A malha
Em algum lugar no espaço e tempo alguém se pergunta: "O que sou?". E, após muitas conjecturas, conclui: "Carne, osso e pensamento... Mas o que é pensamento? Nada. Sou carne e osso". Esse mesmo ser agora num outro ponto do espaço e tempo faz novamente a questão... Porém em condições mentais muito diferentes.
Ora, milhões de conexões se estabeleciam em menos de um segundo na mente de A..., os problemas outrora complexos se tornavam incrivelmente simples.
— O que é isso? — ele pensava. — Como posso me lembrar de tantas coisas? Pois me lembro minuciosamente dos acontecimentos mais insignificantes da minha vida, e cada página de cada livro que li, apresenta-se com uma clareza sem precedentes. É certo que me considerava um amontoado de átomos, com minha consciência estando restrita às conexões cerebrais, mas como explicar tamanha expansão do pensamento?!
Então, A... ouviu duas vozes em volta si:
— Será mortífero. — dizia alguém. — Essa mente é uma arma de grosso calibre!
— Servirá bem aos nossos objetivos. — redarguiu a outra voz de um homem.
Nesse momento, A... percebeu que estava em uma espécie de laboratório e, embora considerasse isto até então como algo inexequível além da ficção científica, tudo indicava que as vozes eram de cientistas que realizavam experiências com seu pensamento. Mas como? Sua mente havia sido vasculhada. Impossível. No entanto, o que significava o aumento vertiginoso das memórias, quase como se as limitações do cérebro humano não existissem mais.
De repente, tudo a sua volta desapareceu e ele passou a ouvir uma outra voz em sua cabeça dirigindo-se a ele:
— A..., está me ouvindo?
— O quê? Sim... Quem é você? Algum tipo de ser imaterial?
A voz em sua cabeça riu e respondeu:
— Quase isso... No momento, não poderei explicar tudo, mas se pode dizer que eu sou imaterial, assim como esses cientistas que realizaram experiências empíricas com a sua mente, e agora até mesmo você é imaterial.
— Hum... Isso significa que o cérebro humano é apenas um acessório o qual impede que a mente aja com todo o seu potencial e, nesse momento, estamos dispensando esse acessório? — A... indagou, abismado.
— Sim, embora o cérebro junto à construção corporal aprisione a mente apenas temporariamente, possibilitando que essa se expanda muito mais. Nesse momento sua mente está livre, porém preciso que finja estar preso nas malhas de uma certa rede muito inteligente, mas que tem finalidades inescrupulosas.
— Mas porque eu gostaria de estar preso se posso estar livre?
— Porque poderá ajudar muitas pessoas. De qualquer forma, se não quiser, outros haverão de fazer.
O ser misterioso fez menção de se retirar, e quando A... tentou chamá-lo, viu-se frente a frente com os dois cientistas que fizeram experiências com o seu pensamento.
— Deus... Eu conheço vocês!! — disse A..., embasbacado.
Ele se lembrava desses homens como seres de notória inteligência.
— Aqui sou conhecido como Dr. Cliv e esse é meu assistente Dr. Brid. — disse um dos homens enquanto o outro ria.
— Graças ao Dr. Cliv e suas pesquisas — disse o assistente. — você expandiu muito a sua inteligência e agora trabalhará conosco em uma missão muito importante.
A... estava muito impressionado. "Tais homens trabalhando juntos", pensava, "conhecendo os meandros da mente humana... e manipulando". Os olhares dos cientistas pareciam esconder algo de profundamente sombrio.
— Logo você abandonará esses escrúpulos pouco pragmáticos — disse o Dr. Cliv, lendo os pensamentos de A... — Eu e o Dr. Brid estamos aqui há bastante tempo para saber que essas interposições morais só nos atrapalham.
Os cientistas não demonstraram saber nada sobre a outra voz que conversou com A..., mas como era possível se eles liam o seu pensamento? Talvez ele estivesse sendo vítima de um grande jogo ou então o ser misterioso conseguia estabelecer uma espécie de canal inacessível aos dois gênios sombrios.
— Você verá — afirmou o Dr. Cliv. — que nossas mentes podem expandir infinitamente, mas para isso é preciso moldar as mentes mais fracas para que sirvam aos nossos objetivos.
— Sem as mentes mais inteligentes no controle, o mundo seria infinitamente mais caótico — afirmou o Dr. Brid.
A... ainda estava tentando entender como os dois cientistas não sabiam nada sobre a voz do ser misterioso, sendo que podiam devassar a sua mente. Foi quando ouviu novamente a voz na sua cabeça:
— Eles não tem acesso a esse ponto da sua mente e a nada que se refira a nossa conversa. A propósito, meu nome é Ertas.
— Prazer em conhecê-lo, Ertas! Será que pode me ajudar a fugir desses dois malucos?
