O encontro
- E então, como foi a reunião com o pessoal do Diretório Estudantil?
Ago Puhvel e eu estávamos fumando numa das praças do Centro de Ciências Sociais, no intervalo entre duas aulas. A atividade não era muito bem vista na sociedade em geral, mas dentro da universidade era tolerada como uma demonstração de rebeldia. Juvenil, mas rebeldia.
- Eles sabem de alguma coisa sobre meus pais... ou deram a entender que sim - redargui, dando uma tragada.
- E te convidaram para se juntar a eles?
- Não houve um convite formal, pareciam mais interessados em me ouvir falar, a minha versão dos fatos.
- Imagino que tenham ficado decepcionados... - comentou Ago em tom de mofa.
- Eu não sei nada além do que a minha tia me contou, o que não é muito - defendi-me.
- Mas o que eles querem mesmo saber é se você tem ou não um irmão gêmeo, e aí voltamos ao cara que vi no metrô - avaliou Ago. - Para confirmar a teoria, eles precisariam colocar as mãos nele primeiro...
- Ocorre que você foi o único que viu esse suposto sósia - repliquei, batendo a cinza do cigarro.
- E eu não falei sobre isso com ninguém, além de você - Ago foi enfático. - Coincidência ou não, pouco depois o DE manifesta interesse no que aconteceu em Kuusirp, 18 anos atrás. Não acha um pouco de coincidência demais?
Balancei a cabeça, em silêncio.
- Acho que está na hora de você saber a verdade - prosseguiu Ago.
E diante da minha cara de interrogação, acrescentou:
- Ao menos, uma parte dela.
* * *
O Distrito Residencial Oeste VII ficava longe da minha casa, quase no fim de um dos ramais do metrô junto ao rio Hägune, e ostentava quadras com blocos de apartamentos de quatro andares, quadras com casas de dois e três dormitórios e centros comerciais e administrativos ao redor dos quais girava a vida da comunidade. Era ali que residia Ago Puhvel, mas não foi para lhe fazer uma visita que desci do metrô na estação Päevavalgus: ele havia me dado um endereço na parte velha do bairro, uma estreita faixa de construções decadentes imprensadas entre o conjunto habitacional e o rio.
- Se você quer respostas, memorize esse endereço - dissera ele, antes de queimar o papel que me exibira na universidade.
Sim, eu decorara o endereço e Ago me deu instruções de como chegar até ele.
- É importante que se vista como um operário, não vai querer chamar a atenção lá com essas suas roupas de universitário de classe média - enfatizou Ago com um sorriso irônico.
Fiz conforme me orientara, e naquela tarde, depois das aulas, saí das instalações relativamente limpas e modernas do metrô para as ruas esburacadas e enlameadas de Jõeäärne, o bairro decrépito à beira do rio. Os prédios, alguns com dez ou doze andares, certamente não haviam obedecido à nenhuma planificação governamental e apresentavam estilos arquitetônicos conflitantes e ultrapassados. Certamente, seria difícil perder-se ali, tal a quantidade de pontos de referência na paisagem urbana. Todavia, minutos depois eu estava pedindo informações à uma vendedora num carrinho de frutas; afinal, eu não nascera ali.
- Dobre na próxima à direita, e siga reto em direção ao rio. O endereço que você procura deve ficar quase na esquina, onde há uma lanchonete no térreo de um prédio rosa.
Entrei na rua indicada e comecei a pensar que não gostaria de estar ali depois do pôr do sol. Se a iluminação pública fosse tão precária quanto o calçamento...
- Está perdido?
A voz, afável, veio da minha esquerda. Olhei para a entrada de um prédio e vi um rapaz aparentando ter a minha idade encostado à parede, cabelo cortado num estilo militar, roupas velhas.
- Acho que já encontrei o lugar, valeu...
Ele aproximou-se mesmo assim, e parou à minha frente. Fez um aceno de cabeça.
- Você é realmente parecido comigo - declarou.
- [Continua]
- [02-03-2022]