O duplo
Eu estava tomando o café da manhã na cantina da universidade quando Ago Puhvel colocou a bandeja dele diante de mim, me encarando de um modo curioso.
- O que foi? Estou bonito? - Indaguei de boca cheia.
- Parecia com você - replicou de modo misterioso, sentando-se e abrindo a caixinha de leite.
- Quem parecia comigo? - Franzi a testa.
Ago encheu de leite um copo de papel encerado antes de responder calmamente:
- O cara que eu vi hoje de manhã no metrô. Esbarrou em mim, não tive como não olhar pra ele; se não fosse pelo corte de cabelo raspado nas laterais, quase poderia acreditar que era você. Mas, claro, ele estava indo na direção errada e você com certeza não cortou o cabelo.
- O tal cara era muito parecido comigo? - Questionei, intrigado.
- Como se fosse seu irmão - ressaltou Ago, tomando um longo gole de leite.
- Não tenho irmãos - retruquei, dando outra dentada no sanduíche de carne vegetal.
Ago deu uma risadinha.
- Dois de você seria insuportável, tenho que admitir.
- Mas você falou com ele? - Insisti.
Ago fez um gesto negativo.
- Apenas disse "desculpe" quando esbarrou em mim ao entrar no vagão; estava com pressa, mas é mais bem-educado do que você.
Resolvi não aceitar a provocação e continuei a mastigar o sanduíche.
* * *
Apesar de parecer apenas um acontecimento sem maiores consequências, me vi falando sobre ele naquela noite em casa, ao jantar com minha tia Kaidi. Ela me criara desde que meus pais haviam morrido num acidente industrial, 18 anos atrás.
- Ago viu alguém que se parecia com você no metrô? - Recapitulou ela, enquanto me servia de carne vegetal com batatas.
- Sim, disse que poderia se fazer passar por mim, não fosse o corte de cabelo militar.
Tia Kaidi balançou a cabeça em silêncio, como se estivesse processando a informação. Em seguida, comentou:
- Melhor não falar sobre isso com mais ninguém, mesmo com o Ago. Poderia levantar suspeitas.
- Qual o problema de haver alguém parecido comigo, tia? - Indaguei.
- Vamos supor... apenas supor... que você tivesse um irmão gêmeo, Mairo. Sabe das implicações, não sabe?
Fiz um aceno de concordância, petrificado. Sim, eu sabia.
- Mas isso... é apenas uma suposição, não é, tia?
- Coma seu jantar - replicou ela, calando-se em seguida.
- [Continua]
- [26-02-2022]