O resgate
Quando Euterpe Marquelain viu a luz da lanterna do capacete de Uxue Yharrassary brilhar pelo visor da câmara de controle, não sabia se o que sentia era alívio ou apreensão. Mas já arriscara muito escondendo-se ali, e tinha noção de que se não a houvessem detectado antes que o rebocador deixasse a atmosfera de Júpiter, a probabilidade de que a radiação do campo magnético do planeta a matasse, era muito grande. Portanto, colocou a máscara de oxigênio como lhe fora solicitado, e aguardou até que a porta do compartimento fosse aberta. Lá fora, tudo era negro - e chovia.
- Euterpe, eu trouxe uma capa de chuva, botas magnéticas e um cinturão para prender o cabo de segurança - informou Uxue pelo alto-falante do traje espacial. - Preciso que se arrume rápido, pois temos uma caminhada para fazer lá fora e o tempo pode piorar.
Um relâmpago iluminou as nuvens ao redor, e o trovão fez estremecer as estruturas do veículo. Euterpe seguiu as instruções com a rapidez de quem já estava acostumada com aquele tipo de situação, e depois, fez sinal de que estava pronta.
- Muito bem - aprovou Uxue. - Não creio que vamos poder nos comunicar lá fora por causa do vento, portanto mantenha-se atrás de mim e pise exatamente onde eu pisar. Certo?
Euterpe ergueu o polegar direito.
- Vamos lá então - ordenou Uxue, pondo-se em marcha.
Euterpe jamais imaginara que algum dia teria que caminhar pelo casco de uma nave espacial na atmosfera de Júpiter, usando apenas um macacão de serviço da UC-4 e uma capa de chuva sobre ela. Chovia, fazia frio, e rajadas de vento tornavam a proteção da capa menos do que o ideal; todavia, fora o fato de estar respirando por uma máscara de oxigênio e não enxergar mais do que os relâmpagos lhe permitiam ver, a experiência não era de todo alienígena.
- Atenção para a escada! - Gritou Uxue pelo alto-falante, indicando que teriam que descer.
Com passos cuidadosos, ela seguiu pelo caminho iluminado pela lanterna do capacete da guia. E, ao fim do que parecia ser uma eternidade, viram-se diante da comporta da câmara de descompressão, que Uxue abriu rapidamente.
- Iuliu, já entramos; nos tire daqui - alertou pelo rádio.
Só então percebeu que Euterpe desabara no piso, tremendo.
- Você está bem? - Indagou Uxue preocupada, removendo o capacete e agachando-se junto da outra mulher.
Euterpe balançou a cabeça, afirmativamente, antes de retirar a máscara de oxigênio.
- O medo que eu senti lá fora... agora posso falar isso!
- Bem-vinda a bordo, Euterpe Marquelain. Eu sou a comandante Yharrassary - saudou-a Uxue.
- Você me conhece - foi a constatação.
- Nunca tínhamos nos visto pessoalmente antes, mas claro que sei que é... ou era... a dona da UC-4 - explicou Uxue.
E estendendo a mão para ajudar a outra a se erguer:
- Vamos tirar essa capa molhada e providenciar roupas secas. Precisamos sair daqui, não é um bom lugar para um rebocador carregado estar...
- Sem dúvida - assentiu Euterpe, já de pé. - Você é muito corajosa, comandante.
- Meu imediato também é - minimizou Uxue. - Ele está lá em cima, controlando essa banheira enquanto batemos papo. Vamos; até Ganimedes teremos muito tempo para colocar a conversa em dia...
- [Continua]
- [01-02-2022]