O agente temporal

Deparei-me casualmente com o Professor sentado à uma mesinha no lado de fora da padaria, aguardando que a sopa fosse servida; fui até lá cumprimentá-lo e ele me convidou para fazer-lhe companhia durante a refeição.

- Soube que havia voltado recentemente de viagem - comentei, após algumas frases de cortesia.

- Sim, fui até o Egito ptolomaico em minha máquina do tempo - redarguiu ele com ar pensativo. - E cometi um erro particularmente crasso... esqueci lá uma edição de 2021 do Almanaque de História Mundial.

Senti um arrepio me subir pela espinha.

- E conseguiu minimizar as consequências disso para a linha temporal? - Indaguei apreensivo.

Ele abriu as mãos.

- Na verdade, não fiz nada; mesmo sabendo que quem ficou com o almanaque foi Neb-uer, um escriba.

- Imagino que não havia o que temer, visto que no Egito ptolomaico, ninguém poderia compreender um livro escrito em português - especulei.

- Quase isso - replicou o Professor. - Sabe onde Neb-uer trabalhava?

Fiz um gesto negativo de cabeça.

- Na Biblioteca de Alexandria - complementou ele. - Mesmo que conseguissem decifrar o texto a partir do latim, algo que considero improvável, podemos dar por certo que o livro foi destruído com todo o conteúdo da instituição.

A garçonete chegou com a sopa e o pão, e o Professor começou a comer.

- E se o almanaque foi enterrado e descoberto séculos depois? - Ponderei. - Digamos, por Nostradamus?

O Professor deu de ombros.

- Neste caso, a perda do livro já fazia parte da linha temporal, e eu apenas fui o agente responsável. Fique tranquilo; no meu retorno, examinei as linhas gerais dos acontecimentos do Egito ptolomaico até hoje, e não percebi nenhuma alteração suspeita.

- Melhor assim - assenti. - Bom, agora vou deixá-lo comer em paz. Que Mitra o abençoe!

Posso ter me enganado, mas quando disse a prosaica fórmula religiosa, os olhos do Professor se arregalaram. A verdade é que ele nunca se apresentou como um homem de fé...

- [08-02-2022]