A Saga de Godofredo III – A Travessia

12.02.22

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Estavam, Godofredo e Cons, agora no cais de La Valeta preparando-se para a travessia. Cons, com sua silhueta rotunda em túnica e turbante bege, de adaga moura na cintura e óculos de aros redondos aflorando do seu rosto de lua, conferia os itens a serem levados. Era uma visão peculiar e cômica.

A tripulação, composta de soldados da seita “Assasin” – famosos por suas habilidades em matar – de extrema confiança e lealdade ao comandante da embarcação, capitão Halim, os ajudava. Todos usavam túnica e turbante negros, deixando visíveis somente os olhos selvagens e frios. Suas adagas, companheiras indispensáveis, eram de aço de Damasco, inigualável na leveza, maleabilidade e dureza. Suas silhuetas eram aterradoras e não gostaria de estar na pele dos sarracenos, pensou Godofredo.

Capitão Xenofonte chamou Godofredo, Cons e Halim para alinharem as últimas informações e partirem ao cair da noite. Um lindo pôr do sol no Mediterrâneo, de um anil profundo e brilhante, emoldurava a cena que Godofredo presenciava.

-Estamos quase prontos com o navio carregado de azeite e alcatrão. Lembrem-se de que os tonéis de alcatrão tem um ponto de tinta preta nas tampas. Vocês agora são mercadores libaneses e terão que adotar essa postura. Godofredo será Hassan e Cons será Nabi. Adotamos esses nomes confirmados por nosso aliado em Tunes, que inclusive já fechou a entrega do azeite libanês para as naus de comando. Seguirão até o porto de Sfax, local em que está ancorada a frota moura. Capitão Halim conhece como ninguém aquelas águas em que há piratas, mas acreditamos que com os Assasin a bordo estarão bem protegidos. Farão uma parada de reabastecimento em Lampedusa e em Sfax os dois espiões de confiança de Nabi estarão aguardando-os. Boa viagem e boa sorte!

O navio enfunou suas velas eriçadas pelos Assasin, que também eram hábeis marinheiros, deixando-as esticadas e firmes. E, sob um vento constante, típico do Mediterrâneo, a nau deixou as amuradas do porto. O silêncio imperava na embarcação que deslizava suavemente nas águas azuladíssimas, ouvindo-se somente o bater do mar no casco forte e firme do barco. A missão iniciou, pensou ele.

-Ansioso Godofredo, ou melhor, Hassan? – pergunta-lhe mudamente Cons, agora Nabi .

-Um pouco, mas nada que supere minha excitação e curiosidade para saber aonde me levará minha memória primordial.

O comandante Halim trouxe-lhes um mapa da região do porto de Sfax para estudarem o terreno e relevo do local, dizendo-lhes:

-Somos agora libaneses, portanto, nossa língua é o árabe e devemos só falar esse idioma, correto? Então se exercitem conversando com os soldados, que poderão ao longo da travessia, contar algumas de suas ações, o que acham?

-Perfeito – acenaram os dois com a cabeça.

Seguiram velejando noite adentro com ventos firmes, que lhes davam boa velocidade de cruzeiro. Ouviam as escabrosas histórias dos Assasin. A parada na ilha de Lampedusa, no meio do caminho, seria no início da manhã.

Hassan se aninhou e adormeceu junto da amurada do barco olhando o céu limpo e claro coalhado de estrelas. O dia foi pesado - escutou a vozinha de Nabi dizendo-lhe em sua cabeça. A realidade em sua memória era real e profunda. Sonhava.

Acordou com o sol nascendo e o vozerio alto dos Assasin agitados, posicionando-se nas laterais do barco com suas lanças e escudos para o combate.

-Piratas! – gritou-lhe Halim apontando para uma embarcação no horizonte que crescia velozmente, vindo em sua direção. Os Assasin riam de felicidade e fumavam haxixe, o que os deixava mais excitados para o embate que logo ocorreria.

