THORYN
Em um ano qualquer, num futuro distante, Thoryn acordou de repente, tivera um sonho estranho, com pessoas estranhas chamando seu nome, ele gritando e sendo segurado com força, numa situação onde ele tinha que ser contido. Ele gritava não, não...e mãos o alcançavam. Acordou assim, assustado. Ao fixar o olhar no teto, foi respirando devagar, e deixando o ar sair dos pulmões, lentamente. O ambiente em que se encontrava era na tonalidade branco marfim, com uma tênue luz branca e sibilante; havia uma porta na cor cinza, por onde ele acessava o banheiro. Demorou-se um pouco na cama, estava confortável ali, a cama era grande e macia; os lençóis eram agradáveis ao contato com a pele, e mesmo usados durante a noite, ainda conservavam um cheiro de roupa lavada.
Levantou e se sentou na beirada da cama, esfregou os olhos, espreguiçou e um pé após o outro, foi andando em direção a grande janela e murmurou:
- Luz do dia!
E num piscar de olhos, as cortinas foram se abrindo, lentamente e Thoryn tinha diante de si uma paisagem privilegiada da cidade. Ao ajustar melhor o olhar pode ver alguns prédios brancos, outros acinzentados, que emolduravam a paisagem. O sol, pálido, rumava no céu, ostentando uma valentia inclemente, como que a desafiar os tais habitantes e suas engenhocas voadoras. Sim, sobrevoavam num céu futurista, carros voadores movidos a energia elétrica, sem barulhos e sem nenhum vestígio de poluição. Seus ocupantes, iam para a suas rotinas, sempre solitários em cada bólido voador, para aliviar a sensação de solidão ou falta de companhia, os carros dispunham de um sistema inteligente de mídia, tanto em áudio/visual, podendo o ocupante deixar no piloto automático, e ficar a ler seus artigos na grande rede, ouvir música ou mesmo assistir algo engraçado na tela disponível na parte frontal do carro. Lá embaixo pairava uma névoa submissa que encobria as outras edificações; o clima da estação era frio e nebuloso, aliás, fazia anos que a nova civilização lidava com esse clima estranho; um sol que parecia sempre mais distante, com baixa luminosidade, chuvas esporádicas, agora; as pessoas já haviam se acostumado com aquele ar úmido, frio e melancólico.
Thoryn se virou, voltou a cama, sentou-se e disse, secamente:
- Ivy, providencie o meu café e o carro para eu sair daqui uma hora.
Em seguida, uma voz feminina e límpida, demonstrando eficiência e informalidade, o acolheu;
- Pois não, Sr! Está sendo providenciado.
Ele limpou de novo os olhos, pestanejou e se dirigiu ao banheiro. Tomar um banho antes do café para se reanimar. Abriu a porta cinza metálica com a mão, não pediu por voz, ás vezes, era melhor fazer algo, sem este comando, sentia-se melhor.
Tirou a roupa, jogou dentro de um receptáculo, onde se recolhia as roupas usadas e eram enviadas um sistema de lavanderia ultramoderno no próprio prédio; depois da lavagem, as roupas passavam por secagem e vaporização e, eram devolvidas ao morador, com um selo de certificação de limpeza e eficiência. Tudo na lavanderia era automatizado, sem contato manual.
Tudo era muito limpo, prático e asséptico. Viviam num mundo sem feiuras ou sujeiras, quase tudo automatizado e sem desvio de programas padrão de eficácia.
Ele ligou o chuveiro e sentiu o toque energético da agua ao tocar seu corpo. Fez também sua higiene bucal. Despertava ali.
Depois de tomar um banho, escolheu uma roupa apropriada e se vestiu. Pediu via comando de voz, e Ivy ligou o som; ele escolheu aleatoriamente uma música, ficou ouvindo e se penteando, quase neste mesmo instante, um toque na porta e ele deu comando de voz para entrar, ao abrir a porta, acessa o ambiente um robô, bem articulado, no que diz respeito às suas engrenagens e placas de metal ajustadas ao modelo. Este trazia empurrando uma pequena mesa de metal, em cima da qual, via-se uma jarra, uma xícara azul e frutas, tudo bem arrumado sobre uma toalha branca e limpa. Thoryn quase não comia nada no café da manhã, se satisfazia com café e uma fruta; a próxima refeição ele comia um pouco mais, com grãos e algumas outras iguarias que saciassem seu apetite.
