A Saga de Godofredo IV – Habu e Hanu
15.02.22
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Aportaram em Lampedusa no início da tarde. Estavam mais tranquilos após batismo de fogo, ou melhor, de espadas, mesmo Hassam não tendo participado da luta com os piratas. A vitória nesta primeira batalha lhes fizera bem. Os Assasin feridos foram levados aos médicos.
-Estava louco para entrar na luta com os piratas Hassan? - perguntou Nabi, ainda sentado como uma estátua no mesmo barril de azeite desde o início da viagem.
-Sim, claro, mas os soldados não me deram chance. Foram fulminantes. E, contar com eles na nossa missão, me tranquiliza. Mas não faltará oportunidade, não é mesmo Nabi?
Permaneceram no navio ancorado o resto da tarde recuperando-se da batalha. No início da noite eriçaram as velas da nau cargueira e deslizaram suavemente pelas águas calmas do Mediterrâneo rumo à Sfax, na costa norte da África, local em que estavam os inimigos. Chegariam ao início da tarde seguinte.
A travessia foi tranquila, não apareceram mais piratas, somente outros barcos cruzando em direção contrária. Godofredo, ou Hassan, aproveitou para observar melhor os detalhes da geografia no mapa que o capitão Halim lhe dera. Já tinha a visão do recortado do relevo da costa no horizonte no dia que amanhecia. Cons ou Nabi continuava impávido sentado em seu tonel de azeite como uma perfeita estátua, parecendo estar desligado de tudo e de todos.
-Não estou fora do ar não, Godofredo. Estou deixando a sua mente conduzir as suas reminiscências genéticas sem qualquer freio para ver suas reações. Em situações difíceis, estarei pronto para lhe ajudar, pois sou a sua consciência, lembre-se - fala Nabi em sua mente com sua vozinha estridente e metálica!
A costa norte-africana se aproximava e mais embarcações navegavam em direção ao porto. Ótimo, passaremos despercebidos – pensou Hassan.
Na entrada do molhe do porto da cidade de Sfax via-se o aglomerado de naus militares ancoradas lado a lado. As tripulações em um leva e traz frenético, como formigas, supriam as embarcações de mantimentos para a travessia. A partida estava prestes a acontecer .
-Precisaremos agir logo – fala Hassan para Halim, observando também a cena.
-Sim. Os espiões mudos devem estar nos aguardando e nos conduzirão para o local das naves capitânias. Eles virão até nós em um barco a remo como combinamos. Iremos ancorar ao largo da entrada do porto, perto da desembocadura do rio e das salinas – disse Halim apontando o local com seu braço e dedo indicador esticados.
-Porque são mudos e não surdos? – questionou Hassan curioso.
-Tiveram suas línguas cortadas para não falarem, caso capturados – diz Nabi com sua silhueta redonda e cômica em túnica e turbante bege, mais parecendo um saco de aniagem ambulante.
A nau baixou as velas e lançou âncora, com o barco dos espiões aguardando-os. Aproximaram-se e subiram a bordo. Eram quase da mesma estatura e compleição, pareciam irmãos.
-São gêmeos – fala Nabi indo cumprimentá-los na maneira muçulmana. Hassan e Halim o acompanharam.
Os irmãos usavam túnica e turbante marrom escuro. Suas estaturas eram medianas, seus olhos negros e fundos, seus rostos queimados do sol como uma uva passa. O detalhe que chamou a atenção de Hassan foi que um tinha barba cerrada e o outro não. Era a forma de diferenciá-los. E quais eram os seus nomes?
-Bem-vindos Hanu e Habu, meus queridos amigos e companheiros. Aqui está o comandante Hassan, e ao seu lado, o capitão Halim. Que Alá esteja convosco! – diz-lhes Nabi fazendo uma reverência, retribuída da mesma forma pelos gêmeos mudos aos três. Hanu era barbudo, Habu não.
-Pelo que vimos no porto os sarracenos estão nos últimos preparativos para a partida e precisamos agir com rapidez. De imediato iremos ao local em que estão as embarcações de comando para planejarmos as ações – fala Hassan de forma contundente e imperativa, como deve ser um comandante! Seu árabe estava perfeito. Os irmãos aquiesceram com movimento simultâneo de cabeça. Faziam tudo igual, como um espelho.
-Mas teremos que nos encontrar com o Intendente do exército para combinar a entrega da carga de azeite. Será a situação mais crítica, pois eles podem desconfiar de você, Hassan, já que não é um comerciante costumeiro aqui em Sfax. Nosso aliado em Tunes tem tudo acertado com o Comandante Supremo dos sarracenos, facilitando um pouco o encontro – completou Halim.
-E quem é ele? – pergunta Hassan.
-Saladino!
Hassan sentiu um leve tremor de preocupação em sua coluna, pois era notória a astúcia, a inteligência e a fama das campanhas e conquistas desse lendário comandante árabe, sendo ele naquela época senhor de quase todo aquela região.
-Irei me encontrar com ele então?
-Sim, ele acompanha pessoalmente as ações de preparo das batalhas e deve estar na reunião com o Intendente. Portanto, prepare-se. Nabi vai estar junto para lhe dar apoio.
Então, Habu tirou um papel de sua túnica e começou a escrever em árabe, entregando-o a Hassan. Hassan surpreendeu-se em ler aqueles desenhos, pois não sabia que lia aquela língua, que dizia:
“Querem receber logo a carga para partir. Não esperarão muito”
Hassam pensou alguns instantes e respondeu:
-Entendo, mas temos que retardar ao máximo a entrega para ganharmos tempo para preparar o nosso ataque. Amanhã cedo iremos ver: o local, a posição, o relevo, as rotas de fuga, o efetivo de suas tripulações e demais condições para estudarmos e definirmos a estratégia de ataque. Acho prudente conhecer muito bem as condições do local e vizinhança para não sermos pegos de surpresa por algum imprevisto. O planejamento é fundamental para o sucesso da nossa missão.
-E como iremos retardá-los? –pergunta Halim
-Vamos enviar Nabi com uma carta de apresentação solicitando alguns dias para a entrega. Junto irá uma carga de azeite para verificarem a qualidade e a procedência. Ele é um dos comerciantes que nosso aliado de Tunes informou aos mouros. De presente, entregará a Saladino uma adaga, com pedras preciosas incrustradas em seu cabo, que separei quando da partilha do saque dos piratas. Também, há outras peças interessantes que poderiam ser levadas a ele, como sinal de respeito e boa relação comercial.
Houve um breve silêncio entre eles, depois quebrado pelo assentimento de Halim, Hanu e Habu.
-Perfeita a sua estratégia , raciocínio e prudência como um líder deve ter! – ouviu Nabi em sua mente.
Nabi sentou-se em uma mesa, e começou a redigir a carta endereçada ao grande Saladino. Começava a missão de fato.
Godofredo estava empolgado pela aventura que em sua memória primordial se desenrolava. Vivenciava a sua herança genética de forma viva, mesmo estando em coma em um hospital.
Nota do Autor:
É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência