Noite transiente
Fui ao cosmódromo me despedir de Ago Puhvel e sua família, no dia em que partiram para um dos planetas extrassolares. Mait, Laur, e seu grupo de insurgentes também já deviam estar a caminho dos seus destinos, para implantar a rede de comunicação instantânea alternativa.
- Não se esqueça de mandar notícias - solicitei ao meu amigo. - Embora, pelo correio convencional, elas levarão meses para chegar...
- Não há videntes suficientes para resolver esta questão - ponderou ele. - Alguém terá que inventar um meio universal de comunicação mais rápido do que a luz para contornar o problema.
Na prática, os militares possuíam métodos complementares que não eram instantâneos como o emaranhamento quântico dos videntes, e que necessitavam de grandes estruturas de apoio para funcionar, mas que permitiam reduzir o tempo da troca de mensagens para alguns dias. Isso, contudo, não estava acessível à população comum.
- E o que pretende fazer, agora que faz parte da rebelião? - Indagou Ago, já se preparando para embarcar no transporte que o levaria para a nave estelar em órbita.
- Talvez seja hora de também começar uma revolução na minha vida - refleti. - Há um mundo novo se abrindo com a rede instantânea alternativa...
Eu não havia contado para Ago que ficara com o bracelete de comunicação, através do qual o procedimento de emaranhamento fora realizado em Jõeäärne. Afinal, ele não era um vidente.
- Você não é obrigado a ficar com isso - comentara Laur quando retornei pela última vez ao laboratório clandestino, no bairro portuário. O local já havia sido esvaziado do equipamento sensível, e havia restado apenas a tranqueira que não despertaria suspeitas no caso de uma batida da SegInt.
- Vou guardar como recordação - foi minha resposta.
* * *
O pedido de conexão foi atendido na segunda chamada. Me vi transportado para um planeta extrassolar de céu púrpura, vendo e ouvindo através dos sentidos de Mait.
- Mairo! Que surpresa! Não sabia que ainda estava usando o bracelete... - disse ele mentalmente.
- Fui dizer adeus ao Laur e resolvi ficar com ele... como lembrança - repliquei da mesma forma. - Que planeta é esse?
- Hämar, 12 parsec distante de você. É o segundo planeta de uma binária, e a estrela central deve nascer em mais alguns minutos; as noites aqui são bem curtas...
- É bom poder ver lugares onde nunca colocarei os pés - comentei. - E como vai o plano de implantação da rede?
- Está seguindo conforme o planejado; devo concluir minhas visitas aos demais clones em mais um dois meses. A partir daí, iniciamos a fase de testes.
- Quantos de nós há por aí? - Indaguei.
- Em Hämar? Apenas três, não é um mundo de grande importância estratégica. Mas se está falando de todos os planetas onde a resistência possui interesse, nosso número chega a várias centenas.
- Como se fosse um exército de clones - sugeri.
- Talvez possa pensar em nós desta forma - admitiu Mait.
- [Continua]
- [06-03-2022]