O robô-mordomo, adiantou o passo, deu meia volta na pequena mesa e com um refinamento, admirável, para uma máquina, pegou a xicara azul, a preferida de Thoryn, e nela despejou o café; virando-se ofertou ao dono da casa. Tudo feito mecanicamente calculado, sem erros nos gestos e movimentos.
Thoryn pegou a xícara e sorveu um gole, sentiu o líquido a descer pela garganta, aquele gosto amargo, isto o mantinha alerta e aguçava seus sentidos. Enquanto bebericava seu café, vinha a sua mente a rotina do dia; tinha ele a responsabilidade de uma equipe médica no hospital local. Tinha prestígio na área médica devido as suas intervenções nada convencionais nas quais obtinha bons resultados em cirurgias e com pacientes lesionados, traumatizados ou mesmo alguma alteração genética que fosse indicativa de sua atuação como especialista na área. A medicina avançará muito nos últimos anos e, muitas doenças e moléstias foram erradicadas; alguns problemas orgânicos e físicos oriundos de traumas, eram resolvidos com regeneração plasmática, e outras intervenções da moderna medicina
Estranhamente, o sonho vinha a sua mente, coisa esquisita aquilo. Ele bem sabia o mecanismo dos sonhos, havia sempre algo a ver com tudo que ele mantinha no inconsciente. Havia meses, ele estivera naquelas câmaras de sono profundo para adentrar o inconsciente e buscar estudar seus efeitos, que apesar da modernidade, ainda trazia muitos enigmas aos pesquisadores e cientistas. Nunca tivera nada de traumático com relação a imagens oníricas, mas este sonho esquisito, o perturbara. Ficou pensativo, enquanto o autômato só aguardava novas ordens em silêncio.
Depois de beber o café e comer uma fruta, levantou e se disse satisfeito, assim o robô, atendeu sua ordem, recolheu tudo e simetricamente, passo por passo, se dirigiu a porta, abriu e se retirou, silenciosamente.
Ele estava pronto para sua rotina, com uma reunião de equipes e atendimentos, que dependiam da sua avaliação. Levantou-se e foi pegar seu tele comunicador, o acoplou na lapela do casaco que utilizava. Deu o comando de voz:
- Desligue tudo! E saiu.
Num instante, luzes e som, foram desligados, e o ambiente ficou silencioso e vazio, sem nenhum vestígio de vida nele.
A porta se fechou atrás de si, automaticamente, ele começa a seguir o corredor, não dá nem cinco passos, e ouve uma voz:
- Senhor, senhor! Pare! Pare! Senhor!
Não, não....
Abre os olhos, e se vê sendo segurado e contido. Dor, ele sentia muita dor.
Uma voz se aproxima, ele abre lentamente os olhos, e vê embaçado, um vulto que diz:
- Senhor! Pode me ouvir? Fique calmo. Estamos aqui para ajudá-lo.
Tenta se levantar, não consegue. Sente mãos o segurarem firmemente, tem mais pessoas na sala, o vulto reaparece do outro lado.
- Senhor, vou aplicar uma injeção, tudo vai ficar bem. Relaxe um pouco
Ele não consegue responder, sente um liquido viscoso e dolorido a entrar no seu corpo e percorrer as veias, queimando feito fogo. Tudo fica enevoado, sente-se desconectado. O corpo adormecido.
- Ele acordou muito agitado! São as dores. Falou a voz feminina.
-Hum, hum... ainda precisa de minha ajuda? Tenho uma drenagem do paciente no leito 15 para fazer. Disse, secamente, a voz masculina.
- Não, agora não. Tudo Ok! Também tenho outros pacientes para atender. Respondeu a voz feminina.
Ruído de passos. A porta se fecha num baque seco.
O quarto ficou envolto numa tênue luz branca e sibilante.
Conto selecionado para a Antologia da Revista Conexão Literatura -
Tema: Futuro
https://www.revistaconexaoliteratura.com.br/2022/02/confira-lista-dos-autores-selecionados.html