-Vamos lá, não é mesmo Nabi? Estamos aqui para isso, será um treino – disse Hassan levantando e empunhando sua adaga também de aço de Damasco, sentindo sua empunhadura firme e justa e a leveza extraordinária dessa arma. Estava pronto para o combate. Não tinha medo.

-Mas não pense que os piratas não têm Assasin em suas hordas também – comenta Nabi, calmamente sentado em um dos barris de azeite. Os de alcatrão estavam escondidos no compartimento de carga do navio.

Halim navegava diretamente para o barco pirata, já distinguindo tamanho e forma. Era uma embarcação menor que a nau cruzada, mas mais leve e veloz, com enorme maneabilidade nas mudanças de direção. Via-se também a sua tripulação apinhada nas laterais, alguns com facas na boca e balançando as adagas, todos de olhos fixos e firmes, ferozes, loucos para capturar a frágil nau cargueira. Ledo engano! Hassan sentia a sua pulsação acelerada e um fio de suor escorrendo-lhe pelas costas por baixo da túnica de algodão. A luta seria terrível.

-Louco para a ação, não é Godofredo? Opa, Hassan. Você tem sangue guerreiro. É da sua estirpe e essência – observa-lhe Nabi calmo, como se nada fosse acontecer.

O navio pirata emparelhou com o cargueiro lançando suas âncoras metálicas pontudas presas a grossas cordas em direção da nau cruzada. Os Assasin, com tremenda agilidade e destreza, cortaram as cordas das âncoras para amarrar as embarcações, tornando-as uma coisa só. Os piratas urravam ferozes e furiosos tentando pular na nau cargueira. Os soldados cruzados, com movimento perfeitamente coordenado, fizeram uma barreira com suas lanças e escudos repelindo-os. Os piratas não conseguiram abordar o cargueiro. Tinha uma muralha negra intransponível. Então, uma leva de Assasin pulou no barco inimigo e com golpes cirúrgicos dizimou toda a horda pirata, impedindo rapidamente o ataque. Não falavam nem gritavam, riam de felicidade a cada abatido. Seguiam obcecados e silenciosos, decapitando um a um. Houve encontro com piratas Assasin e a luta foi espetacular, mano a mano, pois entre eles existe código de conduta para essas situações. Lutaram somente de facas e sua agilidade e precisão impressionou Hassan - foi uma aula. Mas os Assasin piratas foram rechaçados e mortos. Houve feridos entre os soldados cruzados que seriam cuidados em Lampedusa – não seguiriam viagem. Não poderia ter soldados sem condições plenas para o combate. Não houve sobreviventes do lado pirata, pois não poderia haver nenhuma testemunha. Godofredo assistiu atônito e embevecido pela precisão e firmeza da ação coordenada da sua tripulação. Incrível era a palavra para definir o que presenciara. Tinha uma equipe perfeita. Estava confiante.

Os mortos foram empilhados no barco pirata, o capitão feito prisioneiro. Havia muitos objetos em ouro, prata, pedras preciosas, enfim, produto dos muitos saques feitos até aquele fatídico dia. Tudo foi partilhado entre os soldados do comandante Halim, merecidamente. Agora, em uníssono, urravam forte e felizes pela conquista.

Halim mandou furar o casco da nau inimiga, cortar o mastro e envolver todos os corpos com a vela, amarando-os com as cordas e usando âncoras como peso. Lentamente deixou o navio inimigo afundar com toda a sua tripulação. Triste foi seu fim.

Lampedusa surgia no horizonte. A primeira batalha fora vencida, mas a guerra seria longa.

Os Assasin cantavam felizes com os seus saques. Godofredo estava feliz por tê-los ao seu lado.

-Tivemos sorte – disse Nabi, que assistiu impávido a luta toda sentado no mesmo barril de azeite!

A missão seguia.

Nota do Autor:

É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 12/02/2022
Reeditado em 12/02/2022
Código do texto: T7450906
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