A Saga de Godofredo IX – O Encontro
02.03.22
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Era o dia da entrega dos tonéis de azeite e alcatrão. A ação começaria. Hassan estava fora da tenda vendo o sol nascer no horizonte. Era um belo alvorecer. Pensava em Mira. Estava apaixonado. De fato, ao vê-la, seu coração disparava e a sua boca secava. Ficava nervoso. Era incontrolável e arrebatadora essa sensação. E agora havia Schain, filho do braço direito do grande sultão e pretendente oficial de Mira. Como seria o encontro com ele no jantar naquela noite?
- Você precisa voltar a ser Godofredo, responsável pelo sucesso da nossa missão e esquecer que é Hassan. Lembre-se qual o seu papel. Será a sua prova de fogo – fala Nabi !
Hassan voltou do seu pensamento respondendo-lhe:
-Sim, tem razão. Preciso distanciar-me dela. Não posso causar qualquer incidente e colocar em risco a nossa empreitada. Vou me controlar. Mas, você sabe como é difícil lutar contra o nosso coração.
Ouviram o tropel de cavalos chegando. Era o capitão Zair, intendente de Saladino, vindo acompanhar a entrega. Hassan e Nabi foram ao seu encontro.
-Que Alá esteja convosco! Estávamos a sua espera, nobre capitão Zair. Nosso bote lhe aguarda para transportá-lo para a nossa nau –falou-lhe Nabi. Hassan se manteve taciturno.
-Ótimo! Podemos embarcar então? – respondeu Zair caminhando para o barco no qual Abbud o aguardava. Nabi o acompanhou. Hassan permaneceu junto com Halim. Disse-lhe, de forma incisiva, enquanto acompanhavam a partida do bote:
-Está tudo pronto e organizado como planejamos para o ataque Halim? Os assasin estão posicionados para a execução da ação? As diretrizes e orientações para a fuga também? Agora é executá-lo, esperando que não ocorra nenhum incidente.Que Deus nos proteja!
Abbud voltou para pegá-los. Subiram no navio. Zair com Nabi inspecionava os lotes de barris. Os de Saladino estavam em primeiro plano. Zair os avaliava cuidadosamente. Os barris de alcatrão com as marcas pretas descoradas propositadamente, não lhe chamaram a atenção. Tudo corria bem.
Depois de quase uma hora verificando a carga, Zair liberou para zarparem. Abbud soltou a ancora, eriçou as velas e a nau deslizou suave pelas águas azuis e cristalinas do mar. Com cuidado, pilotava o navio na direção da barra da entrada do porto de Sfax.
Cerca de meia hora depois entraram no canal, que estava congestionado pelos navios que chegavam da flotilha do general Abdul. Hassan acompanhava o enorme volume de barcos enfileirados entrando no porto. Ficou preocupado, pois, eram naus novas e maiores do que as tradicionais, transportando assim um número maior de tropas.
Abbud fez uma manobra repentina com o barco, virou de bordo e o emparelhou com uma das naus sarracenas, encostando a sua murada na do outro navio, ocasionando um pequeno choque. Mostrou toda a sua habilidade de mestre piloto. Era a do general Abdul, identificada pela bandeira em seu mastro, vermelha com o crescente branco no meio dela. As demais portavam bandeiras brancas com o crescente vermelho.
Hassan, coincidentemente, estava na amurada do lado do choque entre os navios, e viu na outra nau, um jovem árabe de cabelos e barba negros encostado na lateral. Ficaram frente a frente. Encararam-se. Hassan deduziu ser Schain. Trocaram olhares agressivos. Hassan sentiu uma raiva intensa cerrando os dentes. Seguiram assim, olho no olho. A tripulação do navio abalroado começou a gritar furiosa para se distanciarem. Alguns desembainharam suas adagas. Hassan passou a mão no cabo da sua sem tirar os olhos de Schain, que fez o mesmo. Os dois estavam em pé de guerra.
Capitão Zair aproximou-se da amurada em que Hassan e Schaim estavam prestes a se digladiarem e disse com voz apaziguadora ao jovem mouro:
-Que Alá esteja convosco meu nobre senhor Schain! Sou o capitão intendente Zair do nosso chefe supremo Saladino. Seu pai, o honorável general Abbud, me conhece. Estamos carregando carga de azeite para ser utilizada na batalha que logo acontecerá contra os cruzados em Malta. Desculpe-nos pelo acontecido.
-Que Alá esteja convosco! Sei quem é você capitão Zair – respondeu Schain, ainda encarando firme Hassan.
-Este nobre mercador ao meu lado, Hassan, é o responsável pela carga – completou Zair.
Hassan desviou o seu olhar do dele, fez reverência ao jovem guerreiro e cumprimentou-o:
-Que Alá esteja convosco, nobre senhor! Desculpe-me pelo ocorrido.
O General Abdul presenciando o corrido, aproximou-se para amenizar o estado de tensão reinante naquele momento:
-Que Alá esteja convosco querido irmão Zair! Faz tempo que não nos vemos, hein? E seja bem-vindo também nobre mercador Hassan, que nos ajudará a vencer a nossa grande batalha contra os cruzados em Malta, nos próximos dias.
Nabi e Halim também se aproximaram, foram apresentados ao general e ao seu filho. A iminência de um embate se desfez. Abbud freou o navio cargueiro, deixando o de Abdul seguir à frente sozinho. Os pretendentes de Mira se encontraram. O jantar daquela noite prenunciava ser tenso.
Nabi censurou Hassan falando-lhe em sua mente:
-Godofredo, você é um comandante cruzado em missão de sabotagem dos navios de Saladino. Não pode pensar com a emoção, e sim, com a razão! Agindo assim, comprometerá a nossa ação e porá todos nós em risco. Fique focado na execução de nossa tarefa! – disse repreendendo-lhe sua consciência Nabi.
Hassan seguiu quieto e sério até chegarem ao porto, no qual estavam ancoradas as naus de comando. Destacava-se a de Saladino. Era um navio grande e robusto, chamando a atenção por sua amurada toda dourada. Sua bandeira era vermelha com duas adagas sobre o crescente em branco.
Abbud ladeou a embarcação de Saladino e ancorou. A de Abdul estava a poucos metros dali. Hassan meditava enquanto os assasin colocavam as pranchas de madeira interligando os navios para iniciarem a descarga. Dirigiu-se a Zair:
-Nobre capitão Zair, temos que fazer duas descargas aqui e depois na entrada do porto para os demais navios de comando. A tarefa demandará mais tempo do que o previsto incialmente, porque não prevíamos essa nova nau capitânia. Por isso, gostaria de lhe propor descarregarmos a carga do navio do nobre general Abdul no cais do porto, deixando dois de nossos marinheiros a transportá-la. E assim, ficarmos liberados para seguir para os demais descarregamentos.
Capitão Zair avaliou o que Hassan lhe propunha e vendo que o processo se desenvolvia de forma tranquila, concordou.
-Fez bem Godofredo, pois assim, não encontrará novamente com Schain ao carregarmos o seu navio – ouviu a voz estridente de Nabi falar em sua cabeça.
Assim seguiu o descarregamento dos tonéis de azeite e principalmente os de alcatrão em todos os navios de comando, sem nenhum incidente ou suspeita. Estava tudo pronto. Mas, teria o jantar, Mira e Schain naquela noite. Godofredo pensava no ataque que aconteceria na madrugada seguinte. Sua parte Hassan pensava em Mira.
Nota do Autor:
É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.