorme e comprida mesa com a cadeira do sultão ao meio destacava-se nos fundos do salão. Saladino ainda não chegara. Seus generais já estavam sentados. Mira também não estava. Hassan procurou pelo salão, mas não a encontrou. O general Abdul estava à direita da cadeira de Saladino com seu filho Schain ao seu lado. Hassan mirou-o. Ele também. Seus ressentimentos não haviam se esvanecido. Nabi puxou Hassan pelo braço para sentarem em uma mesa lateral muito próxima à principal. O local era privilegiado. Via-se a mesa do sultão em sua totalidade. Schain acompanhava-os com o olhar, Nabi cumprimentou-o com reverência,mas Hassan não. Este ficou como um gato, com o olhar fixo em Schain.
Tambores rufaram, e por uma porta lateral Saladino entrou usando túnica preta com contornos dourados, acompanhado de Mira de odalisca negra.
-Linda! - murmurou Hassan boquiaberto, sendo censurado com o olhar por Nabi. Schain notou o comentário de Hassan. Era o que não poderia ter acontecido, pois confirmava assim suas suspeitas sobre Hassan estar cobiçando sua futura esposa. Olhou fulminante para Hassan, apertando com fervor o cabo da sua espada. Nabi percebeu a situação e passou a Hassan um copo com Arak, para desviar-lhe a atenção. Hassan estava estático e obcecado por Mira, deixando Nabi com o copo na mão.
-Godofredo, pegue o copo e pare de olhar para Mira! – disse-lhe Nabi com voz forte em sua mente. Hassan acordou do seu embevecimento, voltou seu olhar para Nabi e pegou o copo.
-Schain notou o seu olhar obcecado para Mira e está furioso. Pare com isso Godofredo – completou Nabi!
Godofredo, ou Hassan, recuperou a razão e assentiu com a cabeça aceitando seu erro. Mas, seu sentimento era o de ir até ela e beijá-la apaixonadamente. Ela era irresistível. Teria que se controlar, pois a missão seguia, até aquele momento, conforme o previsto, não podia pô-la em risco. Sentou-se de forma que não trocasse olhares com Schain.
-Que Alá esteja convosco, nobres irmãos guerreiros! Amanhã partiremos para Malta. Lutaremos a grande batalha para controlarmos as rotas comerciais dos Cruzados no Mediterrâneo. Que Alá nos proteja e nos faça vitoriosos – bradou forte Saladino empunhado alto a sua adaga!
-Que Alá nos proteja e nos faça vitoriosos! – gritaram todos em uníssono brandindo suas adagas no ar. Hassan e Nabi seguiram a multidão. Schain acompanhava todos os movimentos de Hassan.
Após a fala de Saladino, o jantar foi servido com as deliciosas iguarias da culinária árabe. Hassan e Nabi se contiveram tanto na comida, quanto na bebida, pois precisavam estar alertas. O jantar seguiu noite adentro. A beberagem era muita, com vozes e risadas altas ouvidas por todo o ambiente. O povo estava descontraído como Saladino, que conversava sorridente com seus comandantes. Mira , sentada ao lado do pai, era só olhos para Hassan, que a muito custo desviava os seus. Ela o enfeitiçava. Schain fulminava Hassan com seu olhar. A tensão entre eles estava em grau máximo.
Rufaram novamente os tambores, e por outra porta lateral entraram músicos e algumas dançarinas para alegrar o ambiente. Palmas começaram a ser batidas para acompanhar a música e a dança. Todos no salão estavam muito animados e alegres.
Mira levantou-se e caminhou ao centro do salão com seus passos leves. Ia balançando seu corpo vestido com uma fina seda preta que mostrava toda a volúpia e a sensualidade do seu ser. Olhava intensamente para Hassan.
Os músicos começaram a tocar e as bailarinas fizeram uma roda com Mira ao centro. Ela começou a dançar com movimentos ritmados de braços e pernas. As dançarinas acompanhavam-na. Então, iniciaram fortes batidas no “Derbak” (uma espécie de atabaque) ao qual Mira estremecia e contorcia seu corpo e abdômen intensamente. Hassan continuava estático e enfeitiçado por essa exibição. Encarava-a intensamente. Mira executava a dança do ventre para ele.
Schain enfurecido de ciúmes saiu da mesa e foi até Mira, pegando-a fortemente pelo braço. Mira estava em frente à Hassan.
-Venha – gritou-lhe Schain rudemente!
Mira desvencilhou-se. Schain deu-lhe um tapa no rosto. Hassan levantou-se, puxou a adaga e interpôs-se entre Schain e Mira protegendo-a com suas costas. Schain também puxou sua adaga e avançou contra Hassan com um grito furioso. Hassan se defendeu. Schain tirou uma faca do cinto e voltou impetuosamente ao ataque, rasgou a manga da túnica de Hassan ferindo-o com um corte profundo. Hassan recuou. Mira tremia de medo. Hassan indicou-lhe, para proteção, a mesa atrás deles. Nabi a ajudou. Hassan agilmente arrancou a toalha de uma das mesas e a jogou na faca de Schain, que perdeu a concentração. Hassan deu um forte golpe arrancando a adaga do oponente. Hassan iria abatê-lo. Mas, Saladino percebendo o que ocorreria, berrou forte no instante em que Hassan vitorioso colocava a ponta da sua espada no peito de Schain:
-Parem! Parem irmãos! Nossos inimigos estão nos esperando, não podemos lutar entre nós! Mira, recolha-se ao seus aposentos imediatamente!
Hassan abaixou a sua adaga do peito de Schain obedecendo à ordem de Saladino. Schain, com o olhar furioso, desvencilhou-se da toalha em sua mão e covardemente aplicou um golpe em direção ao pescoço de Hassan acertando-lhe o ombro direito abaixo da clavícula. A faca ficou enterrada. Hassan tombou no chão contorcendo-se de dor. Mira foi ao seu socorro segurando-lhe a cabeça no colo. Hassan sangrava pelos ferimentos. Schain fugiu do salão humilhado. Os primeiros raios do sol anunciavam o nascer do dia.
Nota do Autor:
É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.