Nesse momento, o Dr. Cliv chamou sua atenção:
— Veja A..., — apontou, mostrando uma espécie de mapa cibernético. — é aqui que você vai atuar. Governantes, militares e traficantes estão todos interligados. É preciso mostrar quem é que manda!
A... estava muito assustado, o que deveria fazer era ser uma espécie de comandante das mentes menos capazes. Para qual finalidade? Construir um sistema global mais eficiente, dizia o Dr. Cliv. O protocolo incluía o apagamento de mentes e maldades pontuais, visando uma finalidade grandiosa.
— A..., — agora dizia Ertas, sem que pudesse ser percebido pelo Dr. Cliv e seu assistente. — Eu também sou cientista e, assim como você, jamais usaria o meu intelecto para fazer o mal. Entretanto, as configurações do mundo real ora são completamente diferentes, os preconceitos que nos atravancavam já não fazem mais sentido. Esses dois cientistas a sua frente eram homens relativamente bons para os padrões sociais, mas agora estão presos numa malha infinitamente inextricável de forças mentais; somente o esforço na direção oposta do mal, de mentes como você e eu, poderá despertá-los.
Nesse momento, o Dr. Cliv mostrou como A... deveria projetar sua mente em um determinado ponto no espaço e tempo para em seguida estabelecer conexões com as mentes mais fracas.
A... viu-se movido por impulso, sentindo-se incapaz de agir diferentemente. Logo começou a interagir com milhares de mentes, e podia perceber o temor e a subordinação na maioria delas.
"Olá, chefão! Devo executar ou não?", perguntava uma dessas mentes, "estou aguardando ordens". E A... tinha que seguir o programa estabelecido pelo Dr. Cliv para tornar as coisas melhores e mais eficientes.
Assim, passou-se um mês, e todo o potencial da mente de A... estava sendo utilizado com sucesso. Dr. Cliv o considerava um gênio, embora as mentes mais fracas subordinadas a A... tinham a impressão de que ele era alguém profundamente maligno.
No entanto A..., estava apenas fingindo. Durante todo o tempo, Ertas conversava com ele passando instruções, sem ser percebido pelos dois gênios diabólicos. Além do Dr. Cliv e do Dr. Brid, havia outros cujo o alcance da malignidade não cabe nessa história.
O plano de Ertas era que A... passasse comandos benignos disfarçadamente. Ertas não trabalhava sozinho, dizia ter uma equipe de cientistas ao seu lado, homens e mulheres dispostos a ajudar A... e a toda a humanidade.
E assim um cerco foi sendo feito sem que o Dr. Cliv percebesse. Até que um dia ele se dirigiu a A..., irritado:
— Você tem agido com bondade demasiada. Tenho recebido comunicações em tom de desafio de mentes que antes eram totalmente temerosas.
— São rebeldes, logo serão devidamente educados. — disse A..., orientado por Ertas.
O Dr. Cliv assentiu com a cabeça. Mas, desde então, sentia-se cada vez mais fraco, e as mentes subordinadas estavam cada vez mais fortes.
Eis que chegou o momento de A... revelar aos gênios do mal sua verdadeira função. Dr. Cliv, Dr. Brid e outros cientistas malignos estavam na sala:
— Eu jamais poderia agir criminosamente, como vocês fazem — falou A..., dirigindo a todos. — se temos uma mente mais poderosa devemos ajudar e proteger as mentes fracas, não oprimi-las para supostamente criar uma sociedade mais perfeita.
Todos pareciam surpreendidos, menos o Dr. Cliv.
— Eu trabalho com cientistas que realmente estão interessados no bem da humanidade. Vocês não poderão mais continuar com isso, serão presos e pagarão pelos seus crimes. — A... continuou.
Quatro cientistas que estavam na sala fizeram menção de se retirar, mas se sentiam misteriosamente fracos e não conseguiam se levantar. Nesse momento, Ertas e a sua equipe apareceram na sala.
— Foi um bom trabalho, — disse Ertas a A... — obrigado.
— Eu é que tenho que agradecer a você e a sua equipe de super inteligências, sem vocês não seria possível dar um fim ao Dr. Cliv e a sua malha.
Nesse instante, o Dr. Cliv passou a rir sarcasticamente:
— Fim da malha? Não sabem com o que estão lidando. Ouçam bem o que vou dizer: De um certo Dr. Cliv muito ainda se ouvirá falar!! — disse, rindo sem parar.
Nesse momento, um homem deu-se por si em seu laboratório. A sua frente, instrumentos para experiências químicas. Carne, osso e pensamento era o que estava pensando antes de cochilar. Mas o que é o pensamento? Talvez, alma, espírito... Espírito com certeza. Era o que pensava agora.